quinta-feira, 2 de junho de 2011

Advogado que denunciou caso de Lauro Maia é assassinado em Natal

Marco Carvalho
Ricardo Araújo
Júlio Pinheiro
repórteres

Eram aproximadamente 17h15min da tarde de ontem. Um homem adentra o escritório do grupo Advogados e Associados na Avenida Miguel Castro, 836. O “cliente” procura pelo advogado Anderson Miguel da Silva, para tratar de uma causa de pensão alimentícia. A recepcionista informa a chegada por telefone. A entrada é autorizada pelo advogado. Minutos depois, quatro disparos. O pseudo-cliente sai apressadamente do escritório e foge num Siena branco com auxílio de um comparsa. Um dos réus e o delator da Operação Hígia, Anderson Miguel da Silva, estava morto. Executado com quatro tiros de pistola ponto 40 que lhe atingiram o peito e a cabeça.

Júnior SantosPolícia Federal participa das investigações a pedido do MPF. PM prendeu ontem mesmo um suspeitoPolícia Federal participa das investigações a pedido do MPF. PM prendeu ontem mesmo um suspeito
As funcionárias que trabalhavam no escritório de advocacia composto por nove salas avisaram à Polícia Militar e solicitaram o socorro do Samu minutos depois do ocorrido. Não houve tempo para resgate. Quando os técnicos de enfermagem chegaram ao local, Anderson estava morto. “Quando a equipe de resgate chegou ao local, ele já estava morto”, disse o major Rodrigo Trigueiro, chefe da Rocam. A vítima foi encontrada  sentada na cadeira na qual trabalhava com a cabeça pendendo para o lado direito e o lado esquerdo do peito ensanguentado.

 De acordo com relatos de vizinhos do prédio, a movimentação era comum no final da tarde de ontem. Uma senhora que trabalha num escritório ao lado do qual advogava Anderson disse que ouviu as atendentes gritando mas imaginou que fosse um assalto. Após isso, a movimentação de carros da Polícia Militar ficou intensa. O acesso ao local era controlado por policiais e somente familiares e funcionários tinham acesso ao prédio. A sala na qual a vítima foi morta ficava no final de um corredor.

Às 17h56min, os peritos do Instituto Técnico e Científico de Polícia (Itep) chegaram ao local do crime. Por aproximadamente uma hora, realizaram a perícia inicial. De calças jeans e descalço, o corpo de Anderson Miguel da Silva, envolto metade por um saco preto e metade num lençol listrado, foi conduzido ao rabecão do Itep às 18h43min. 

Após a saída do cadáver, as investigações continuaram no local. O Ministério Público requisitou a participação da Polícia Federal na apuração da morte do réu pela possibilidade do crime ter ligações com o processo da Operação Hígia. Os policiais federais realizaram os exames de papiloscopia com a intenção de coletar impressões digitais no objetos da mesa do advogado. Além dos exames, a Polícia Federal recolheu o computador utilizado no escritório da vítima, além de documentos e objetos.

A ex-mulher de Anderson Miguel, também ré na Operação Hígia, a empresária Jane Alves, estava presente numa outra sala do escritório no momento do assassinato. A informação foi confirmada pelo advogado Gilberto Pires, que recentemente comprou o prédio do qual Anderson e Jane eram proprietários. “A negociação ocorreu normalmente. Nós fechamos negócios há cerca de 20 dias e já tínhamos efetuado o pagamento. Anderson iria sair daqui até o dia 10 deste mês”, destacou Gilberto.

O delegado geral da Polícia Civil, Fábio Rogério, esteve no local do crime e acompanhou as investigações da Polícia Federal e dos agentes do Itep. “Não posso adiantar nada. A investigação será feita pela polícia civil e federal”, disse. Até as 22 horas de ontem, o delegado que irá investigar o caso ainda não tinha sido definido por Fábio Rogério. Acredita-se que Roberto Andrade, da Delegacia de Homicídios, fique a frente do caso. Ele esteve presente na cena do crime e acompanhou as investigações com a Polícia Federal.

Velório deve ocorrer em Barra de Maxaranguape

Anderson Miguel teria deixado claro à família que gostaria de ser enterrado no município de Barra de Maxaranguape. Em 2008, o advogado concorreu a prefeito da cidade e não alcançou o cargo por uma diferença menor do que 1% em comparação a adversária vencedora.

De acordo com informações de familiares, a mãe e o pai de Anderson já são falecidos, mas há uma grande quantidade de
Aldair DantasEsposa de Anderson Miguel chega ao local do crimeEsposa de Anderson Miguel chega ao local do crime
parentes à frente da burocracia de liberação do corpo e sepultamento. Ainda segundo pessoas próximas, a vítima de ontem estudou no Rio de Janeiro, onde nasceram os pais, mas escolheu Natal para viver.

No final da noite de ontem, eram vários os amigos, clientes e parentes de Anderson que estavam no Instituto Técnico-científico de Polícia (Itep). Dentre eles, estava uma mulher identificada apenas como Ana, atual companheira do advogado. Emocionada, ela se negou a conceder entrevista. “Não vou falar nada. Gostaria que vocês respeitassem a minha dor”, disse a mulher, grávida de cinco meses.

A liberação do cadáver enfrentava entraves burocráticos, uma vez que os parentes não dispunham da Certidão de Divórcio. Apesar disso, a expectativa era de que ainda durante a madrugada o problema tivesse solução.

Após sair do Itep, a mulher com a qual Anderson se relacionou nos últimos dois anos, conhecida como Ana, se dirigiu ao escritório onde ele trabalhava. Aparentando nervosismo, ela escondeu o rosto quando desceu do veículo e permaneceu em silêncio. O objetivo da ida de Ana, grávida de cinco meses, ao local de trabalho do ex-companheiro era buscar um documento para realizar a liberação do corpo no Itep.

Como o local do crime já havia sido lacrado pelos agentes das Polícias Civil e Federal, ela ficou impedida de ter acesso aos documentos. “Eu não quero que ninguém mexa nessa sala. Eu quero ser a primeira a entrar lá”, foi possível ouvir  pela porta da recepção. O delegado da PF afirmou que a sala ficaria à disposição das polícias por tempo indeterminado e que ela só pegaria o documento acompanhada do delegado geral. Ela comentou que “não quero que ela (referindo-se a Jane Alves) tenha acesso à sala”.

Polícias Federal e Civil conduzem investigações

O Ministério Público Federal requisitou na noite de ontem a participação da Polícia Federal nas investigações da morte de Anderson Miguel. Em nota, o MPF justifica o pedido informando que “a requisição deve-se à possibilidade da motivação do crime ter relação com as declarações dele no referido processo criminal (Operação Hígia)”.

Ainda não está claro de que forma ocorrerá a instauração do inquérito por parte das forças de segurança pública. A Polícia Civil, através da Delegacia Especializada de Homicídios (Dehom), esteve na cena do crime representada pelo delegado Roberto Andrade. Segundo ele, as evidências não dão margens a interpretações diferentes de “queima de arquivo”.

A PF ficou responsável pela coleta de digitais, assim como computadores e outros objetos do escritório da vítima. O trabalho de perícia foi complementado pelo Instituto Técnico-científico de Polícia (Itep).
No escritório, localizado na avenida Miguel Castro, a polícia pôde colher informações que darão subsídio à investigação. Foi notado que o circuito de câmeras de segurança do local não grava as imagens, apenas as transmite. Assim, quando uma pessoa desejava ser recebida pelo advogado, Anderson poderia ver a imagem da recepção e autorizar ou não a entrada.

Isso pode indicar que o algoz da vítima pudesse ter alguma ligação anterior que lhe permitisse o acesso à tal sala no escritório. 

Suspeito

De acordo com o major Rodrigo Trigueiro, comandante da Ronda Ostensiva com Apoio de Motocicletas (Rocam), um dos suspeitos é alto, magro, usava uma camisa preta e não tem alguns dentes. Foi com esse perfil que uma guarnição da Rocam deteve um homem identificado apenas com Wescley, logo o conduzido para a sede da Polícia Federal.

O homem foi encontrado próximo ao lixão no bairro do Planalto, zona Oeste de Natal. Com ele estava um veículo tipo Siena de cor branca, que pode ter sido utilizado na ocorrência na avenida Miguel Castro.

Para a sede da PF também foram levadas três testemunhas que iriam depor e reconhecer ou não Wescley. Ele também passará por um exame residuográfico, com objetivo de detectar se tem pólvora nas mãos, o que indica se a pessoa utilizou arma de fogo.

Até o momento do fechamento da edição, 23 horas de ontem, apenas as testemunhas haviam conversado com o delegado. O interrogatório se prolongou durante esta madrugada.

Operação Hígia

A Operação Hígia foi uma investigação da Polícia Federal que, no dia 13 de junho de 2008, cumpriu 12 mandados de prisão e 42 ordens de busca e apreensão em Natal e em João Pessoa, devido a possíveis fraudes em licitações da Secretaria Estadual de Saúde e recebimento de propina por parte de pessoas influentes no Governo do Estado, durante a gestão de Wilma de Faria. Entre os presos estava o filho da então governadora, Lauro Maia, e a mulher do ex-secretário de Segurança Carlos Castim, Eleonora Castim.

As investigações davam conta de possíveis irregularidades no contrato da Secretaria Estadual de Saúde com a empresa A&G, que prestava serviços gerais à Sesap. De acordo com as investigações e os depoimentos colhidos, ocorria o que se chama de “tráfico de influência” por parte de membros do primeiro escalão do Governo do Estado e familiares da então governadora. Eles supostamente trocavam cargos por apoios políticos e cobravam propina para membros de empresas terceirizadas para que o pagamento dos contratos fosse efetuado.

Além de Anderson Miguel, são réus na Operação Hígia Edmílson Pereira de Assis, Francinildo Rodrigues de Castro, Francisco Alves de Souza Filho, Genarte de Medeiros Brito Júnior, Herbert Florentino Gabriel, João Henrique Lins Bahia, Jane Alves de Oliveira Miguel da Silva, Lauro Maia, Luciano de Souza, Marco Antônio França de Oliveira, Maria Eleonora D’Albuquerque Castim, Mauro Bezerra da Silva, Rosa Maria da Apresentação Caldas Siminetti e Ulisses Fernandes de Barros

Depoimento

Arquivo TNAnderson Miguel, delator da Operação Hígia foi executado dentro do escritório onde trabalhavaAnderson Miguel, delator da Operação Hígia foi executado dentro do escritório onde trabalhava
Em depoimento no dia 25 de novembro de 2010, Anderson Miguel, proprietário da A&G, confirmou o esquema de corrupção e citou os nomes de outras pessoas que poderiam estar envolvidas, incluindo o irmão da ex-governadora Wilma de Faria, Fernando Faria, e o ex-deputado estadual Wober Júnior (PPS).

Apesar de não haver confirmação por parte do réu, nem do Ministério Público ou da Justiça, foi levantada a hipótese de que Anderson Miguel tivesse conseguido o benefício da delação premiada.

Briga

A empresária Jane Alves, ex-mulher de Anderson Miguel, rebateu o depoimento do ex-marido. No dia 17 de dezembro do ano passado, Jane Alves disse que foi ameaçada por Anderson Miguel e que houve a tentativa de impedir que ela levasse ao depoimento documentos referentes aos contratos da A&G com o governo do Estado.

O motivo para a tentativa de impedimento e supostas ameaças, segundo depoimento de Jane Alves, seriam informações falsas repassadas por Anderson Miguel à Justiça. Ela garantiu que, ao contrário do que disse o empresário em depoimento, os contratos também foram superfaturados e que havia documentos que poderiam comprovar a irregularidade.

Justiça

Além do processo referente à Operação Hígia, Anderson Miguel também é réu em quatro processos na Justiça Federal, referentes principalmente a cobranças de dívidas, e 12 na Justiça do Rio Grande do Norte. As denúncias vão desde  improbidade administrativa até cobrança de dívidas e reintegração de posse. Na segunda-feira passada, inclusive, ele foi condenado a pagar R$ 120.525,64 a uma pessoa que lhe cobrava dívidas.

O escritório de advocacia onde Anderson Miguel foi assassinado chegou a ser motivo de discussão na Justiça. Um filho de Jane Alves cobrava que Anderson Miguel, seu ex-padrasto, deixasse o imóvel. O advogado e Jane Alves teriam vendido o imóvel de nove salas para o filho da empresária, que teria fornecido uma sala para Anderson Miguel como comodato. Contudo, depois da separação, o autor da ação alegou que a convivência com o advogado era inviável e queria a saída – o que não foi aceito pela Justiça, em decisão publicada no dia 4 de março deste ano.

Outros processos correm na Justiça cobrando altos valores a Anderson Miguel. O banco Bradesco move ação superior a R$ 256 mil contra o advogado, enquanto o banco Safra pede quase R$ 35 mil.

Política

O advogado Anderson Miguel da Silva também tinha atuação política em Maxaranguape, situado no litoral sul e a 44 quilômetros de Natal. Em 2008 ele disputou a eleição de prefeito pelo PSDC, tendo perdido o pleito por apenas 47 votos de diferença para a então candidata do PSDB, Maria Ivoneide da Silva, a “Neidinha”.

Naquela eleição, Anderson Miguel obteve 3.499 votos (49,67%) contra 3.546 sufrágios (50,33%) dados à atual prefeita, que foi candidata pela situação e com o apoio do ex-prefeito Amaro Saturnino Alves.

Anderson Miguel liderava todas as pesquisas eleitorais até às vésperas da eleição, mas a aliança  de Toinho Costa com até então adversária “Neidinha”, de quem foi companheiro de chapa, como candidato a vice-prefeito, terminou revertendo o quadro eleitoral que era favorável ao advogado. Toinho Costa hoje está rompido politicamente com a prefeita.

TN

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