BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) -
Proposta apresentada pelo governo Jair Bolsonaro desobriga o poder
público de expandir sua rede de escolas em regiões com carência de vagas
para alunos. Com a mudança, a equipe econômica quer ampliar a
participação do ensino privado no país.
Em outro ponto do texto levado ao Senado na semana passada, é
revogado um trecho da Constituição que estabelece como função do
Orçamento a redução das desigualdades regionais.
Esse objetivo é
mantido na Constituição como "fundamental", mas é retirado o instrumento
que trata especificamente do direcionamento de recursos públicos para
essa finalidade.
As duas alterações foram incorporadas à
PEC (Proposta de Emenda à Constituição) do Pacto Federativo. O texto
trata da reestruturação do Estado e da redistribuição de recursos entre
União, estados e municípios e é visto como fundamental para corrigir
distorções e equilibrar as contas públicas.
Hoje, a Constituição
diz que o governo é obrigado a investir prioritariamente na expansão de
sua rede de ensino quando houver falta de vagas e cursos regulares da
rede pública em uma localidade. Se a proposta de Guedes for aprovada
pelo Congresso, esse trecho será excluído da Constituição.
A
advogada tributarista Ana Cláudia Utumi, sócia do Utumi Advogados,
afirma que o ensino é uma obrigação do poder público e que a retirada do
trecho pode passar a impressão de que o aluno que está sem vaga terá de
buscar uma solução por conta própria.
"Existindo essa obrigação
constitucional hoje, os entes já são muito lentos para cumpri-la. Se não
tiver essa obrigação, pode ser algo que acomoda ainda mais o poder
público."
Não são raros os casos de ações na Justiça que obrigam
gestores públicos a oferecer vagas no sistema de ensino depois que pais
buscam ajuda da Defensoria Pública. Entre os argumentos usados está a
determinação da Constituição de que educação é um direito social do
cidadão.
Técnicos da Economia que atuaram na elaboração da
proposta reconhecem que a medida desobriga a expansão de escolas que é
condicionada pelo dispositivo.
O ministério afirma que o acesso à
educação não será precarizado, pelo contrário. Isso porque a ideia é
permitir que os alunos acessem o ensino privado por meio de bolsas de
estudo que seriam bancadas pelo governo. A medida dependerá de futura
regulamentação via projeto de lei.
A equipe de Guedes sustenta
que, em muitos casos, o governo gastaria menos ao pagar bolsas para
instituições privadas do que se optasse por construir e manter novas
escolas públicas.
O governo argumenta ainda que o estudante teria
autonomia para optar entre uma escola pública ou privada, onde isso for
possível. Nas palavras de um dos técnicos da economia, a estrutura
estatal não pode ser um fim em si mesma e é importante a participação do
setor privado.
De acordo com interlocutores de Guedes, a ideia
inicial de alterar esse artigo não partiu do ministério, mas sim de um
projeto que já circulava no Congresso. Guedes e sua equipe gostaram da
proposta e decidiram incluir no texto do pacto federativo.
Como o
governo seguiria bancando a educação nesses casos por meio do pagamento
de bolsas de estudo, o argumento usado na pasta é que o investimento
público na área não seria reduzido e a eficiência do atendimento à
população seria ampliada.
Além de aumentar as opções dos alunos, o
governo diz acreditar que poderá alocar melhor os recursos. A pasta
espera reverter para outras ações em educação a economia gerada com o
pagamento de bolsas onde seria necessário construir uma escola.
O mesmo trecho da PEC também inclui uma série de critérios para a
concessão de bolsas de estudo pelo governo. Hoje, o texto diz apenas que
as bolsas serão concedidas para aqueles que demonstrarem insuficiência
de recursos. A proposta inclui a exigência de inscrição e seleção e
condiciona essa possibilidade à existência de instituições cadastradas.
De acordo com os técnicos da pasta, a mudança é necessária para
respeitar regras de acesso das instituições privadas e ensino.
Em
outro artigo, o governo revoga parágrafo que estabelece que o Orçamento
terá, entre suas funções, a de reduzir desigualdades regionais, segundo
critério populacional.
Para Utumi, a medida pode ser uma tentativa do governo de retirar amarras do Orçamento, em linha com a orientação de Guedes.
Ela
pondera que a mudança pode ser prejudicial. "Na medida em que você tira
o princípio de privilegiar no Orçamento as regiões menos desenvolvidas,
corre-se o risco de essas regiões receberem menos que o necessário",
disse a advogada.
Utumi pondera que outros trechos da Constituição elencam a redução das desigualdades regionais como prioridade.
Esse
é o argumento usado por técnicos do governo, que afirmam que a mudança é
apenas uma limpeza do texto constitucional, sem efeito prático. Segundo
a pasta, esse objetivo já está presente em outros trechos, como o que
trata dos fundos regionais.
Na própria PEC do Pacto Federativo, o governo propõe que os
benefícios tributários sejam reavaliados observando a diretriz de
combate às desigualdades regionais.
Na avaliação do advogado
Fernando Raposo, mestre em finanças públicas e tributação, a retirada
dessa obrigação específica da elaboração do Orçamento pode dar a
entender que o objetivo de reduzir as desigualdades ficará fragilizado.
Ele diz acreditar que o resultado da mudança, porém, deve ser
limitado. "Entendo que não há efeitos práticos relevantes. É uma questão
muito mais simbólica", afirmou.
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