Uma
folha de papel amarelada e de aspecto quebradiço registra, no Rio
Grande do Norte, 55 nomes sob a alcunha que aterrorizava o sertão: o
grupo de Lampião.
Os cangaceiros são parte do bando suspeito de
matar, saquear e provocar destruição em áreas da zona rural potiguar e
também de Pernambuco, Paraíba, Ceará, Alagoas, Bahia e Sergipe, entre as
décadas de 1920 e 1940.
No Rio Grande do Norte, onde a incursão
completa 80 anos em junho, a folha de papel que lista os integrantes do
grupo foi achada por acaso no Instituto Técnico-Científico de Perícia do
Estado e fará parte de exibição neste ano.
“Vamos montar uma sala
histórica que também terá outros registros civis e criminais do órgão,
assim como máquinas e equipamentos usados por peritos”, diz Tiago Tadeu
Santos de Araújo, chefe de gabinete do Instituto e responsável por
reunir o acervo.
O documento relacionado a Lampião, segundo ele,
estava arquivado em uma sala do Itep e veio à tona quando Araújo buscava
histórias de “pessoas proeminentes”, em novembro do ano passado.
“Acreditamos que seja parte de um processo contra o bando que não havia
recebido tratamento histórico antes.”
Armazenado dentro de uma
pasta, o arquivo estava classificado como prontuário aberto em 29 de
abril de 1940, com o título “O grupo de Lampião”. O texto relaciona, à
mão, nomes ou apelidos de 55 cangaceiros. “Virgolino Ferreira, vulgo
Lampião” é o primeiro da lista.
O documento seria juntado a um
ofício do juiz da Comarca de Pau dos Ferros –cidade a 400 km de Natal–
“e remetido ao senhor coronel chefe de polícia”.
Os 55 homens
citados aparecem ao final do texto “pronunciados pelo juiz como incursos
nas penas do artigo 294 da Consolidação das leis Penais, e do artigo
356, da mesma consolidação”. Na prática, significa que mataram e
subtraíram “para si ou para outrem cousa alheia móvel, fazendo violência
à pessoa ou empregando força”.
SEM LEI
Não era comum
haver denúncias, depoimentos ou processos contra Lampião e seu bando,
diz o historiador Frederico Pernambucano de Mello, autor dos livros
“Guerreiros do Sol”, “Violência e banditismo no Nordeste do Brasil” e
“Estrelas de Couro: a Estética do Cangaço”.
“Exerciam dominação
por meio do terror, então o número de processos é relativamente pequeno
quando comparado à quantidade dos crimes.”
Segundo o livro “A
Marcha de Lampião, Assalto a Mossoró”, essa incursão reuniu 75 homens em
uma viagem de 400 quilômetros entre 10 e 13 de junho de 1927. Ao longo
do percurso, eles invadiram fazendas, roubaram animais, joias e
dinheiro, praticaram atos de vandalismo, provocaram incêndios,
torturaram, sequestraram e mataram.
A jornada do grupo em
território potiguar só terminou em Mossoró, onde planejavam roubar o
Banco do Brasil e o que mais conseguissem para dividir lucros com
coronéis que patrocinavam seus atos. Eles acabaram, no entanto, expulsos
da cidade e seguiram para o Ceará.”Foi uma missão muito cruel, que
deixou marcas profundas no imaginário do homem do sertão”, diz o
historiador Frederico Pernambucano de Mello.
Lampião morreu em
1938. E “o cangaço de grande feitio”, diz Mello, acabou em 1940, mesmo
ano em que foi escrita à mão a relação de nomes dos cangaceiros que
cometeram crimes no RN.
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