O grupo de trabalho instaurado pelo Congresso Federal para discutir a
proposta de emenda à Constituição (PEC 37), que na prática retira os
poderes de investigação do Ministério Público, ainda não chegou a um
consenso. Contudo, se depender daqueles leitores que acompanham o
trabalho dos deputados federais por meio do site da Casa Legislativa em
Brasília, os parlamentares, como representantes do povo, já sabem o que
deve ser aprovado sobre o assunto: que os promotores continuem a
investigar crimes.
Isso porque, em uma enquete feita pelo setor de comunicação da
própria Câmara Federal e disponibilizada no site, quase 90% dos
internautas afirmaram que querem que o MP continue a realizar
investigação quando achar necessário ou em casos especiais. Foram mais
de 73 mil participações e uma ampla maioria querendo que o Ministério
Público continue investigando crimes.
Segundo os números divulgados pela Câmara, 83,26% são contrários a
PEC e acham que o MP deve “poder investigar quando julgar necessário”.
Essa opção teve 60,861 mil votos. Outros 1.623 internautas, ou 2,22% dos
participantes da enquete, acham que o MP deve “investigar somente casos
específicos”, que é justamente o que os promotores estão propondo no
grupo de trabalho da PEC. Aqueles que acham que o MP não “deve poder
investigar” representaram apenas 14,52%, ou seja, 10.616 votos.
É importante ressaltar que essa foi uma enquete proposta pela Câmara
Federal e não algo fechado aos leitores e apoiadores do Ministério
Público. Ressalta-se, também, que foi a enquete mais votada do site,
superando em mais de 15 mil votos a segunda mais votada, que foi a sobre
a revogação do estatuto do desarmamento, um assunto consideravelmente
polêmico. A descriminalização das drogas aparece logo em seguida, com
29,1 mil votos.
“Essa enquete mostra a vontade das pessoas e o receio de que a
aprovação da PEC prejudique a investigação de crimes, ou seja, a
impunidade. Não foi algo fechado, foi feita pela própria Câmara Federal,
que é quem está realizando o debate sobre o assunto”, afirmou o futuro
procurador-geral de Justiça do RN, Rinaldo Reis.
ENTENDIMENTO
E é porque o tema da enquete está bem próximo de ser votado na Câmara
Federal. Afinal, o presidente da Câmara Federal, Henrique Eduardo
Alves, do PMDB, cobrou um resultado sobre a proposta de emenda à
Constituição (PEC 37), que tira os poderes de investigação criminal dos
ministérios públicos, até o dia 19 deste mês. E, para o futuro
procurador-geral de Justiça do RN, o promotor Rinaldo Reis, esse tempo é
suficiente “para se chegar a um acordo ou ter certeza de que não haverá
consenso”.
Isso porque, segundo Rinaldo Reis, depois de semanas de discussão
desde que o deputado Henrique criou um grupo de trabalho para discutir o
assunto, como membro do MP, delegados (que querem a aprovação da
proposta do jeito que está), e de membros da Câmara e do Senado Federal,
pouco se acordou até agora. “Nessa última reunião é que houve certo
avanço, quando os representantes dos delegados admitiram a inclusão de
um dispositivo que permite alguma investigação pelo MP”, afirmou Rinaldo
Reis.
Essa possibilidade de investigação, finalmente, admitida, porém,
ainda é bastante restritiva, pelo fato de conceder ao MP apenas a
possibilidade de complementação de provas e fatos que tenham sido
resultantes de sindicância e/ou inspeção de outros órgãos. “Isso poderia
ser exemplificada pelo seguinte: a Receita Federal descobre uma
informação e o MP poderá fazer a coleta de provas complementares. O
mesmo valeria para Ibama e outros órgãos públicos”, explicou Rinaldo
Reis.
Pelo menos, dessa forma o Ministério Público ganharia a possibilidade
de complementar sua própria investigação, no caso da prática de
improbidade administrativa, que é uma investigação civil, mas que pode
representar, também, um crime contra a administração pública. Ou seja, o
MP poderia coletar informações para uma investigação civil e
complementar uma investigação criminal.
Contudo, segundo Rinaldo Reis, isso ainda representa o início de um
consenso, mas ainda falta discutir melhor os termos dessa possibilidade.
“Ainda há muito o que se discutir e chegar a um entendimento sobre o
que seria aceitável para essa situação. o MP tem feito muitas propostas
com muita regulamentação o que, inclusive, limita o poder do promotor,
mas mesmo assim ainda está difícil, muito pela rejeição dos
representantes dos delegados”, afirmou Rinaldo Reis.
“A gente defende que os promotores tenham um trabalho mais
regulamentado, mas que não haja uma limitação do trabalho por matéria,
para poder investigar algum assunto, mas não outro. Entendemos que essa
não é a solução. O MP reconhece que a investigação criminal é uma
atribuição da polícia, mas que poderia haver casos de
extraordinariedade, que seriam especificados nessas normatizações. O
problema é que os delegados exigem a exclusividade para eles”,
acrescentou o futuro procurador-geral de Justiça, que tem participado
desse grupo de trabalho em Brasília desde o início das discussões.
VOTAÇÃO
A proposta de emenda à Constituição (PEC 37) deve passar por uma
reformulação antes de ser votada, muito provavelmente no dia 26 de
junho. Esse é o objetivo do presidente da Câmara, Henrique Eduardo
Alves, que na semana passada se reuniu com representantes de policiais
civis e federais e do Ministério Público e reafirmou que a PEC. Caso as
duas categorias não cheguem a um acordo, Alves frisou que será votado o
texto que saiu da comissão especial e, na prática, impossibilita o MP de
continuar a investigar crimes.
A redação final está sendo negociada pelo deputado Fabio Trad
(PMDB-MS), que relatou a PEC na comissão especial e faz parte do grupo
de trabalho criado para aperfeiçoar a proposta – formado por
parlamentares, representantes do Ministério da Justiça, do MP e das
polícias, sob coordenação do secretário da Reforma do Judiciário, Flavio
Crocce Caetano, e a participação de Rinaldo Reis.
Os policiais e procuradores têm até o dia 19 para produzir um texto
de consenso entre as duas categorias. Há três reuniões do grupo
marcadas, nos dias 12, 13 e 18, para chegar a um acordo. “Nesta matéria,
não pode haver vencedores nem vencidos. Queremos um texto que depois
não vá terminar numa disputa judicial”, afirmou Henrique Alves, que deve
ter até o dia 26 para apresentar o texto aos líderes de todos os
partidos, substituindo o texto original da PEC.
Segundo Trad, as duas categorias concordam em 95% com o novo texto,
que abriria a possibilidade de investigação pelo Ministério Público
daquela forma antecipada por Rinaldo Reis, o que havia sido retirado da
PEC na comissão especial. Porém, delegados e procuradores discordam
quanto à interpretação atual da Constituição.
Enquanto os delegados acreditam que a investigação seja privativa da
atuação das polícias, procuradores dizem que a Constituição não impede a
complementação que vem sendo feita pelos procuradores. “Ninguém quer
impedir a colaboração entre polícia e Ministério Público, mas precisamos
de clareza quanto aos limites de cada uma”, disse o vice-presidente da
Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol), Benito Tiezzi.
Para Trad, uma das possibilidades é que o Ministério Público possa
investigar sempre que entender que está havendo inércia da polícia, ou
risco de que as provas sejam comprometidas. “Nem o Ministério Público
quer investigar tudo, mas quer atuar no interesse da sociedade”, disse
Trad.
Para a presidente do Conselho Nacional do Ministério Público
(Conamp), Norma Cavalcanti, alguns exemplos de crimes em que o MP tem
precisado investigar em complementação à polícia são aqueles cometidos
por policiais, crimes do colarinho branco, os que envolvem políticos, o
crime organizado e o tráfico de drogas.
“Mas o que não podemos simplesmente dizer é que uma instituição é
omissa e passar a responsabilidade da investigação para outra. Queremos
valorizar as polícias e atuar como sempre também quando requisitados
pelo MP”, disse Tiezzi. Segundo Trad, as regras, prazos e limites da
investigação feita pelo MP seriam as mesmas do inquérito policial, e o
controle seria feito pelo Judiciário, sem necessidade de autorização
prévia.
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