O cantor baiano Moraes Moreira morreu nesta segunda-feira (13) no Rio de Janeiro. Segundo o Blog do Marrom, que informou em primeira mão a notícia, o também cantor e compositor Paulinho Boca de Cantor confirmou a informação. Muito emocionado, Paulinho mal conseguia falar e contou que ele faleceu durante o sono.
Moraes sofreu um infarto agudo do miocárdio, segundo
a assessoria. Não há informação sobre quando e onde será o
sepultamento. Ele estava em sua casa, na Gávea, ao falecer - ele vivia
sozinho e já foi encontrado morto. O cantor deixa dois filhos, o também
músico Davi Moraes e Maria Cecília, e dois netos, Alice e Francisco.
Em janeiro, o cantor fez um show no Pelourinho, ao lado do filho. Sentado durante a apresentação, já parecia estar debilitado. Em fevereiro, no Carnaval, voltou a se apresentar no Pelô. "Eu
já passei por tantos carnavais aqui na Bahia e o povo no chão pedia
para a gente cantar. E hoje em dia o trio elétrico é essa loucura
toda", disse. "Aqui, no Pelourinho, se forma. Viva o Pelourinho!".
Nascido Antônio Carlos Moreira Pires na cidade de
Ituaçu, Moraes começou a carreira tocando safona em festas de São João.
Na adolescência, aprendeu a tocar violão enquanto estudava em Caculé.
Depois, se mudou para Salvador e conheceu Tom Zé. Formou com Baby
Consuelo, Pepeu Gomes, Paulinho Boca de Cantor e Luiz Galvão os Novos
Baianos, ficando com o grupo de 1969 até 1975.
Com Luiz Galvão, compôs a maioria das canções do
grupo, que é responsável por um dos discos mais icônicos da música
brasileira, Acabou Chorare, de 1972. O disco foi eleito o melhor da música nacional pela edição brasileira da Rolling Stone em 2007.
"Obra-prima dos Novos Baianos, Acabou Chorare nasceu do choque entre o
grupo e João Gilberto (engana-se quem imagina que a influência musical
foi unilateral. Vale ouvir João Gilberto, o 47º colocado desta mesma
lista, e perceber imediatamente que se trata do outro lado de uma mesma
moeda.) Depois de um primeiro disco semitropicalista, um tanto
psicodélico e essencialmente roqueiro gravado em São Paulo (É Ferro na
Boneca, de 1970), a trupe se mudou de mala e cuia para o Rio de Janeiro e
por lá se instalou", diz trecho da matéria.
Três anos depois de Acabou Chorare, Moraes em carreira solo, lançando mais de vinte discos.
Em 2012 Moraes gravou o disco A Revolta dos Ritmos,
que trazia 12 composições inéditas dele. Paralelo ao novo CD, Moraes
viajou pelo Brasil, ao lado do seu filho Davi, com uma turnê comemorando
os 40 anos de Acabou Chorare.
Em 2016, foi a vez de fazer uma turnê comemorativa
com os Novos Baianos. Depois de 17 anos, Moraes, Baby do Brasil, Pepeu
Gomes, Paulinho Boca de Cantor e Luiz Galvão se reencontram para a nova
turnê, batizada com nome do disco mais famoso do grupo. Um ano depois,
algumas apresentações da banda foram suspensas porque o cantor foi
internado em decorrência de uma úlcera.
Moraes foi o primeiro artista a cantar num trio
elétrico no Carnaval, junto com o Trio Elétrico Armandinho, Dodô &
Osmar. A partir daí, seus frevos ‘trieletrizados’, como ele denominava,
passaram a ser marca registrada do nosso Carnaval: Pombo Correio, Chame
Gente, Eu Sou o Carnaval, entre outros.
O cantor foi homenageado pelo Carnaval de Salvador
em 2017, ao completar sete décadas de vida. Naquele ano, o trio dele
teve um problema na embreagem que atrasou bastante a saída. Mas o
público se manteve fiel, esperando Moraes, que estava acompanhado do
filho Davi.
“Tentaram
melar meu baba, mas não conseguiram. O povo baiano viu que eu estava lá
com minha história, meu repertório, com Davi Moraes, a banda e uma
equipe dedicada”, comentou o cantor ao CORREIO.
“Nossas canções resistiram a tudo e a todos, dando
mostras de que vieram para ficar. Passada a euforia dos sucessos
imediatos, elas ressurgem gloriosas, no gogó dos foliões, inteiras e
renovadas pela juventude. Reforçam assim um conceito que tenho: um bom
Carnaval se faz com passado, presente e futuro”, analisou.
Na última entrevista concedida, ao jornal O Globo, publicada há menos de duas semanas,
Moraes criticou Baby do Brasil. O motivo da desavença foi o espetáculo
musical que conta a história dos Novos Baianos, com direção de Otávio
Muller e direção musical de Pedro Baby, filho dela, e Davi, filho do
cantor. Moraes afirmou que Baby queria um espetáculo que "fosse
evangélico" e ignorasse o uso de drogas por parte dos Novos Baianos.
Hoje evangélica, a cantora afirmou que a peça é "ficção".
Moraes se irritou. "Dizer que o musical não retrata
os Novos Baianos é uma mentira deslavada. Baby queria que o espetáculo
fosse evangélico. Que não dissesse que fumou maconha, que tomou ácido,
que fez tudo. Assim, os Novos Baianos não seriam revolucionários. João
Gilberto deve estar se mexendo na sepultura. Porque o nosso grupo fumou,
sim, tomou ácido, sim, fez músicas maravilhosas em estado de fumar
maconha, sim. A gente fazia música de inclusive pra ela. As canções dela
que fizeram sucesso, como "A menina dança", "Tinindo, trincando", "Os
pingos da chuva" e tantas outras, foram feitas na onda, porque naquele
tempo a onda era essa", afirmou.
Ele disse ter adorado o espetáculo e aproveitou para
fazer uma crítica política ao momento do Brasil. "Vamos parar de mentir
em nome de Deus! Éramos fãs de Jimi Hendrix, Janis Joplin. Estávamos
afinados com a geração daquele tempo. Será que os Beatles fariam músicas
tão lindas se não tivessem tomado ácido? Não morremos de overdose
porque a gente era esperto, malandro, seguramos a barra. Isso é
preconceito de evangélico. Vai votar em Bolsonaro!".
Durante a quarentena, no mês passado, Moraes
escreveu um cordel. Falava da covid-19, mas também do medo da violência e
no final faz uma referência a Marielle Franco, vereadora do Rio de
Janeiro assassinada em 2018.
Quarentena (Moraes Moreira)
Eu temo o coronavirus
E zelo por minha vida
Mas tenho medo de tiros
Também de bala perdida,
A nossa fé é vacina
O professor que me ensina
Será minha própria lida
E zelo por minha vida
Mas tenho medo de tiros
Também de bala perdida,
A nossa fé é vacina
O professor que me ensina
Será minha própria lida
Assombra-me a pandemia
Que agora domina o mundo
Mas tenho uma garantia
Não sou nenhum vagabundo,
Porque todo cidadão
Merece mas atenção
O sentimento é profundo
Que agora domina o mundo
Mas tenho uma garantia
Não sou nenhum vagabundo,
Porque todo cidadão
Merece mas atenção
O sentimento é profundo
Eu não queria essa praga
Que não é mais do Egito
Não quero que ela traga
O mal que sempre eu evito,
Os males não são eternos
Pois os recursos modernos
Estão aí, acredito
Que não é mais do Egito
Não quero que ela traga
O mal que sempre eu evito,
Os males não são eternos
Pois os recursos modernos
Estão aí, acredito
De quem será esse lucro
Ou mesmo a teoria?
Detesto falar de estrupo
Eu gosto é de poesia,
Mas creio na consciência
E digo não a todo dia
Ou mesmo a teoria?
Detesto falar de estrupo
Eu gosto é de poesia,
Mas creio na consciência
E digo não a todo dia
Eu tenho medo do excesso
Que seja em qualquer sentido
Mas também do retrocesso
Que por aí escondido,
As vezes é o que notamos
Passar o que já passamos
Jamais será esquecido
Que seja em qualquer sentido
Mas também do retrocesso
Que por aí escondido,
As vezes é o que notamos
Passar o que já passamos
Jamais será esquecido
Até aceito a polícia
Mas quando muda de letra
E se transforma em milícia
Odeio essa mutreta,
Pra combater o que alarma
Só tenho mesmo uma arma
Que é a minha caneta
Mas quando muda de letra
E se transforma em milícia
Odeio essa mutreta,
Pra combater o que alarma
Só tenho mesmo uma arma
Que é a minha caneta
Com tanta coisa inda cismo….
Estão na ordem do dia
Eu digo não ao machismo
Também a misoginia,
Tem outros que eu não aceito
É o tal do preconceito
E as sombras da hipocrisia
Estão na ordem do dia
Eu digo não ao machismo
Também a misoginia,
Tem outros que eu não aceito
É o tal do preconceito
E as sombras da hipocrisia
As coisas já forem postas
Mas prevalecem os relés
Queremos sim ter respostas
Sobre as nossas Marielles,
Em meio a um mundo efêmero
Não é só questão de gênero
Nem de homens ou mulheres
Mas prevalecem os relés
Queremos sim ter respostas
Sobre as nossas Marielles,
Em meio a um mundo efêmero
Não é só questão de gênero
Nem de homens ou mulheres
O que vale é o ser humano
E sua dignidade
Vivemos num mundo insano
Queremos mais liberdade,
Pra que tudo isso mude
Certeza, ninguém se ilude
Não tem tempo,nem idade
E sua dignidade
Vivemos num mundo insano
Queremos mais liberdade,
Pra que tudo isso mude
Certeza, ninguém se ilude
Não tem tempo,nem idade
Moraes era ainda escritor, publicando os livros
"Poeta não tem idade" (2012) e "A História dos Novos Baianos e Outros
versos" (2008), ocupando a cadeira de número 38 da Academia Brasileira
de Literatura de Cordel.
(Foto: Evandro Veira/Arquivo CORREIO)
*Com informações do Correio24horas
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