O presidente Jair Bolsonaro falou na reunião ministerial de 22 de abril
em "interferir" na Polícia Federal, segundo transcrição feita pela
Advocacia-Geral da União, e disse que não iria esperar "f." alguém de
sua família ou amigo dele para poder tomar providências.
Além de ter mencionado a PF na reunião, ao contrário do que
declarou nos últimos dias, Bolsonaro classificou como uma "vergonha" não
ter acesso a informações de órgãos de inteligência e avisou: "Por isso,
vou interferir. Ponto final".
"Já tentei trocar gente da
segurança nossa no Rio de Janeiro oficialmente e não consegui. Isso
acabou. Eu não vou esperar f. minha família toda de sacanagem, ou amigo
meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança da ponta de linha
que pertence à estrutura. Vai trocar; se não puder trocar, troca o chefe
dele; não pode trocar o chefe, troca o ministro. E ponto final. Não
estamos aqui para brincadeira", disse.
Dois depois dessa reunião,
Bolsonaro, de fato, exonerou o diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, o
que resultou na saída do ex-ministro Sergio Moro do governo. A primeira
medida do novo comando da corporação foi substituir o superintendente do
Rio de Janeiro.
A transcrição foi entregue nesta quinta-feira
(14) pela AGU ao ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Celso de
Mello, relator do inquérito que apura as acusações feitas por Moro
contra Bolsonaro.
O órgão do governo apenas destacou
trechos da reunião que diz ter relação com as investigações sobre as
afirmações do ex-juiz da Lava Jato de que o presidente interferiu na
Polícia Federal.
A defesa de Moro questionou a ausência de trechos
que considera "relevantes", mas diz que, mesmo assim, a transcrição
divulgada pela própria AGU confirma as referências à PF.
A
Advocacia-Geral da União solicitou que sejam tornadas públicas todas as
declarações do presidente durante a reunião, exceto a "breve referência a
eventuais e supostos comportamentos de nações amigas".
O argumento da AGU é que Bolsonaro se referia à segurança pessoal
dele e de familiares, a cargo do Gabinete de Segurança Institucional,
sem relação com a atuação da PF.
Segundo a transcrição, o
presidente diz que não pode ser "surpreendido com notícias" e se queixa
de órgãos vinculados à segurança.
"Pô, eu tenho a PF que não me dá
informações; eu tenho a inteligência das Forças Armadas que não tem
informações; a ABIN tem os seus problemas, tem algumas informações, só
não tem mais porque tá faltando realmente temos problemas aparelhamento
etc. A gente não pode viver sem informação", disse.
Após se
queixar de não estar recebendo informações da PF e de outros órgãos de
segurança, Bolsonaro afirma: "E me desculpe o serviço de informação
nosso -todos- é uma vergonha, uma vergonha, que eu não sou informado, e
não dá para trabalhar assim, fica difícil. Por isso, vou interferir.
Ponto final.".
Bolsonaro não deixa, claro, segundo a transcrição,
ao que se refere quando fala em carência de "aparelhamento" na Abin, mas
usa como exemplo do que quer uma metáfora sobre a necessidade, em sua
visão, de ouvir "atrás da porta" o que os filhos estão falando.
Além
do vídeo, os depoimentos colhidos até agora no inquérito que apura as
acusações de interferência de Bolsonaro na PF reforçam a narrativa de
Moro após pedir demissão.
Oito depoimentos prestados confirmaram a versão do ex-ministro de que
o presidente, desde agosto do ano passado, queria trocar o então
diretor-geral da PF, Maurício Valeixo. E sete acrescentaram o desejo
dele de mexer no comando da Superintendência do Rio.
O inquérito, porém, ainda busca informações de possíveis interesses de Bolsonaro em investigações da PF.
Bolsonaro
chegou a dizer nas últimas semanas que não tem nenhum parente
investigado pela PF. Mas, como mostrou reportagem do jornal Folha de
S.Paulo, a corporação no Rio tem uma série de apurações e interesses que
esbarram nele e em sua família.
A preocupação com investigações,
desconhecimento sobre processos, síndrome de perseguição, inimigos
políticos e fake news são alguns dos principais pontos elencados por
pessoas ouvidas pela reportagem para tentar desvendar o que há no Rio.
No
depoimento prestado em 2 de maio, dias depois de pedir demissão do
Ministério da Justiça, Moro afirmou que Bolsonaro queria trocar a
diretoria-geral da PF e ter o controle da Superintendência no Rio,
estado do presidente.
"Moro, você tem 27 superintendências, eu
quero apenas uma, a do Rio de Janeiro", disse Bolsonaro a Moro, por
mensagem de WhatsApp de março, segundo transcrição do depoimento do
ex-ministro à PF no inquérito que tramita no STF.
O inquérito foi
aberto pelo ministro Celso de Mello a pedido do procurador-geral da
República, Augusto Aras, a quem caberá decidir sobre denúncia ou
arquivamento.
Se Bolsonaro for denunciado, a Câmara aprovar o
prosseguimento e o STF aceitar a abertura de ação penal, ele é afastado
do cargo automaticamente por 180 dias.
Os crimes investigados são:
falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia
administrativa, obstrução de Justiça, corrupção passiva privilegiada,
prevaricação, denunciação caluniosa e crime contra a honra.
De acordo com interlocutores do PGR, Moro pode ser enquadrado nos três últimos, e Bolsonaro, nos seis primeiros.
Nesta
semana, a PF e a PGR ouviram delegados federais, membros do governo
Bolsonaro -entre eles três ministros- e uma deputada federal. Os
investigadores também assistiram ao vídeo da reunião ministerial de 22
de abril.
Os ministros Augusto Heleno (Gabinete de Segurança
Institucional) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) confirmaram
em seus depoimentos a intenção de Bolsonaro de trocar o superintendente
do Rio, mas por questões de falta de produtividade.
Na sua fala à
PF, porém, o atual diretor-executivo da corporação, Carlos Henrique
Oliveira, rebateu e negou problemas de produtividade no estado. Ele
comandava a área até recentemente, quando foi transferido para Brasília
após a queda de Valeixo da diretoria-geral da PF.
Carlos Henrique
virou atual número dois da PF, tendo sido nomeado oficialmente na quarta
(13) pelo ministro da Justiça, André Mendonça.
DEFESA DE MORO
A defesa do ex-ministro Sergio Moro disse que foi surpreendida com a petição da AGU em favor do presidente.
"A
transcrição parcial revela disparidade de armas pois demonstra que a
AGU tem acesso ao vídeo, enquanto a defesa não tem", afirmou.
"A
petição contém transcrições literais de trechos das declarações do
presidente, mas com omissão do contexto e de trechos relevantes para a
adequada compreensão, inclusive na parte da 'segurança do RJ', o trecho
imediatamente precedente", disse.
Segundo a defesa, "de todo
modo", mesmo o trecho divulgado "confirma que as referências diziam
respeito à PF e não ao GSI". "A transcrição parcial que busca apenas
reforçar a tese da defesa do presidente reforça a necessidade urgente de
liberação da integralidade do vídeo", disse Rodrigo Rios, advogado de
Moro.Leia a íntegra das declarações de Bolsonaro feitas na reunião e relacionadas ao inquérito, segundo a AGU:
"Eu não posso ser surpreendido com
notícias. Pô, eu tenho a PF que não me dá informações; eu tenho a
inteligência das Forças Armadas que não têm informações; a ABIN tem os
seus problemas, tem algumas informações, só não tem mais porque tá
faltando realmente temos problemas aparelhamento etc. A gente não pode
viver sem informação. Quem é que nunca ficou atrás da da da porta
ouvindo o que seu filho ou sua filha tá comentando? Tem que ver para
depois depois que ela engravida não adianta falar com ela mais. Tem que
ver antes. Depois que o moleque encheu os cornos de droga, não adianta
mais falar com ele: já era. E informação é assim. [referência a Nações
amigas] Então essa é a preocupação que temos que ter: "a questão
estratégia". E não estamos tendo. E me desculpe o serviço de informação
nosso -todos- é uma vergonha, uma vergonha, que eu não sou informado, e
não dá para trabalhar assim, fica difícil. Por isso, vou interferir.
Ponto final. Não é ameaça, não é extrapolação da minha parte. É uma
verdade."(...)"Já
tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro oficialmente e
não consegui. Isso acabou. Eu não vou esperar f. minha família toda de
sacanagem, ou amigo meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança
da ponta de linha que pertence à estrutura. Vai trocar; se não puder
trocar, troca o chefe dele; não pode trocar o chefe, troca o ministro. E
ponto final. Não estamos aqui para brincadeira."
Por Folhapress
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