Gabriela Lima busca legalizar uso de óleo artesanal. No RN, entre 5 e 10 mil famílias fazem uso
O uso medicinal da cannabis para tratamentos de saúde, autorizado pelo
Governo do Estado no mês passado, deve garantir suporte a pacientes no
Rio Grande do Norte que buscam terapias à base da substância ou de
derivados dela, além de incentivar pesquisas sobre o tema. A Lei Nº
11.055, publicada no Diário Oficial (DOE), também deve estimular uma
indústria da cannabis no RN e promover a a divulgação de informações
para a população e profissionais de saúde. A avaliação é do
neurofisiologista Claudio Queiroz.No Estado, segundo estimativas da
Associação Reconstruir Cannabis Medicinal, de Natal, algo em torno de 5
mil a 10 mil famílias fazem uso de medicamentos à base da substância
para tratar epilepsia, autismo, dor crônica, fibromialgia, esclerose
múltipla, Parkinson, Alzheimer, câncer, ansiedade, bruxismo, ELA, e HIV.
“Eu
entendo que a Lei é bastante positiva, porque ela permite o direito à
saúde de pessoas que têm se beneficiado do uso medicinal da cannabis.
Isso é um primeiro avanço. Além disso, a lei tem outros capítulos que eu
considero muito importantes: um deles é o que incentiva a criação de
uma indústria e a realização de pesquisas sobre cannabis no Estado”,
pontua Queiroz, que é professor do Instituto do Cérebro (ICe), da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
O
neurofisiologista pesquisa, há cerca de cinco anos, o uso da cannabis
para problemas associados à epilepsia. As primeiras descobertas, ainda
genéricas, têm sido acompanhadas em animais. “Nosso laboratório está
interessado em entender o potencial anticrise de diferentes compostos de
extratos obtidos a partir da planta e de como isso modula a
excitabilidade neuronal, ou seja, a atividade elétrica do sistema
nervoso de animais”, explica ele ao esclarecer que não trabalha com
tratamentos.Os estudos, que são básicos, estão voltados a entender
mecanismos e demonstrar fenômenos a partir da utilização de compostos da
planta. Além da aplicação para a epilepsia, no ICe também são
realizadas pesquisas direcionadas ao estudo de zumbidos no ouvido, para
o entendimento de como a cannabis modula a resposta auditiva ao
estímulo sonoro.
A realização de pesquisas, no entanto, ainda
enfrenta dificuldades, em razão de entraves legais, de acordo com
Claudio Queiroz. “Considerando que a cannabis é uma substância
proscrita, obter citocanabinoides puros e isolados é difícil, do ponto
de vista burocrático”, afirma o professor.
Incentivos
Se
a realização de pesquisas com cannabis enfrenta dificuldades por causa
de fatores legais, o avanço desses mesmos estudos só têm a ganhar com a
criação da Lei 11.055, conforme análise do professor Claudio Queiroz,
do Instituto do Cérebro (ICe). “Um dos itens [da lei] faz menção à
promoção da atividade científica. Vários pesquisas do ICe sobre o tema,
na minha compreensão, não estão resolvidas no momento. A gente não
sabe exatamente qual o mecanismo e a melhor combinação dos extratos para
o tratamento das epilepsias”, relata.
“Não sabemos se esses
extratos desenvolvem alguma tolerância, por exemplo e qual seria essa
taxa de tolerância. Tem muitas perguntas a serem resolvidas e quando o
Governo estadual coloca o incentivo à pesquisa sobre cannabis numa lei,
eu avalio isso como algo extremamente positivo”, discorre Queiroz. A
expectativa agora, segundo ele, é que esses incentivos se materializem
na Fundação de Amparo à Pesquisa do RN (Fapern), com a realização de
editais e chamadas para pesquisadores com trabalhos associadas à
cannabis. Outro ponto destacado por ele, no âmbito da lei, é a difusão
de informações sobre o tema.
Uso terapêutico
Para
Felipe Farias, presidente da Associação Reconstruir Cannabis Medicinal,
a lei é extremamente positiva justamente por reconhecer o uso
terapêutico da cannabis e de seus benefícios. “A medida promove o acesso
aos pacientes a usar a cannabis como tratamento, assim como o acesso à
pesquisa e, principalmente à educação”, frisa ele. A associação
presidida por Farias foi criada em 2017.
Felipe conta que tudo se
deu por causa de demandas que chegaram até ele, após notícias de que um
paciente em Natal teria autorização judicial para o cultivo da planta.
“Começamos um processo de cultivo e produção de remédio fitoterápico
para os pacientes. Todos eles tinham receitas médicas e laudos atestando
problemas de saúde. Nós fizemos convênios com a UFRN para que fossem
feitas análises dos remédios e entramos na Justiça para conseguir um
teor legal [para o cultivo]”, descreve Farias.À época da questão
judicial, segundo o presidente da Associação, cerca de 200 pacientes
estavam cadastrados junto à ONG para fazer uso de medicamentos à base de
cannabis. Após um ano de audiências, no final de 2018, o juiz negou a
ação. “Não houve embasamento científico, mas apenas questões
ideológicas”, alega Farias sobre o fato de a ação ter sido negada. Desde
então, a Reconstruir Cannabis atua no sentido de apoiar pacientes a
importar medicamentos produzidos à base da substância, mas está proibida
de cultivar a planta.
O menino sofreu convulsões logo nas primeiras horas de vida e passou quatro meses internado, sempre alternando, nesse período, entre uma UTI e um leito de médio risco. “Nós percebemos que Cauã era uma criança extremamente estressada. Ele não parava de chorar. Durante um dos meses em que ficou direto na UTI, passou 20 dias intubado, então, a gente não sabia muito o que estava acontecendo. Quando acordou, nós percebemos que ele não conseguia passar 10 minutos sem chorar”, conta Gabriella.
Por causa
disso, vieram as investigações. Já no primeiro exame de encefalograma,
uma constatação: Cauã sofrera nove convulsões em meia hora. O choro era
provocado pelas crises. Entre remédios e UTI, um novo exame apontou que a
lesão no cérebro do bebê era muito grande. Portanto, Cauã tinha uma
epilepsia grave, que não era controlada nem com os muitos medicamentos
que recebia.
“As medicações deixaram meu filho muito apagado. Ele
era uma criança que só dormia e nunca sorria. Eu perguntava o tempo
todo se conseguiria vê-lo sorrindo um dia”, conta Gabriella. Mesmo ao
deixar o hospital, o menino retornava à UTI todos os meses, por causa
das crises, que estavam num estágio de mal convulsivo (diversas crises
seguidas ou ininterruptas). Aos dois anos, Cauã passou 72 horas seguidas
em convulsão. Estava dopado de remédios, conforme relatos da mãe.“Aquilo
era assustador. Eu fiquei desesperada. A cama dele tremia”, diz
Gabriella. Ela conta que, ao ver notícias na TV sobre o uso medicinal da
cannabis, foi em busca de informações na Paraíba, onde existe uma ONG
que atua de forma legalizada no cultivo da maconha. Através da
associação paraibana, ela entrou em contato com pacientes do RN que
faziam uso da substância. Uma pessoa, que produzia o óleo para o próprio
pai, se ofereceu para ajudar Gabriella.
Ela procurou orientação
de um neurocientista, que a aconselhou a tentar o uso. A orientação do
profissional de saúde foi que Gabriella procedesse de acordo com
indicações do homem que procurou lhe ajudar. A professora conta que
foram aplicadas pequenas gotas embaixo da língua do menino. Em 24 horas,
segundo Gabriella, a criança acordou sem convulsões.
Cauã foi
submetido a um novo eletroencefalograma e não foi detectada nenhuma
crise. O uso do remédio continuou e, na mesma medida que as aplicações
aconteciam, a criança foi “desmamando de outros medicamentos”, segundo
Gabriella. “Ele chegou a tomar quatro convulsivos ao mesmo tempo, mas
que não controlavam as crises”, conta.Cauã ainda enfrenta muitos
desafios, especialmente os ligados à questão motora, segundo Gabriella.
“Ele não senta sozinho, não consegue equilibrar a cabeça, não fica de
pé, não fala, mas consegue demonstrar reações e, graças a Deus, eu já
vejo o sorriso dele. Cauã é outra criança”. Hoje, o menino não usa
outros remédios além do óleo.
Atualmente, Gabriella tenta, junto
com a Associação Reconstruir, a legalização do uso do medicamento à
base de cannabis na Justiça. “O pedido é negado, a gente recorre, mas a
situação até agora não se resolveu”, afirma Gabriella.
Com a nova
lei, a professora espera que o acesso a tratamentos seja facilitado
para todos os que necessitam fazer uso medicinal da cannabis. “A lei é
um grande passo para a nossa luta e acredito que muita gente vai
conseguir acesso aos tratamentos com muito mais facilidade. A gente não
sabe muito bem como isso vai acontecer na prática, mas imagino que vai
ser mais fácil. No que diz respeito às pesquisas, considero que a medida
vai ajudar a quebrar tabus da classe médica. Mas, será uma longa
trajetória”, prevê.
Tribuna do Norte
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