Levantamento
da BBC Brasil feito com base em informações divulgadas no site da
Presidência da República mostra que, durante seu primeiro mandato, a
presidente Dilma Rousseff reduziu quase pela metade o tempo destinado a
visitas a outros países na comparação com seu antecessor, Luiz Inácio
Lula da Silva.
Nesta semana, ela faz sua primeira viagem internacional do segundo
mandato para prestigiar a posse do colega boliviano Evo Morales,
reeleito pela segunda vez. A presidente cancelou sua ida ao Fórum
Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, para ir à capital boliviana, La
Paz ─ o que sinaliza uma reaproximação entre os dois países após um
relação fria nos últimos quatro anos.
Para analistas ouvidos pela
BBC Brasil, a significativa redução do número de viagens internacionais
da presidente em relação a Lula são um indicativo da menor prioridade
dada à agenda do Itamaraty nos últimos quatro anos.
Em seu
primeiro mandato, a presidente passou 144 dias fora do país em visitas
de Estado ou encontros multilaterais, uma redução de 46,5% ante o
observado no segundo mandato do presidente Lula. Ele esteve fora do
Brasil por 269 dias entre 2007 e 2010.
Na comparação com o
primeiro mandato de Lula (2003-2006), Dilma destinou um terço menos
tempo para viagens ao exterior. O antecessor passou 216 dias fora do
país.
A presidente viajou menos dias também que Fernando Henrique
Cardoso (165 dias entre 1995 e 1998 e 159 dias entre 1999 e 2002),
embora tenha visitado em média mais países.
'Valor da política externa'
"As
viagens presidenciais são uma medida interessante da intensidade com
que o presidente se põe à disposição da diplomacia, do valor da política
externa no seu governo. No caso da presidente, nota-se um certo
desinteresse pela área", observa Antônio Carlos Lessa, professor de
Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB).
Segundo
Lessa, há dois fatores que explicam a forte queda nos dias viajados. Se
por um lado a presidente não considera a política externa uma área
prioritária, por outro o presidente Lula tinha o entendimento oposto e
deu uma atenção fora do comum às negociações internacionais.
O
professor nota que havia uma curiosidade internacional muito grande em
relação à figura de Lula. Além disso, diz, ele assumiu o cargo em um
momento de vácuo de liderança internacional em que órgãos multilaterais
estavam enfraquecidos.
"O Lula realmente levou às últimas
consequências essa ideia de diplomacia presidencial. Ele produziu um
novo parâmetro, um novo marco zero", afirmou.
Para Lessa, o
desinteresse da presidente Dilma decorre da sua falta de compreensão
sobre o tempo mais lento do funcionamento da política externa. "É
diferente de ações de política econômica, por exemplo. Os resultados
demoram mais a aparecer", diz.
O diretor acadêmico das Faculdades
Integradas Rio Branco, Alexandre Ratsuo Uehara, considera que houve um
retrocesso na política externa no mandato de Dilma. Ele nota que a
agenda da reforma dos organismos multilaterais como a ONU e o FMI já não
é tão forte como no governo anterior e que as ambições do país de
conquistar uma vaga no Conselho de Segurança hoje estão mais difíceis de
se concretizar.
"O fato de a presidente não viajar (tanto) talvez
não tenha uma repercussão clara e evidente, mas isso vai aparecer
quando começar a impactar em questões políticas ou econômicas do país. É
uma consequência que só surge no médio prazo", afirma.
"Muitas
vezes nesses fóruns multilaterais são tomadas decisões ou mudadas regras
que podem impactar de alguma maneira tanto o comércio como questões
políticas do Brasil. Se o Brasil não está presente nesses fóruns, essas
mudanças são feitas sem levar em conta os interesses brasileiros",
acrescenta.
Ficando em casa
Questionado
sobre a redução das viagens presidenciais ao exterior, o Itamaraty não
se pronunciou. Já a Presidência da República informou, em nota enviada à
BBC Brasil, que Dilma "cumpriu normalmente sua agenda externa no
primeiro mandato, atendendo plenamente seus compromissos
internacionais".
A assessoria da presidente também destacou a vinda de autoridades
estrangeiras ao Brasil devido à realização de grandes eventos no país.
"Também
se registrou, no período, agenda externa cumprida no Brasil, tendo a
Presidenta recebido vários mandatários em visita bilateral ou por
ocasião de eventos, como a Copa do Mundo, e em reuniões internacionais
em nível de chefes de Estado, como, por exemplo, a Conferência da Rio
+20 e a Cúpula do Brics", assinala o comunicado.
Para o
Sinditamaraty, sindicato que representa os servidores do Ministério das
Relações Exteriores, o sucesso da política externa não depende apenas
das viagens presidenciais.
O órgão destaca, porém, que "um número
muito reduzido de viagens pode ─ mas não necessariamente irá ─
dificultar o trabalho dos servidores e mesmo as instâncias decisórias no
cumprimento dos acordos internacionais que o Brasil subscreve".
Em
nota enviada à BBC, a presidente do sindicato, Sandra Nepomuceno, disse
ainda que a diplomacia presidencial tem enorme peso político.
"Parece
óbvio que uma agenda intensa no exterior, como ocorreu durante o
governo Lula, continuaria a projetar positivamente a imagem do Brasil e
aumentaria as oportunidades de negócios no exterior; mas a diplomacia
não é uma ciência exata, por isso a importância do Brasil nos foros
internacionais não irá necessariamente diminuir em função da redução
(das viagens)", observou.
Destinos
Dilma
fez 62 viagens a 35 países em seu primeiro mandato. Embora tenha feito
menos excursões ao exterior que seu antecessor, ela continuou dando
certa prioridade a países africanos.
O continente, que tinha papel
quase irrelevante na política externa do país antes de Lula, ganhou
grande importância no governo petista.
Em oito anos, Lula fez 29
viagens a países africanos, tendo visitado 20 nações ─ na África do Sul e
em Moçambique ele esteve três vezes.
Já Fernando Henrique Cardoso visitou apenas três países, uma vez cada ─ Angola, África do Sul e Moçambique.
A presidente Dilma Rousseff, por sua vez, visitou seis países, sendo três vezes também a África do Sul.
Somando
os três mandatos petistas, a África foi o terceiro continente mais
visitado, ficando atrás de América do Sul e Europa - os dois destinos
tradicionais da diplomacia brasileira também foram os continentes mais
visitados por Fernando Henrique Cardoso.
O professor da UnB
observa que as viagens à América Sul estão ligadas a circunstâncias
políticas e à estratégia de integração regional, com o Mercosul e a
criação da Unasul (União de Nações Sul-Americanas), em 2008.
Já a
Europa se destaca pela importância econômica, tanto no comércio exterior
como no fluxo de investimentos para o Brasil, e pelos acordos de
cooperação educacional e tecnológica.
"O fato novo foi a abertura de novos espaços, como a África. A gente
não tem que estranhar a manutenção dos destinos tradicionais. Eles estão
relacionados a agendas de cooperação consolidadas, tanto na dimensão
econômica como política", observa Lessa.
Quando se faz um recorte
por países, igualmente nota-se uma repetição nos principais destinos. A
vizinha Argentina foi a nação mais visitada pelos três presidentes,
seguida de Estados Unidos ─ nesse caso, porém, o resultado é inflado
pelas assembleias anuais da ONU, que são sempre realizadas em Nova York.
Vale
destacar o aumento da relevância da Venezuela na política externa dos
governos petistas. Enquanto FHC esteve cinco vezes no país em oito anos,
Lula esteve 12. Já Dilma viajou quatro vezes à Venezuela em seu
primeiro mandato.
Nenhum comentário:
Postar um comentário