quarta-feira, 22 de maio de 2013

Grito da Seca e Revolta do Busão unem forças

Por: Conrado Carlos
Cerca de 8 mil pessoas invadiram sede do Governo para reivindicar pautas distintas, mas contra idêntico abandono. Foto: José Aldenir
Cerca de 8 mil pessoas invadiram sede do Governo para reivindicar pautas distintas, mas contra idêntico abandono. Foto: José AldenirCríticos reclamam da interdição do trânsito e de atos de vandalismo observados em manifestações anteriores. Apoiadores e simpatizantes falam em momento histórico. Fato é que, ao cruzar avenidas importantes da zona Sul e Oeste de Natal, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra e os estudantes da Revolta do Busão conseguiram mais que interromper o fluxo por dezenas de minutos. Em meio às cerca de oito mil pessoas que saíram de dois pontos (Viaduto de Ponta Negra e o estacionamento da Central de Comercialização da Agricultura Familiar, ao lado da Ceasa), na manhã desta terça-feira (21), para se unir no Centro Administrativo, era perceptível a sensação de que, independente das pautas reivindicadas, uma vitória, ainda que magra, estava consumada. Segundo a direção, uma reunião entre representantes do MST e a governadora Rosalba Ciarlini estava marcada para às 14 horas (após o fechamento desta edição).
Com foices, enxadas e celulares, agricultores e estudantes reuniram forças para questionar governo estadual e municipal. Aqueles, vítimas de uma chaga geoclimática que resseca o solo e a dignidade. Estes, espremidos em ônibus lotados que sofreram novo reajuste em sua tarifa (de R$2,20 para R$2,40), na semana passada. Ambas as pautas solicitam o pleno funcionamento do que lhes foi prometido por gerações de governantes. Enquanto a seca grassa a vida do homem do campo, cujo rebanho e plantação tiveram parte dizimada pela escassez das chuvas, jovens urbanos investem uma alta porcentagem do salário ou da mesada para utilizar um serviço de transporte público precário. Acompanhados por um forte esquema de policiamento, manifestantes dos quatro cantos do Estado entoaram palavras de ordem e alimentaram a esperança de quem está no limite prudencial da existência.
No comando de um grupo de 20 agricultores, Ana Aline Morais é a presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Caicó (STTR). Ela fala em luta para saciar a sede de água e direitos desrespeitados nos últimos dois anos. “Se eles gastassem com a agricultura familiar o que gastam com publicidade, a situação seria outra. Na verdade, estamos aqui para reclamar contra um crime contra a humanidade.
Por enquanto só morreram animais, mas logo, logo, morre gente”. Com 8.124 filiados (mas menos de 300 ativos, que pagam os R$ 13,50 mensais), o STTR da ‘capital’ do Seridó reivindica o fim das promessas. “Não adianta vir com falatório, com reuniões que não servem para nada, o Brasil inteiro está vendo nosso problema. Todo mundo sabe o que precisa ser feito, mas só vemos movimento para a Copa”.
Pautados pela drástica diminuição dos recursos hídricos, em virtude da pior seca do último meio século, 13 itens cobram por investimentos, como a perfuração e recuperação de poços tubulares; assessoria técnica, gerencial e pedagógica para produtores; distribuição de milho; implantação de tecnologias para o armazenamento de água; e até a criação de uma secretaria específica para a agricultura familiar. Prefeito de Umarizal, município distante 335 quilômetros de Natal, e presidente da Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Rio Grande do Norte (Fetarn), Ambrósio Lins (PT) liderava uma caravana com 150 agricultores, que representam um fragmento dos 11 mil habitantes da cidade do Oeste Potiguar. “Quase todos eles dependentes da agricultura. É gente que perdeu tudo, bode, ovelha, vaca, galinha. Medidas paliativas, como o Bolsa Família, não surtem mais efeito como se esperava. O que precisamos é de investimentos, de atitudes que mudem a realidade do homem do campo”.
Situação emblemática da falência de atividades econômicas no sertão potiguar é encontrada em Apodi (330 quilômetros Oeste adentro). Maior produtora de mel do Estado, a cidade fronteiriça com o Ceará registra a paralisação de apicultores, desde que a água virou artigo de colecionador. “A Coopap [Cooperativa de Apicultores] está praticamente parada. Apodi não tem mais mel. Dois anos de seca não é brincadeira. Todos nós viramos pobres. Eu tinha 25 abelhas, 15 ovelhas, duas vacas e umas galinhas. Hoje, não tenho mais nada disso. Mais da metade morreu e o que sobrou eu tive que vender para conseguir algum dinheiro”, diz Olavo Lima de Araújo, pequeno produtor rural que demonstrava indignação para o grupo de amigos que acatou a convocação dos movimentos sociais. Seus cinco filhos, com idades entre 25 e 31 anos, foram embora para outras cidades e regiões do país, como retirantes da seca em pleno século 21.
Além dos agricultores e lideranças do Interior, vereadores da capital, como Marcos Antônio e Sandro Pimentel, acompanhavam o Grito da Seca e a Revolta do Busão como expectadores e partícipes de movimentos populares. “Isso aqui é o ressurgimento da cidadania, é um momento histórico para a sociedade potiguar. Mesmo que os objetivos pontuais não sejam alcançados, mostra que existe resistência, que o povo não concorda com o que tem sido feito pelos governantes. O movimento já é um sucesso”, disse Marcos, que enalteceu o caráter pacífico da movimentação e a garantia de continuidade do processo de negociação para as questões postas à mesa – estudantes querem a divulgação pública anual das planilhas de ganhos e gastos do SETURN; direito de pagamento em espécie da meia passagem estudantil; volta das linhas 03, 28 e 45 campus, e da antiga rota das linhas 48 e 66 passando pelo campus; fim da dupla função cobrador/motorista.
Ladeado pela ex-deputada federal e filha do atual governador do Rio Grande do Sul, Luciana Genro, o vereador Sandro Pimentel repetiu o discurso de Marcos Antônio ao destacar o êxito do protesto. “A luta do campo e da cidade é uma só. A precariedade na educação, na saúde, na segurança é a mesma. O movimento precisa ser unificado, porque os problemas não surgem só no governo de Rosalba, mas também no do PT Federal. Mas quero lamentar a atitude da Justiça em atingir o direito constitucional de sindicalização, de reunião. Não é possível que toda manifestação seja interrompida” – referência a decisão do juiz federal Magnus Delgado de proibir manifestações programadas na entrada da cidade, nas imediações do viaduto de Ponta Negra. “Acho que movimento deveria ter se rebelado. Queria ver a polícia ter coragem de massacrar tanta gente”.

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