terça-feira, 23 de setembro de 2014

Cresce número de delitos com participação de adolescentes

A soma dos crimes de roubo e homicídio praticados por adolescentes no Rio Grande do Norte teve um aumento de 160% em quatro anos, passando de 331 casos para 863 entre 2010 e 2013. E em 2014, somente nos oito primeiros meses (de janeiro a agosto), esses tipos de delitos cometidos por jovens com menos de 18 anos já chega a 715 — 82,8% do registrado em todo o ano passado.
Levantamento feito pelo juiz Homero Lechner aponta um aumento de 160% em quatro anosLuana CampeloLevantamento feito pelo juiz Homero Lechner aponta um aumento de 160% em quatro anos

A estatística foi revelada pelo juiz da 3ª Vara da Infância e da Juventude de Natal, Homero Lechner, a partir da compilação dos números feita pelas comarcas existentes no Estado. O magistrado considera o dado extremamente preocupante, não somente pelo aumento vertiginoso de atos infracionais graves cometidos por adolescentes, mas também porque não há vagas nas unidades do sistema socioeducativo do RN para esse grande número de jovens. Elas vem sendo ampliadas, mas mesmo assim ainda são insuficientes. Das 123 vagas existentes atualmente, 118 estão ocupadas, restando apenas 18, de acordo com a Fundação Estadual da Criança e do Adolescente (Fundac). 

Por esse motivo, adolescentes sentenciados ao internato por crime de homicídio ou roubo qualificado estão em semiliberdade e até em liberdade (cumprindo pena de prestação de serviço à comunidade), enquanto não surgem vagas nos Centros de Educação (Ceduc).

“Não há vagas de internação. E mesmo com o sistema funcionando plenamente não haveria. Pra se ter uma ideia, só casos de homicídios neste ano nós temos 174. Então, somos obrigados a mandar jovens com perfil de violência para casa. Acontece que, em liberdade, logo eles voltam a cometer crime”, diz o juiz Homero Lechner, que não tem dúvidas de que, até o fim de 2014, a soma dos roubos e homicídios cometidos por adolescentes no Rio Grande do Norte ultrapasse a marca de 1 mil.   

A estatística apresentada pelo magistrado revela um grande aumento tanto na quantidade de roubos como de homicídios cometidos por jovens com menos de 18 anos. Em quatro anos — de 2010 até 2013 — o número de roubos mais que triplicou, passando de 184 para 657 (quase 2 por dia). E os homicídios saltaram, no mesmo período, de 147 para 206. Somente nos primeiros meses de 2014 os roubos e homicídios praticados por adolescentes no Estado somam 541 e 174, respectivamente.

Com base na estatística de 2013, que seguramente será superada até dezembro de 2014, o juiz  Homero Lechner afirma que seriam precisos 863 vagas no ano para dar conta da demanda de adolescentes que cometem crimes violentos, pois tanto os homicídios como os roubos qualificados implicam em internação.

“Se funcionasse tudo plenamente, teríamos 150 vagas, só que nós estamos com uma interdição parcial em Caicó e em Mossoró. Até dezembro estaremos com a capacidade plena, porque a interventora da Fundac (a delegada de Polícia Civil Kalina Leite) conseguiu ativar esses projetos e as obras estão sendo concluídas. Vamos passar a ter mais 76 vagas em Caicó e Mossoró e outras 72 no Ceduc Pitimbu, também em obras. Ainda assim é insuficiente”, diz o magistrado, que lamenta o fato do Governo e a sociedade terem deixado o problema chegar a esse ponto. “As medidas socioeducativas, se corretamente aplicadas, podem surtir efeito, mas é um trabalho muito mais difícil do que a prevenção”.

Vagas
No sistema sócioeducativo do RN, das 123 vagas existentes, apenas 18 estão disponíveis, no momento

Bate-papo - Homero Lechner
Juiz da 3ª Vara da Infância e da Juventude de Natal

“Temos crianças  fazendo assalto a ônibus”, alerta Homero Lechner

A estatística mostra que o número de adolescentes em conflito com a lei no RN vem crescendo e que eles estão se envolvendo em delitos mais graves. O senhor saberia dizer se esses jovens também estão cometendo crimes mais cedo? 
Nós já temos crianças fazendo assalto a ônibus. Crianças de 10 anos fazendo assalto. Já vimos dois casos aqui. E armado com revólver 38. E por que está acontecendo isso? Porque o combate ao tráfico de crack está sendo feito só nas pontas. O governo está combatendo o tráfico só na distribuição, não está atingindo a produção. 

O crack é o principal responsável por essa situação?
É o fator preponderante. Antes, quando tinha só maconha, não havia essa violência. O crack chegou e o pessoal começou a fazer assalto. Você tem as famílias reclamando que os filhos levam de tudo – geladeira, fogão, TV – fazem uma limpeza geral na casa para poder pagar a droga. Acabando-se com o crack, a violência reduziria muito, mas não totalmente, claro, pois há outros motivos, como as desigualdades sociais, a falta de emprego e de investimento em educação e em políticas públicas voltadas para o jovem, que precisa ser capacitado para o mercado de trabalho. Chegamos a esse estágio crítico porque não houve cuidado, não houve prevenção.

Qual o tamanho da fila de jovens para encaminhamento à internação?
Pelos números de 2013, éramos para ter 863 vagas no ano para colocar esse pessoal, porque tanto os homicídios como os roubos qualificados implicam em internação. Mas, como não temos, à medida que vamos setenciando, vamos solicitando vagas. Quando tem vaga, mandamos para a internação. Quando não tem, mandamos para o semiaberto ou para o aberto, que também está inchando. É muito complicado, pois você acaba promiscuindo o  semiarberto, uma vez que o público lá tem um outro perfil. Quem vai querer um adolescente latrocida lá, viciado em crack? Nem o Ministério Público, que é autor da ação socioeducativa, tem interesse em receber um adolescente desse.

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