Quando se fala de Exército, normalmente se pensa no combate a um
elemento externo. No entanto, mais e mais as tropas federais vêm sendo
chamadas para ações “fora da normalidade”. Pior: a preocupação maior dos
militares é que eles têm sido chamados para tudo, desde garantia da lei
e da ordem, como durante a Rio-2016, passando pelo socorro à segurança
no Rio Grande do Norte até a distribuição de água, comida, vacinas,
atendimento cívico e social.
Na semana passada, em 48 horas, o Exército recebeu dois novos
chamados de socorro. O primeiro, do Acre, a pedido do governador, diante
da seca severa que atinge várias cidades. O segundo do Tribunal
Superior Eleitoral (TSE), a pedido do governo do Rio, para que as Forças
Armadas permaneçam nas ruas até novembro, depois das eleições. Nos dois
casos, como em todos os outros, as tropas vão se preparar para atender
ao pedido e executar o que eles chamam de “missão”.
Chamados desde o início do processo para coordenar o sistema de
segurança da Olimpíada, que teve a abertura oficial na sexta-feira, os
militares não estão satisfeitos com as multifunções que têm sido
atribuídas, sem o devido reconhecimento. A prática se acentuou durante
os governos petistas e acabou levando as Forças Armadas, particularmente
o Exército, a receber dois apelidos: “Bombril” – pelas mil e uma
utilidades – e Posto Ipiranga – um lugar completo, em qualquer lugar,
onde é possível encontrar tudo o que se precisa.
Apesar das preocupações com os diversos braços de atuação em missões
que não são as originalmente constitucionais, os militares reconhecem a
necessidade de serem empregados em muitos casos e atendem, prontamente a
todos os chamados. “O problema é que os chamados fora da destinação
principal têm sido cada vez mais frequentes”, comentou um general da
ativa, que prefere o anonimato. A avaliação dessas autoridades é que “o
Exército deve ser o último recurso, mas não é bom que o último recurso
seja usado a toda hora”.
Para este oficial-general “os governadores, em razão desta facilidade
de chamar os militares para tudo, acabam negligenciando alguns pontos
da questão de segurança”. Segundo o militar, “é o caso do Rio de
Janeiro, que está completamente desmontado, e tem usado o Exército em
seguidas oportunidades para tentar garantir estabilidade e isso é um
inferno, com potencial de encrencas e problemas incontáveis.”
Problema olímpico. No caso da Olimpíada, de acordo com os militares, o
uso de Forças Armadas para auxílio na segurança é até tradição, em
todos os países. Mas o problema, comentam eles, é a forma e a falta de
programação e previsão para a solicitação deste emprego. Desde 2014,
quando começaram as primeiras reuniões preparatórias para a Rio-2016, os
militares advertiram sobre as dificuldades de se recrutar, reunir e
gerenciar um grupo de 10 mil pessoas para executar a missão de revista
pessoal, controle nas entradas das arenas, segurança e fiscalização
interna nos 51 pontos de competições. Apesar das advertências
reiteradas, apenas em junho deste ano o governo federal abriu a
concorrência para a contratação de 5 mil pessoas para fazer estes
serviços. “Obviamente, não conseguiram”, comentou um militar. No
momento, esta seria a principal brecha na segurança dos jogos.
Outro problema apontado pelos militares foi que o Ministério da
Justiça não conseguiu reunir os 9,6 mil homens prometidos para integrar a
Força Nacional, para executar missões de segurança nas vias do Rio e
nos locais de competição. Menos de 5 mil chegaram ao Rio. Sem pessoal,
no fim de maio, o governo do Rio pediu reforço das Forças Armadas. Para
os militares, esse emprego tem riscos. O principal é que o soldado não é
treinado para enfrentamento ao crime. Ele é treinado para a guerra.
Outro problema nesta convocação de militares foi quando o governo
decidiu conceder uma diária de R$ 550 para os PMs dos Estados que foram
chamados. Um militar receberá R$ 30 de diária. Uma desproporção para
trabalhos semelhantes.
RN tem contado com auxílio federal desde o ano passado
Ao lado do Rio de Janeiro, o Rio Grande do Norte pode ser apontado
como um Estado que vem usando as forças federais como “muletas” para
garantir a segurança pública nas crises. Foi assim após a rebelião no
sistema carcerário em 2015 – que, para a Justiça, terminou fortalecendo a
facção Sindicato RN – e foi assim na semana passada.
Para o governador Robinson Faria (PSD), não havia opção. O Rio Grande
do Norte tem taxa de 46 mortes para cada 100 mil habitantes, segundo as
informações do Anuário do Fórum Brasileiro da Segurança Pública de
2015. É o terceiro Estado mais violento. “Fiz todo tipo de tratativas.
Promovi policiais, equipei a polícia, dei aumento, mas acabamos
descobrindo que os indicadores não estavam atendendo aos anseios do
povo.”
O diagnóstico, segundo ele, foi que a liberdade dos presidiários em
se comunicar com o mundo fora dos muros era “a raiz do problema” de
segurança nas ruas. E a decisão política, tomada no começo do ano, foi
colocar bloqueadores nas cadeias. A ideia era ir para o embate com as
facções criminosas – mesmo sem condições de vencer sozinho e ter de
pedir ajuda.
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