Rodolfo Buhrer / Reuters
No final da manhã do última dia 1º de março, uma sexta-feira véspera de
Carnaval, o agente da Polícia Federal (PF) Jorge Chastalo Filho
participava de uma operação quando foi informado que Arthur, 7, neto do
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), havia sido internado em um
hospital de São Bernardo do Campo (SP).
Responsável pela carceragem da PF em Curitiba, o agente desconhecia a
gravidade do caso e decidiu terminar aquela tarefa de rua e avisar o
ex-presidente assim que retornasse à Superintendência da PF. Minutos
depois, porém, recebeu nova mensagem. Arthur havia morrido.
No
próximo domingo (7), Lula completará um ano preso. Nesse período,
segundo pessoas que o acompanham, os momentos mais felizes foram ao lado
do neto. Nas duas vezes em que o menino visitou o avô, passaram o tempo
todo brincando no chão da cela e na cama. Comunicar a morte da criança
seria um momento dramático.
O agente Chastalo interrompeu a
escolta e acionou, pelo rádio, o colega de plantão. Determinou que Lula
fosse retirado da cela imediatamente para que não houvesse risco de
saber da fatalidade pela TV. O tempo estava nublado na capital
paranaense, e o ex-presidente estranhou a ordem para sair para o banho
de sol.
Em poucos minutos, Chastalo e o superintendente da PF,
Luciano Flores, estavam diante de Lula. Manoel Caetano, advogado que
visita o petista diariamente, foi quem lhe deu a notícia. "Presidente,
seu neto Arthur morreu."
Lula fixou o olhar no advogado e repetiu três vezes a pergunta: "O
Arthur?" Caetano confirmou. "Como pode uma criança de sete anos morrer
assim?" Não houve resposta. Lula começou a chorar. Com idas e vindas,
aquele pranto durou mais de 12 horas, segundo as pessoas que o
acompanharam naquele dia.
Ele já havia enfrentado duas perdas na
cadeia: a morte do amigo Sigmaringa Seixas, advogado e ex-deputado
petista, e do irmão mais velho, Genival Inácio da Silva, o Vavá.
No
último caso, o petista se manteve firme, apesar do luto e da novela que
se transformou o pedido de autorização para que ele fosse ao velório do
irmão, vitimado por um câncer. A juíza Carolina Lebbos, que regula o
cumprimento da pena de Lula, negou o pedido. Quando o presidente do STF,
Dias Toffoli, deu a autorização, o corpo estava prestes a ser
sepultado. Lula não se despediu do irmão morto.
No caso de Arthur,
a autorização foi dada no mesmo dia e, na manhã de sábado (2), Lula
embarcou em direção a São Paulo. O ex-presidente já se mostrava mais
sereno e calculava o que diria para os pais do menino. Falou aos
policiais federais que precisava confortá-los. "A Marlene é uma ótima
mãe, não pode se sentir culpada", disse, antes de seguir para São
Bernardo.
Logo após a cerimônia, uma foto em que Lula dá um
sorriso ao embarcar no helicóptero que o levaria de volta à prisão se
espalhou pelas redes sociais acompanhada de legendas que o acusavam ser
insensível à morte do neto.
Uma distorção, segundo um policial que
o acompanhou. Naquele momento, Lula teria ironizado a própria sorte,
questionando se o helicóptero aguentaria até o fim da viagem.
Há
um ano, Lula vive isolado num espaço de 15 m² no quarto andar da
Superintendência da PF. O dormitório, antes usado por policiais em
viagem, não tem grades e se resume a banheiro, armário, mesa com quatro
cadeiras, esteira ergométrica e um aparelho de TV com entrada USB e que
só sintoniza canais abertos.
Durante a semana, na parte da manhã, conversa por uma hora com o
advogado Luiz Carlos da Rocha, o Rochinha. Na parte da tarde, fala com
Manoel Caetano pelo mesmo período. Todo o resto do tempo permanece
isolado dentro do quarto.
Às quintas-feiras recebe parentes, à
tarde, e dois amigos, geralmente políticos, pela manhã. Ele sai três
vezes por semana para o banho de sol. Circula num pequeno espaço de 40
m² onde antes funcionava um fumódromo.
Até janeiro, Lula recebia
líderes religiosos, mas a juíza Carolina Lebbos proibiu esses encontros,
apesar de a Lei de Execução Penal prever o direito à assistência
religiosa. No lugar haveria uma consulta com um capelão da própria PF,
mas isso não aconteceu.
"Ele conversava com padres, pastores,
budistas, umbandistas, gente de todas as religiões. Encontrar com eles o
deixava mais animado. Ele passa a maior parte do tempo sozinho, isolado
na cela. O fim desses encontros foi triste para ele", diz o advogado
Rocha.
Lula acorda sempre antes das 7h. Ouve o "bom dia,
presidente", gritado por militantes do acampamento Lula Livre, que fica
num terreno em frente à PF. "Esse negócio dá um ânimo para ele", diz
Gilberto Carvalho, amigo e chefe de gabinete dos tempos de Presidência
(2003-2010).
Às 8h, o agente Chastalo destranca a porta do quarto.
Invariavelmente encontra Lula vestido com uma camisa do PT ou do
Corinthians. Três vezes por semana o agente mede o índice de glicemia no
sangue do ex-presidente, que é pré-diabético.
Quando há alguma alteração, Chastalo confisca doces que encontra na
cela. Ouve de volta um palavrão de Lula, em tom de brincadeira. O
ex-presidente toma todos os dias uma cápsula de Glifage, cujo princípio
ativo é o cloridrato de metformina, medicamento que abaixa o nível de
glicose no sangue.
De resto, não há restrições à alimentação. Lula
come a mesma refeição dos outros presos. O agente sempre toma o cuidado
de pegar uma marmita aleatoriamente na caixa que serve os presos da
carceragem toda da polícia.
Durante o período preso, Lula
consultou-se pelo menos três vezes com seus médicos na própria cela.
Eles mantêm contato direto com Chastalo, que é quem tem convívio mais
frequente com ele. Antes de ser preso, Lula já havia parado de fumar e
adotado o hábito de fazer exercícios.
Na prisão, anda na esteira
quase todo dia e ganhou elásticos de ginástica para fortalecer braços e
pernas. Lula tem na cabeça sequências de exercícios que seu personal
trainer, Márcio, passava quando estava livre. Mas conta com dicas dos
agentes quando faz algo errado. Quando algum deles vê que ele faz um
movimento repetitivo que pode causar uma lesão, trata de corrigir os
movimentos e a postura do petista.
Nas eleições do ano passado, a
cela virou escritório político. O presidenciável Fernando Haddad e
outros petistas com diploma de advogado, como o ex-deputado Wadih Damous
e o ex-prefeito de Osasco Emídio de Souza, receberam procuração para
defendê-lo em seus processos. Com isso, podiam encontrá-lo fora dos dias
de visita a pretexto de cuidar de sua defesa.
Lula sentava-se à
mesa com os petistas e discutia estratégias. Animou-se com as chances de
Haddad depois dos protestos "Ele não" pelo país. Achava que a rejeição
de Jair Bolsonaro (PSL) poderia crescer, e a do PT ir no sentido
contrário.
No segundo turno, porém, Lula desanimou quando soube
que os marqueteiros petistas haviam decidido descolar a imagem de Haddad
da dele. Não houve mais encontros com o presidenciável, e ele viu pela
televisão a candidatura de Haddad naufragar.
Quem convive com o
ex-presidente na prisão diz que a eleição de Bolsonaro foi o segundo dia
mais melancólico para ele, depois da morte do neto. Calculou que, além
da derrota política, o resultado das urnas sinalizaria também um longo
período na cadeia.
Lula considera, segundo pessoas próximas, que a sua liberdade não
depende de questões jurídicas. Diz que só poderá ser solto quando o
ambiente político mudar.
O petista foi condenado em segunda
instância no caso do tríplex de Guarujá (SP) e, em primeira instância no
caso do sítio de Atibaia (SP). Caso a soma das duas penas seja mantida
em 25 anos, ele, que tem 73 anos, poderia ir para o semiaberto após, no
mínimo, quatro anos de prisão.
Quando o ministro do STF Marco
Aurélio Mello, em dezembro, decidiu derrubar o entendimento sobre
cumprimento de pena após decisão em segunda instância, o que poderia
colocá-lo fora da prisão, ele não se animou. Disse aos agentes da PF que
aquilo seria revertido no mesmo dia. Foi o aconteceu.
Em julho de
2018, quando o juiz Rogério Favreto, do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região, decidiu conceder liberdade ao ex-presidente, ele chegou a
arrumar as malas e ir para o elevador. Mas antes mesmo de descer ao
térreo recebeu a notícia de que a decisão fora derrubada.
Diante
desses percalços, circulou entre amigos e correligionários que Lula
estaria deprimido. Quem o acompanha nega. Diz que o ex-presidente tem
raiva, mas não depressão.
Duas semanas após ser preso, ganhou de
advogados o livro "A Virtude da Raiva", escrito por Arun Ghandi, neto do
pacifista indiano, que trata de ensinamentos de Ghandi para para
canalizar a raiva em ações não violentas.
Mesmo preso e impedido
de dar entrevista por decisões judiciais, Lula não abandonou a política.
Informa-se sobre cada passo do governo Bolsonaro e avalia como real o
risco de o presidente ter o tapete puxado pelos próprios militares do
governo.
Lula se informa sobre o ambiente político do país por
resumos de publicações da imprensa e informes que seus advogados levam
junto com a papelada de seus processos.
Ele também recebe
pendrives onde estão gravadas as reuniões do diretório e da executiva
nacional do PT, além de discussões sobre temas como a reforma da
Previdência. Assiste a tudo antes de conversar com correligionários,
como a presidente do partido, a deputada Gleisi Hoffmann.
Na TV, não é só o noticiário que o mantém antenado. Ele tem analisado
os programas religiosos, sobretudo os evangélicos. Conhece os pastores
pelo nome e avalia que eles são protagonistas neste novo momento do
país.
Também no ano passado, Lula recebeu pendrives com gravações
dos episódios do Presidente da Semana, podcast da Folha que conta a
história dos presidentes do Brasil, de Deodoro da Fonseca a Bolsonaro.
"Ele gostou muito e está recomendando a todo mundo", disse o advogado.
Para se distrair, o ex-presidente costuma assistir a novelas e partidas de futebol.
Diz
a amigos e parentes que estar preso no Paraná tem uma complicação
adicional: no estado passam poucos jogos do Corinthians na TV.
Principais momentos durante a prisão
Habeas corpus
Em
8 de julho de 2018, o juiz Rogério Favreto, do Tribunal Regional
Federal da 4ª Região, concedeu habeas corpus ao ex-presidente durante um
plantão. O juiz Sergio Moro, mesmo de férias, proferiu uma decisão
determinando à PF que não cumprisse a ordem. À tarde, João Pedro Gebran
Neto, relator da ação no TRF-4, suspendeu a soltura. No dia seguinte,
Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, presidente do TRF-4 derrubou em
definitivo habeas corpus, e Lula permaneceu preso.
Supremo
Em
19 de dezembro de 2018, o ministro do STF Marco Aurélio Mello mandou
soltar presos que estivessem cumprindo pena provisoriamente, antes de
esgotados todos os recursos na Justiça (situação do ex-presidente Lula).
Mais tarde, no mesmo dia, o presidente da corte, Dias Toffoli,
suspendeu a decisão.
Despedidas
Durante
seu um ano na prisão, Lula perdeu três pessoas próximas e nas três
ocasiões solicitou autorização para acompanhar o enterro. Quando morreu
seu amigo Sigmaringa Seixas, a Justiça negou o pedido, alegando que esse
direito só é previsto em caso de morte de parentes. Na ocasião da morte
de seu irmão Vavá, em janeiro, a solicitação foi inicialmente negada, e
o STF só concedeu a permissão quando o corpo estava prestes a ser
sepultado. Em março, Lula foi autorizado a comparecer ao enterro do neto
Arthur.
Denúncia
Em set.16,
MPF acusa o ex-presidente de receber propina da empreiteira OAS como
parte de acertos do PT em contratos na Petrobras.
1ª instância
Em
jul.17, o juiz federal Sergio Moro condenou Lula a 9 anos e 6 meses de
prisão por corrupção e lavagem de dinheiro. Lula foi acusado de receber
vantagens indevidas da OAS, com a reserva e a reforma de um tríplex em
Guarujá (SP).
2ª instância
Em 24.jan.18, os três juízes 8ª turma do TRF-4 confirmaram a condenação e ampliaram a pena para 12 anos e 1 mês de prisão.
Com informações do Notícias ao minuto
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