Fabiana Cambricoli - Agência Estado
São Paulo - O contrato assinado pelos médicos cubanos para a prestação de serviço no Brasil como parte do programa Mais Médicos pode ser anulado pela Justiça por estar em desacordo com a legislação trabalhista brasileira. Essa é a avaliação unânime de quatro dos maiores especialistas em Direito do Trabalho do Brasil ouvidos pelo Estado. Eles afirmam ainda que, por mais que o contrato tenha sido firmado no exterior, ele pode, sim, ser questionado na Justiça brasileira porque a legislação que prevalece é a do local onde o trabalho é realizado.
São Paulo - O contrato assinado pelos médicos cubanos para a prestação de serviço no Brasil como parte do programa Mais Médicos pode ser anulado pela Justiça por estar em desacordo com a legislação trabalhista brasileira. Essa é a avaliação unânime de quatro dos maiores especialistas em Direito do Trabalho do Brasil ouvidos pelo Estado. Eles afirmam ainda que, por mais que o contrato tenha sido firmado no exterior, ele pode, sim, ser questionado na Justiça brasileira porque a legislação que prevalece é a do local onde o trabalho é realizado.
Adriano AbreuPrograma
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“Uma vez que devemos aplicar a lei brasileira, o artigo 9º da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) diz que qualquer meio jurídico que tente burlar a legislação será considerado nulo. No caso do contrato com os médicos cubanos, o que quiseram foi contornar a exigência legal e estabelecer regras próprias, o que não é permitido”, diz Antonio Rodrigues de Freitas Júnior, professor do Departamento de Direito do Trabalho da USP.
O Estado teve acesso a uma cópia do contrato firmado por uma profissional cubana e pediu que os especialistas avaliassem o documento. O acordo é firmado entre o médico e uma empresa “comercializadora de serviços médicos cubanos”.
“A forma escolhida para a contratação é uma maneira de impedir a aplicação das leis trabalhistas, por isso pode ser anulado”, explica Estêvão Mallet, conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil - seção São Paulo (OAB-SP) e também professor de Direito da USP. Ele afirma ainda que o artigo 651 da CLT deixa claro que, por mais que o trabalhador tenha sido contratado no exterior ou em lugar diferente do local de trabalho, a Justiça a ser requisitada no caso de descumprimento da legislação é a da localidade onde o empregado atua.
Os especialistas afirmam que, apesar de os médicos serem funcionários de Cuba, as cláusulas do contrato deixam claro que é o governo brasileiro o tomador do serviço e, portanto, quem deve responder pelas obrigações trabalhistas.
Mesmo que o serviço fosse apresentado como uma terceirização, ela possivelmente seria classificada como ilícita pela Justiça, afirma Amauri Mascaro Nascimento, professor emérito da Faculdade de Direito da USP. “Se quem controla e coordena o trabalho é o SUS (Sistema Único de Saúde), o vínculo de emprego do médico se dá com o governo brasileiro. Portanto, é uma terceirização ilegal”, defende.
Professor de Direito da PUC-SP e da Fundação Getulio Vargas (FGV), o advogado Paulo Sérgio João concorda. “Trata-se de venda de mão de obra, o que é repudiado pela legislação e inadmissível a figura do “merchandage” (intermediador de contratação de mão de obra). O contrato com o Estado pode ser considerado nulo, indenizando-se o médico quanto aos direitos decorrentes”, afirma.
Nesse caso, os médicos poderiam requerer na Justiça todos os direitos previstos na CLT e a equiparação salarial com os demais profissionais do programa Mais Médicos. Enquanto os cubanos recebem o equivalente a US$ 1 mil (R$ 2,4 mil), os outros participantes ganham uma bolsa de R$ 10 mil.
Para os especialistas, algumas cláusulas do contrato ferem ainda a Constituição. Entre as regras questionadas estão a obrigatoriedade de comunicar à autoridade cubana no Brasil a intenção de receber visitas e restrições impostas aos cubanos nos casos de casamento com pessoas de outras nacionalidades. “O artigo 5º prevê o princípio da igualdade, incluindo para estrangeiros. O cubano pode questionar isso na Justiça”, afirma Freitas Júnior.
Terceira etapa atende cidades mais pobres
Brasília - O terceiro ciclo do Programa Mais Médicos, que incluirá 2.890 profissionais, vai garantir o atendimento integral de toda a demanda apresentada pelos municípios mais pobres do país que aderiram à iniciativa do Governo Federal. São 1.473 cidades com IDH baixo e muito baixo ou com 20% ou mais da população em situação de extrema pobreza contempladas pelo programa. Com esta etapa, o número total de cidades atendidas pelo Mais Médicos passará de 2.166 para 3.279 e a população diretamente beneficiada crescerá de 23 milhões para 33 milhões de brasileiros. Ao todo, a partir de março, serão mais de 9,5 mil profissionais realizando especialização em Atenção Básica enquanto atendem em unidades básicas de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS).
“Atingir, já no terceiro ciclo, 100% da demanda nos municípios pobres é um feito muito significativo desta parceria entre o governo federal, os governos estaduais e os demais ministérios envolvidos, em participar o Ministério da Educação. Essa ampliação, já identificada num curto espaço de tempo, do acompanhamento de diabéticos e hipertensos vai impactar no número de internações que são evitáveis na atenção básica”, destacou o ministro da Saúde, Arthur Chioro.
AGU destaca legalidade do programa
São Paulo (AE) - Questionado sobre as irregularidades apontadas pelos especialistas, o Ministério da Saúde indicou a Advocacia-Geral da União (AGU) para comentar os aspectos jurídicos do programa. A AGU, por sua vez, disse que não se posicionaria sobre as manifestações dos especialistas, mas afirmou que o “contrato dos bolsistas é legal, pois está previsto em lei aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pela Presidência da República”.
Disse ainda que o programa prevê uma relação de “formação em serviço, similar ao que ocorre com o residente”. Os especialistas discordam e alegam que o objetivo de se trazer os médicos ao País foi ampliar o atendimento médico, e não oferecer curso de especialização, tratando-se, portanto, de relação trabalhista.
A AGU informou ainda que a relação dos cubanos está prevista na lei que criou o Mais Médicos e que o governo federal tem mantido permanente interlocução com o Ministério Público do Trabalho para equacionar e esclarecer quaisquer dúvidas.
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