Por: Conrado Carlos
Críticos reclamam da interdição do trânsito e de atos de vandalismo
observados em manifestações anteriores. Apoiadores e simpatizantes falam
em momento histórico. Fato é que, ao cruzar avenidas importantes da
zona Sul e Oeste de Natal, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra e os
estudantes da Revolta do Busão conseguiram mais que interromper o fluxo
por dezenas de minutos. Em meio às cerca de oito mil pessoas que saíram
de dois pontos (Viaduto de Ponta Negra e o estacionamento da Central de
Comercialização da Agricultura Familiar, ao lado da Ceasa), na manhã
desta terça-feira (21), para se unir no Centro Administrativo, era
perceptível a sensação de que, independente das pautas reivindicadas,
uma vitória, ainda que magra, estava consumada. Segundo a direção, uma
reunião entre representantes do MST e a governadora Rosalba Ciarlini
estava marcada para às 14 horas (após o fechamento desta edição).
Com foices, enxadas e celulares, agricultores e estudantes reuniram
forças para questionar governo estadual e municipal. Aqueles, vítimas de
uma chaga geoclimática que resseca o solo e a dignidade. Estes,
espremidos em ônibus lotados que sofreram novo reajuste em sua tarifa
(de R$2,20 para R$2,40), na semana passada. Ambas as pautas solicitam o
pleno funcionamento do que lhes foi prometido por gerações de
governantes. Enquanto a seca grassa a vida do homem do campo, cujo
rebanho e plantação tiveram parte dizimada pela escassez das chuvas,
jovens urbanos investem uma alta porcentagem do salário ou da mesada
para utilizar um serviço de transporte público precário. Acompanhados
por um forte esquema de policiamento, manifestantes dos quatro cantos do
Estado entoaram palavras de ordem e alimentaram a esperança de quem
está no limite prudencial da existência.
No comando de um grupo de 20 agricultores, Ana Aline Morais é a
presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Caicó (STTR). Ela
fala em luta para saciar a sede de água e direitos desrespeitados nos
últimos dois anos. “Se eles gastassem com a agricultura familiar o que
gastam com publicidade, a situação seria outra. Na verdade, estamos aqui
para reclamar contra um crime contra a humanidade.
Por enquanto só morreram animais, mas logo, logo, morre gente”. Com
8.124 filiados (mas menos de 300 ativos, que pagam os R$ 13,50 mensais),
o STTR da ‘capital’ do Seridó reivindica o fim das promessas. “Não
adianta vir com falatório, com reuniões que não servem para nada, o
Brasil inteiro está vendo nosso problema. Todo mundo sabe o que precisa
ser feito, mas só vemos movimento para a Copa”.
Pautados pela drástica diminuição dos recursos hídricos, em virtude
da pior seca do último meio século, 13 itens cobram por investimentos,
como a perfuração e recuperação de poços tubulares; assessoria técnica,
gerencial e pedagógica para produtores; distribuição de milho;
implantação de tecnologias para o armazenamento de água; e até a criação
de uma secretaria específica para a agricultura familiar. Prefeito de
Umarizal, município distante 335 quilômetros de Natal, e presidente da
Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Rio Grande do Norte
(Fetarn), Ambrósio Lins (PT) liderava uma caravana com 150 agricultores,
que representam um fragmento dos 11 mil habitantes da cidade do Oeste
Potiguar. “Quase todos eles dependentes da agricultura. É gente que
perdeu tudo, bode, ovelha, vaca, galinha. Medidas paliativas, como o
Bolsa Família, não surtem mais efeito como se esperava. O que precisamos
é de investimentos, de atitudes que mudem a realidade do homem do
campo”.
Situação emblemática da falência de atividades econômicas no sertão
potiguar é encontrada em Apodi (330 quilômetros Oeste adentro). Maior
produtora de mel do Estado, a cidade fronteiriça com o Ceará registra a
paralisação de apicultores, desde que a água virou artigo de
colecionador. “A Coopap [Cooperativa de Apicultores] está praticamente
parada. Apodi não tem mais mel. Dois anos de seca não é brincadeira.
Todos nós viramos pobres. Eu tinha 25 abelhas, 15 ovelhas, duas vacas e
umas galinhas. Hoje, não tenho mais nada disso. Mais da metade morreu e o
que sobrou eu tive que vender para conseguir algum dinheiro”, diz Olavo
Lima de Araújo, pequeno produtor rural que demonstrava indignação para o
grupo de amigos que acatou a convocação dos movimentos sociais. Seus
cinco filhos, com idades entre 25 e 31 anos, foram embora para outras
cidades e regiões do país, como retirantes da seca em pleno século 21.
Além dos agricultores e lideranças do Interior, vereadores da
capital, como Marcos Antônio e Sandro Pimentel, acompanhavam o Grito da
Seca e a Revolta do Busão como expectadores e partícipes de movimentos
populares. “Isso aqui é o ressurgimento da cidadania, é um momento
histórico para a sociedade potiguar. Mesmo que os objetivos pontuais não
sejam alcançados, mostra que existe resistência, que o povo não
concorda com o que tem sido feito pelos governantes. O movimento já é um
sucesso”, disse Marcos, que enalteceu o caráter pacífico da
movimentação e a garantia de continuidade do processo de negociação para
as questões postas à mesa – estudantes querem a divulgação pública
anual das planilhas de ganhos e gastos do SETURN; direito de pagamento
em espécie da meia passagem estudantil; volta das linhas 03, 28 e 45
campus, e da antiga rota das linhas 48 e 66 passando pelo campus; fim da
dupla função cobrador/motorista.
Ladeado pela ex-deputada federal e filha do atual governador do Rio
Grande do Sul, Luciana Genro, o vereador Sandro Pimentel repetiu o
discurso de Marcos Antônio ao destacar o êxito do protesto. “A luta do
campo e da cidade é uma só. A precariedade na educação, na saúde, na
segurança é a mesma. O movimento precisa ser unificado, porque os
problemas não surgem só no governo de Rosalba, mas também no do PT
Federal. Mas quero lamentar a atitude da Justiça em atingir o direito
constitucional de sindicalização, de reunião. Não é possível que toda
manifestação seja interrompida” – referência a decisão do juiz federal
Magnus Delgado de proibir manifestações programadas na entrada da
cidade, nas imediações do viaduto de Ponta Negra. “Acho que movimento
deveria ter se rebelado. Queria ver a polícia ter coragem de massacrar
tanta gente”.
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