Enquanto aguarda verba extra do governo federal, o maior hospital do
Estado, o Walfredo Gurgel, vive uma situação de caos. A superlotação
registrada, nos últimos 45 dias, agravou a crise de desabastecimento,
instalada por causa de uma dívida de R$ 380 mil junto aos fornecedores.
Falta o mínimo necessário para que os pacientes sejam atendidos, desde
materiais de uso hospitalar à medicamentos, como xilocaína e anestésico,
há, pelo menos, três dias.
A situação foi classificada como
"uma grave violação aos direitos do paciente" e "um desrespeito à
dignidade humana" por representantes do Conselho Regional de Medicina
[Cremern], do Conselho Regional de Enfermagem [Coren] e da Comissão de
Direito de Saúde da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RN), que
visitaram o hospital, ontem pela manhã. A vistoria durou cerca de duas
horas e trouxe à tona números que, no mínimo, preocupam.
Ontem,
às 12h, o setor de enfermagem contabilizava 15 pacientes internados no
Centro de Recuperação de Operados (CRO), dos quais seis em macas. No
Pronto-socorro, 96 pacientes estavam internados em corredores e outros
18 estavam 'entubados', ou seja, com ventilação mecânica, fora de
Unidade de Terapia Intensiva por falta de leitos. Nos corredores do
Politrauma e do CRO a condição é desumana, para pacientes e
profissionais de saúde.
No CRO, por volta das 10h, a situação era
crítica: apenas um enfermeiro e três técnicos davam assistência aos 15
pacientes - quatro deles alojados no corredor, que dá acesso ao centro
cirúrgico. O déficit de pessoal é crônico na unidade. Segundo cálculos
da coordenação do Setor de Enfermagem a unidade precisaria contratar
mais 248 técnicos de enfermagem e 32 enfermeiros, para atender a demanda
reprimida.
Depois da fiscalização, as entidades anunciaram que
vão elaborar um relatório e, em reunião conjunta, discutir medidas a
serem adotadas, inclusive no âmbito jurídico. "A situação piorou
drasticamente nos últimos 60 dias. Eu vi colegas, técnicos e enfermeiros
chorando, num estado de estresse muito grande, querendo fazer alguma
coisa e não pode. A prática da enfermagem está totalmente prejudicada,
desumana, e estamos prestando uma assistência indigna porque não tem
pessoal suficiente, nem estrutura", resumiu a presidente do Coren,
Alzirene Nunes de Carvalho. Ela considerou a situação de "calamidade
pública" e disse que não aceita mais a desculpa de que falta recurso.
"Tem que ter uma providência imediata porque pacientes estão aqui dentro
correndo perigo de morte, quando não deveriam ir à óbito".
O
risco está por todo o lado. A unidade tem pacientes esperando por UTI
nos corredores; pacientes 'entubados' no CRO, no politrauma e nas
observações clínicas 1 e 2. Hoje, o número de leitos de UTI do HWG é
superior ao que preconiza a Organização Mundial de Saúde (de 8 a 10% dos
leitos gerais). São 35 leitos de UTI e 280 leitos no total, que não
atendem a demanda reprimida.
Na sala do CRO, um paciente do
pós-operatório, que deveria estar no isolamento, dividia o espaço da
unidade com outros dez. "Nossa visita é para saber a realidade dos
recursos que estão disponíveis para a Saúde., para que possamos tentar
mudar esse quadro, que não é específico do Walfredo Gurgel", afirmou a
presidente da Comissão de Saúde da OAB/RN, Elisângela Fernandes.
"É
uma realidade que só vai se modificar quando se resolver a situação no
Estado, da assistência primária". A falta de medicamentos - destacou -
"é mais grave do que vê pacientes desassistidos porque não têm uma
equipe que possa assisti-los e não tem medicamentos. Não que a
internação em corredor não seja grave. É grave, mas a curto prazo não
temos como resolver. Construir um hospital é mais complicado, mas
podemos dar condições de trabalho a quem está aqui".
Presente à
vistoria das entidades de Saúde e OAB/RN ao hospital, o secretário de
Saúde, Domício Arruda garantiu teria reunião com a área financeira do
governo para encontrar uma solução a curto prazo para pagar os
fornecedores e regularizar o abastecimento. Mas não chegou a anunciar
data para o pagamento. Ele disse que a expectativa era de pagar até o
dia 30 de dezembro, o que não ocorreu. "Por falta de recursos, as
unidades hospitalares que têm autonomia não receberam o repasse e, por
isso, não fizeram o pagamento. O problema do desabastecimento é isso".
Demanda cresce sem controle há 45 dias
Durante
a visita ao Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel, o presidente do
Cremern, Jeancarlo Fernandes, informou que, últimos três meses, apenas
um dos setores do hospital, a clínica médica, registrou 192 óbitos. Por
dia, a média é de dois pacientes mortos. "É um número inaceitável em
qualquer hospital", afirmou, sem apontar parâmetro que justificasse sua
avaliação. O dado motivou a vistoria realizada ontem.
Ouvido pela
TN, o presidente da Sociedade de Terapia Intensiva do Rio Grande do
Norte, Antônio Fernandes, também mostrou preocupação, mas fez ressalvas.
"Em principio, parece um número alto, em se tratando de clínica médica,
mas merece uma avaliação mais aprofundada". Por ser um hospital de
urgência e emergência, já é esperado um número de óbito mais elevado no
Walfredo Gurgel.
O médico disse que, de acordo com a resolução
07/2010, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), os
hospitais públicos e privados são obrigados a estabelecer parâmetros
quanto ao risco de morte, principalmente na UTI, para que possa
identificar o nível de resolutividade. O cálculo do risco de morte chega
a considerar até 24 indicadores, entre os quais idade dos pacientes,
doença e os exames.
O Walfredo Gurgel tem esse risco calculado,
segundo enfermeiros ouvidos pela reportagem, mas a TN não teve acesso ás
informações. A expectativa da direção do hospital é de amenizar os
problemas e a superlotação com o ingresso do hospital no programa
federal 'SOS Emergência'. A unidade receberá um reforço mensal de
custeio de R$ 300 mil e R$ 1,5 milhão/mês para contratação de 100 leitos
nos hospitais da rede privada, sendo 25 de UTI, além de recursos para
equipamentos e mobilia. "No final de semana passado, eu deixei o
hospital com 280 pacientes internados, na segunda-feira, nós tínhamos
410. Então é uma coisa descontrolada, que fura qualquer planejamento",
mencionou o diretor geral do hospital, Mozart Dias de Almeida. Hoje,
segundo ele, o maior número de pacientes em internação não é o
politraumatizado.
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