sábado, 21 de janeiro de 2012

Fuga em massa é a maior da história

Marco Carvalho - repórter

O pavilhão Rogério Coutinho Madruga foi cenário para a maior fuga já registrada na história do Presídio Estadual de Alcaçuz, em Nísia Floresta. Quarenta e um detentos escaparam da unidade prisional na noite da quinta-feira passada sem serem notados pelos agentes penitenciários. As celas do pavilhão, recém-construído e considerado modelo de segurança máxima, não estavam trancadas. No local, também não havia agentes da guarda. Apenas três dos fugitivbos foram recapturados. A fuga resultou na exoneração do coordenador do Sistema Penitenciário, José Olímpio da Silva e do diretor de Alcaçuz, major Marcos Lisboa.

Adriano AbreuDos 41 fugitivos, apenas três foram recapturados pela Polícia Militar.Dos 41 fugitivos, apenas três foram recapturados pela Polícia Militar.

Dentre os fugitivos estão homens acusados de crime como homicídio e assalto a banco. Somente horas depois, a fuga foi notada, com a recaptura de três homens pela Polícia Militar, que relatou a ocorrência à direção do presídio. A Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejuc), responsável pela administração do Sistema Prisional do Rio Grande do Norte, já instaurou sindicância para apurar indícios de facilitação e negligência. O secretário Fábio Hollanda prometeu "respostas rápidas".

A fuga teve início após a saída de detentos de uma das celas que estavam destrancadas no novo pavilhão da unidade. As versões da Sejuc e da direção do presídio são divergentes. O ex-diretor da unidade, major Marcos Lisboa diz que os presos serraram os cadeados. A Sejuc afirma que as celas estavam abertas. Após isso, eles se dirigiram ao solário, onde usaram uma corda feita a partir de lençóis - popularmente de "teresa"- para alcançar o teto e serrar as grades.

As divergências no relato permanecem. Segundo a direção, os presos formaram uma "torre humana" para chegar ao teto. Depois, aproveitaram uma escada utilizada na estação do tratamento  de água e esgoto - localizada ao lado do pavilhão - para escalar o muro e alcançar a liberdade. A ação teria durado entre 40 minutos e 1 hora e ocorreu por volta das 21h da quinta-feira passada.

No presídio, três das dez guaritas estavam desativadas em razão da deficiência de efetivo da Polícia Militar para a Companhia de Guardas de Presídios. Dessas três, duas guaritas dariam visibilidade à ação, caso contasse com algum agente da segurança.  O intervalo entre a fuga e a percepção do fato pode ter sido fundamental para o baixo índice de recapturas. A PM disponibilizou todo o efetivo de serviço da corporação para tentar recapturar os 38 que permanecem foragidos. O helicóptero Potiguar I foi disponibilizado para as buscas aos fugitivos.

O coronel Francisco Araújo, comandante-geral da PM, afirma que as abordagens policiais serão intensificadas. "Cada batalhão intensificará a fiscalização em sua área de atuação", declarou. Ele contou que aguarda da Sejuc uma lista de possíveis endereços de onde podem estar os foragidos. Com isso em mãos, a PM vai realizar diligências até os locais, na tentativa de recapturar os homens. A polícia também vai continuar com as abordagens aos ônibus.

Sejuc investiga facilitação e negligência na fuga

O secretário de Justiça e Cidadania do Rio Grande do Norte, Fábio Luís Monte de Hollanda, acredita que a fuga dos 41 presos pode ter sido facilitada intencionalmente por membros do sistema prisional. Em entrevista coletiva na manhã de ontem, Fábio Hollanda afirmou que há indícios de facilitação e negligência no pavilhão Rogério Coutinho Madruga.

Depois de anunciar os afastamentos do coordenador do sistema penitenciário e do diretor de Alcaçuz, Fábio Hollanda confirmou que uma sindicância será instaurada para apurar, com rigor, as responsabilidades dos funcionários e diretores na fuga dos detentos. O titular da Sejuc confirmou que havia celas sem cadeados.

"Os presos que fugiram foram meros instrumentos que se aproveitaram dessa guerra. O problema não foi falta de pessoal nem de estrutura, e sim negligência", disse o secretário, sem informar diretamente quem são os "inimigos". Para Hollanda, apesar da carência de agentes, a fuga não ocorreu devido a isso. "Não houve confronto. Reitero que o problema não é de efetivo ou estrutura".

"A partir de agora, o Governo retoma as rédeas do sistema prisional", disse o secretário recém empossado. Ele informou também que todos os agentes que estão cedidos a outros órgãos do Estado terão que retornar imediatamente às suas funções originais. "Assim como aqueles que estão de férias. É um momento de crise e precisamos do máximo de reforço".

Detentos

Vídeo obtido pela reportagem da TRIBUNA DO NORTE mostra a explicação de três detentos para a realização da fuga no Presídio Estadual de Alcaçuz, em Nísia Floresta. Através das imagens, presos justificam que teriam fugido devido a problemas com a alimentação e por falta de estrutura, como viaturas para levá-los ao médico.

Na gravação, aparecem os três detentos que foram recapturados que reclamam do fim de regalias como televisões e ventiladores, que eram disponibilizados em outros pavilhões. Relataram ainda que as visitas não ocorrem como deveria ser. "Nós fugimos de Alcaçuz por falta de alimentação e também pela questão das visitas, que não estão ocorrendo como deveria. Tá faltando televisão e ventilador. Também falta viatura para nos levar para o médico, quando há a necessidade. A situação está muito precária. A gente pede pelas viaturas e os agentes não tem nem o que dizer. Não tem assistência de nada", relatou um dos presos recapturados.

Novo diretor quer apoio da PM

Policiais militares estarão à frente do Sistema Prisional do Rio Grande do Norte. Após a fuga histórica registrada em Alcaçuz, a governadora Rosalba Ciarlini e o secretário da Sejuc, Fábio Hollanda, agiram no sentido de trocar os nomes dos responsáveis pela administração das penitenciárias potiguares. Foram convocados o coronel Severino Gomes dos Reis Neto e o tenente-coronel Zacarias Figueiredo Mendonça.

Coronel Reis, da reserva da Polícia Militar, assume a Coape (Coordenadoria de Administração Penitenciária). O oficial já foi diretor de Alcaçuz e também da Penitenciária João Chaves. Ele é bacharel em direito e administração, e atual corregedor da PM. O tenente-coronel Mendonça será o novo diretor da unidade prisional em Nísia Floresta. Atualmente, o oficial comandava o 4º Batalhão da PM, responsável pelo patrulhamento da zona Norte de Natal.

Durante a tarde de ontem, o tenente-coronel já se encontrava em Alcaçuz dando início ao trabalho. "Fiquei surpreso com a indicação. Mas é mais um desafio que vamos ter que encarar. Missão dada tem que ser cumprida", afirmou.

O tenente-coronel Mendonça assume a direção em um momento de crise. "A expectativa é normal. Nunca comandei uma unidade prisional e já estou aqui tentando conhecer o seu funcionamento". Perguntado sobre o critério de escolha para os novos cargos, o secretário da Sejuc informou que a nomeação dos coronéis da PM ocorre por competência. "Contaremos com o  braço forte da PM para nos auxiliar nesse momento".

MP abre investigação e pede perícias

Desde às 13h de ontem, equipes do Instituto Técnico-científico de Polícia (Itep) estão realizando perícias no Presídio de Alcaçuz. Essa é uma das providências requisitadas pela Promotora de Justiça de Nísia Floresta, Hellen de Macêdo Maciel, para investigar as condições da fuga de 41 presos.

O Procedimento Investigatório Criminal foi instaurado em caráter de urgência para apurar se houve omissão, negligência ou conivência dos agentes penitenciários e policiais militares que trabalhavam no momento da fuga. Para isso, além do pedido de perícia, o Ministério Público pediu cópia dos livros de presença dos agentes penitenciários e dos guariteiros que trabalharam no dia da fuga, bem como cópia das escalas de trabalho para o mês de janeiro.

A perícia requisitada deve informar sobra as condições dos portões, chapas ou divisórias que separam o Pavilhão onde se encontravam os presos do pátio onde ocorre o banho de sol. Serão analisadas ainda as grades supostamente serradas pelos fugitivos e nos demais espaços por onde eventualmente tenha ocorrido a fuga. A Promotora de Justiça deve ouvir os detentos que foram recapturados durante a tentativa de fuga na próxima sexta-feira (27), dia da inspeção mensal no presídio.

Inauguração em outubro

A inauguração do novo pavilhão de Alcaçuz ocorreu no final de mês de outubro após batalhas travadas na Justiça. O Ministério Público chegou a intervir na liberação da unidade justificando que faltavam adequações técnicas nas celas. No dia da inauguração, foi questionado o efetivo de agentes penitenciários que seriam deslocados para garantir a segurança. Cogitou-se a transferência de 16 agentes do interior para reforçar o efetivo da capital; ato que nunca concretizou-se, deixando vulnerável o pavilhão.

2000: segunda maior fuga

A fuga registrada na noite da quinta-feira passada, no Presídio Estadual de Alcaçuz, onde 41 detentos deixaram a unidade prisional, é a maior já ocorrida na penitenciária. Até então, a fuga liderada por José Valdetário Benevides, o conhecido como Valdetário Carneiro, era a maior já registrada. Contudo, os dois casos foram bastante diferentes.

No dia 5 de novembro do ano 2000, vinte e oito presos escaparam da unidade durante resgate realizado pelo bando de Valdetário, onde armas de grosso calibre foram utilizadas para garantir a fuga. Além do assaltante, também foram libertados criminosos como Cimar Carneiro, primo de Valdetário, e o assassino, sequestrador e estelionatário Benito Muradás.

Na ação do bando, apenas um sentinela fazia a vigilância. Um soldado da PM foi baleado e ficou ferido com gravidade, dois agentes carcerários foram feitos reféns e o governador Garibaldi Filho exonerou o então diretor do presídio, Ricardo Roland.

O ex-diretor, à época, justificou que "da maneira como se deu o resgate, aconteceria em qualquer unidade prisional". No entanto, o delegado Maurílio Pinto, que ocupava o cargo de subcoordenador de operações da Secretaria de Segurança, disse que houve negligência por parte da direção do presídio.

"Todo o plano era de conhecimento da polícia. Inclusive, que o resgate de Valdetário seria em um fim de semana", explicou Maurílio Pinto, logo após a fuga de Valdetário Carneiro, morto em 10 de dezembro de 2003 durante ação da polícia.

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