quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Em entrevista, Preta Gil critica a hipocrisia e diz que é o que é

Do Correiobraziliense.com.br
Com apenas cinco dias de vida, ela já provocava alvoroço. Quando o pai, o cantor e compositor Gilberto Gil, foi registrá-la em um cartório no Rio de Janeiro, em agosto de 1974, o tabelião se recusou prontamente: “Você não vai poder registrar sua filha como Preta. Não é nome de gente”. Após muita negociação, a filha de Gil acabou ganhando a certidão. E o orgulho de ser Preta Maria Gadelha Gil Moreira.
Ela recusa a fama de polêmica e rebelde. Diz que sua autenticidade é que não é bem aceita. “Existe uma hipocrisia muito grande. As pessoas, hoje em dia, não se revelam, não têm essa maturidade de serem elas mesmas. Tem toda essa coisa de criar personagem, de falar uma coisa publicamente e fazer outra. Eu tenho a tendência de ser o que sou”, destaca. Em entrevista ao Correio Braziliense, a cantora fala sobre a carreira, a vida pessoal e a relação com a imprensa e os paparazzi.
Essa história toda envolvendo o seu registro… Já naquele tempo você provocava “confusão”?
Minha avó paterna é que conta essa história. Eu tinha cinco dias de vida e ela falou: “Vai registrar a menina”. Chegando ao cartório, o tabelião perguntou como eu me chamaria. Quando meu pai falou o nome, o tabelião disse que não ia registrar. Alegou que Preta não era nome de gente. Meu pai ficou indignado e respondeu: “Como não é nome de gente? Tem Branca, Bianca, Rosa, Clara. Preta também é nome de gente”. Depois de muita discussão, o tabelião falou que só deixaria registrar Preta se colocasse um nome composto, um nome bíblico. Aí virou Preta Maria, meu nome de batismo. Minha mãe e minha avó me chamam de Preta Maria e, hoje em dia, muita gente, porque eu acabei botando Preta Maria como meu nome no Twitter. Acho bonitos o nome e toda essa história.
Como é a sua relação com o Twitter? Você é uma das celebridades que mais comentam e postam no site.
Não chego a ser viciada em Twitter e tenho uma consciência muito grande do que essa ferramenta significa pra mim. Continuo dando as minhas opiniões sobre várias coisas, mas uso muito para me conectar com os meus fãs.
Seguir a carreira era natural por ser filha de Gilberto Gil, afilhada de Gal Costa e conviver nesse meio artístico?
Era natural. Sou artista praticamente desde que nasci. Minha carreira começou muito cedo. E eu fazia showzinho para a Gal, que é minha madrinha. Eu a imitava pra ela mesma. Usava as roupa que ela usava, fazia shows em casa e isso foi se estendendo aos estudos. Estudei canto e teatro a adolescência inteira, até acontecer um capítulo muito trágico, a morte do meu irmão (Pedro Gil faleceu num acidente de carro no Rio, em 1990, aos 19 anos). Aí as coisas se interromperam. Foi então que, num ato de rebeldia e de fuga talvez de mim mesma, pelo sofrimento, decidi morar em São Paulo com meu namorado na época, Otávio Müller, que é o pai do meu filho. E lá fui trabalhar em publicidade. Acabei me refazendo, ganhando dinheiro, ficando independente e deixando pra trás os meus estudos, o meu dom, meu talento. Só retomei mais de 10 anos depois, aos 28.
Quando você começou a cantar, havia críticas negativas sobre sua voz. O tempo resolveu isso?
Nunca li essas críticas com relação à minha voz. Normalmente, com relação ao que escrevem ao meu respeito, eu só capto as coisas positivas. Tenho uma carreira de oito anos. Adoro escutar os discos da Gal, da Rita, de início de carreira, e ver quanto uma cantora tem essa possibilidade de crescimento vocal, de aprendizado. Essa experiência de palco, esses três anos de show, de estrada, têm me dado isso. Cada vez mais, me sinto à vontade na hora de cantar, de atingir notas que não atingia.
Você teve cobranças por ser filha do Gilberto Gil?
Depois que me lancei como cantora, não. Em nenhum momento houve essa cobrança artística. Mas teve um certo patrulhamento pelo fato de o meu pai ser ministro. Tudo que eu dizia tinha um peso diferente. E demorei tanto pra começar… E eu sou eu. Sou muito diferente do meu pai. Temos o mesmo DNA, ele é a minha referência maior, mas criei minha independência, minha personalidade musical.
Você se acostumou a ser vista como a filha do Gilberto Gil. Hoje, já acontece o contrário?
Gil é o pai da Preta?
O meu pai brinca muito com isso: “Eu virei o pai da Preta Gil”. E ele é orgulhoso disso. Eu também fico orgulhosa de ter conseguido encontrar o meu espaço, de ter criado a minha personalidade artística, com ele sempre do meu lado, me apoiando. Isso é muito importante. Sou filha, né? E todo filho quer o apoio do pai. Eu tenho tudo isso do meu e ainda pude criar, desenvolver, amadurecer a minha personalidade.
Você passa a imagem de ser autêntica, verdadeira. Talvez por isso as pessoas tentem fazer
estardalhaço com a sua vida?
Talvez. Existe uma hipocrisia grande. As pessoas, hoje em dia, não se revelam, não têm essa maturidade de serem elas mesmas. Tem essa coisa de criar um personagem, de falar uma coisa publicamente e fazer outra. Tenho a tendência de ser o que sou. E isso tudo, obviamente, tem nuances. Sou uma mulher calma, caseira, pé no chão, concentrada. No palco, sou irreverente; ali eu me permito ser mais ousada, sem limites. Mas aí volto pra minha vida normal. E acaba tendo algum oportunismo, de frases de efeitos que falo. Sou brincalhona, tenho uma coisa de humor no palco. E, muitas vezes, coisas que eu falo no palco são colocadas em contextos diferentes. A minha vida quando solteira, os namorados que tive, viraram notícia. E isso é uma grande bobagem. Todo mundo namora, e eu namoro pessoas que fazem parte do meu convívio. Namorei muitos artistas, é natural, como também namorei não artistas. E tudo isso acaba virando notícia. Mas não estou reclamando. Só estou traçando uma retrospectiva. Hoje em dia, estou afastada disso. Isso não acontece mais porque a minha vida é normal, pacata, o meu foco realmente é a música, é o meu trabalho.
Como tem lidado com a indústria das celebridades? Você odeia os paparazzi?
Isso nunca existiu. Não odeio paparazzi. Tenho uma relação até amistosa com eles. Tenho uma vida resguardada. Se eu sei onde eles estão e não quero aparecer, não vou. Também não tenho muito o que esconder. A minha vida é aberta. Se eles quiserem me fotografar em qualquer lugar na rua, eles vão me fotografar. O que tive foi um problema específico, com um programa de televisão. Tomei um “caldo” no mar, os paparazzi fotografaram e isso virou chacota de um programa, o que me magoou muito. Processei eles e ganhei.
O que achou dessas celebridades e personalidades que se candidataram e até foram eleitas?
Não sou contra. As pessoas fazem aquilo que querem. Mas está na gente, no eleitor, a capacidade de discernir, de diferenciar a figura pública, a celebridade, daquela que quer realmente seguir a carreira política. Quem sou eu para criticar uma pessoa que quer se candidatar? Se ela quis, sendo celebridade ou não, é porque teve motivo pra isso. Mas cabe a mim julgar e pesquisar a experiência que ela tem, o que pode fazer pra melhorar, ajudar o país. A questão está no eleitor. Cabe à gente vigiar os que foram eleitos. Mas tem muita piada também, né? O caso do Tiririca, por exemplo. Estão falando que é analfabeto. Não sabiam disso antes? Como faz pra se candidatar? É só falar “quero” e pronto? Deveria existir algo mais criterioso para evitar que essas coisas aconteçam.
Você tem vontade de ingressar na política?
Não. Nunca na vida.
Você é considerada ícone entre o público gay. Por que essa admiração?
 Acho que por causa da minha liberdade, da espontaneidade, da personalidade extrovertida, alegre, pra cima. Sou livre de preconceitos, fui criada dessa maneira. Não tenho preconceito com relação a nada. No palco, também sou assim e acabam se identificando. Acaba virando uma coisa só, eu e a plateia. O público faz parte do meu show. E eu tenho muito orgulho de eles se identificarem comigo.
No seu primeiro disco, você tirou fotos sensuais, seminua. Faria isso de novo?
Acho que não faria de novo, porque a vontade de me expressar artisticamente com o nu eu já realizei. Foi uma necessidade minha, de expressão. Em nenhum momento achei que fosse chocar. Era singelo, não tinha nada de explícito. Fiquei muito impressionada e chocada com a repercussão moralista. A gente mora num país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza. Você vai ao Rio de Janeiro, à praia, e vê mulheres mais nuas do que eu. No carnaval, a mesma coisa. Aquilo foi um oportunismo pelo fato de, na época, o meu pai ser ministro. Virou uma coisa muito maior do que era. Mas não me arrependo não. Tenho orgulho de cometer os meus erros e os meus acertos. Foi assim que aprendi, foi assim que eu cresci. E vamos nessa.
O seu projeto Noite preta está bombando. Já dá pra ganhar dinheiro com essa carreira?
Já dá pra sobreviver totalmente da música, sim. Hoje, é o meu ganha-pão. É o meu sustento e o da minha família. Não vou dizer que sou uma pessoa rica. Tenho responsabilidade, tenho filho, uma casa, mas posso dizer que tenho tranquilidade, financeiramente falando. Eu vivo dos meus shows e faço muitos, uma média de 14 por mês. É muito para uma cantora. E tenho conseguido saúde e força pra cumprir a agenda.

Trio elétrico ou sambódromo?
Sou apaixonada pelo carnaval de Salvador. Como carnaval democrático, carnaval de rua, acho muito bacana. Adoro essa cultura dos trios elétricos, a música baiana, o samba-reggae, os blocos afros. Passei a maioria dos meus carnavais em Salvador. Recentemente, descobri o carnaval de rua do Rio e criei um bloco chamado A Coisa Tá Preta. Foi o maior sucesso do carnaval carioca este ano. Vamos começar os ensaios agora, no verão, e voltar a sair no carnaval de 2011. Quero que ele saia mais vezes, pelo menos duas vezes por ano. Com a Sapucaí, tenho uma relação um pouco mágica. Deixei guardado na minha memória afetiva um momento único: quando fui a madrinha de bateria da Mangueira (em 2007). Isso vai ficar marcado pra sempre na minha história. Fico dividida entre o carnaval do Rio e o de Salvador. Meu carnaval é trabalhando, sempre. Não sou foliã há mais de 10 anos, e agora sou uma profissional do carnaval. Mas consigo unir as minhas duas verdades, de ser uma carioca-baiana. Por isso, fico entre o Rio e Salvador.

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