segunda-feira, 11 de julho de 2016

'Quando você mexe no bolso, vêm as reações', diz bispo acusado de proteger padres pedófilos

Aldo di Cillo Pagotto diz que foi vítima de retaliação por investigar desvios de dinheiro na Igreja, fala da 'infiltração' gay no seminário e diz ter sido pressionado pelo Vaticano a renunciar

Na última quarta-feira, o Vaticano anunciou que o papa Francisco aceitou a renúncia do arcebispo da Paraíba, dom Aldo di Cillo Pagotto. Oficialmente, dom Aldo deixou o posto por "motivos de saúde". Mas só oficialmente. Por trás da decisão, há muito mais. Há pelo menos quatro anos, o arcebispo era investigado pelo próprio Vaticano sob suspeita de acobertar padres pedófilos. Dom Aldo também era acusado de promover orgias e de ter mantido relacionamento com um jovem de 18 anos - o que ele nega. Foi o primeiro caso, no Brasil, de um arcebispo que deixa o posto no curso de uma investigação sobre envolvimento em escândalos sexuais.
Na mesma quarta-feira, dom Aldo falou por quase duas horas a VEJA. O resultado da conversa é revelador dos bastidores da Igreja - e de segredos que, na grande maioria das vezes, graças à hierarquia e à disciplina dos religiosos, são mantidos distantes dos olhos e ouvidos do distinto público. Na entrevista, o bispo deixa evidente que, na verdade, foi obrigado a renunciar. Ele conta que, no início de junho, foi chamado a Brasília para uma conversa com o núncio apostólico, o representante do papa no Brasil. E que, naquele mesmo dia, o núncio -- em nome do papa -- o fez redigir a carta de renúncia.
O arcebispo se diz alvo de uma grande injustiça cometida pelo papado de Francisco e atribui a sua situação a uma disputa que tem como pano de fundo acusações de corrupção, homossexualismo, pedofilia e, quase sempre, disputa por poder.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
Dom Aldo diz que foi vítima de uma orquestração maquinada por um grupo de padres que se opunham a medidas que ele adotou desde que assumiu a Arquidiocese da Paraíba. Ao falar desses padres, cujos nomes ele se esforça para não revelar, o religioso escancara o ambiente interno conflagrado no clero – algo que a Igreja, quase sempre, consegue manter em segredo. Ele acusa os adversários de estarem envolvidos em desvios de dinheiro e de serem, eles próprios, personagens de escândalos sexuais. Na origem de tudo, diz ele, está a disputa pelo controle das finanças.
“Tudo começou porque eu tenho uma visão mais moderna. A questão administrativa e patrimonial da Arquidiocese estava bastante comprometida. Então começamos a colocar as coisas em ordem, com prestação de contas. Isso mexeu na posição de uns privilegiados. Havia coisas não muito bem resolvidas.”
“Quando você mexe no bolso, que é a parte mais delicada do corpo da pessoa, vêm as reações, que não são tão diretas no começo. Aí começam com outras acusações. Diziam que eu era financista, materialista, e que a Igreja não é só isso.”
“Essa reação partia de um grupo pequeno, mas muito bem articulado, formado por cinco padres. Passaram a acusar que o clero no estado estaria dividido, e outras coisas morais. Diziam que eu era ditador. Depois foram para os ataques pessoais de ordem afetiva e sexual. Aí foram para a baixaria mesmo, com acusações horrendas à minha pessoa e a outros padres também.”
“Esses padres têm poder financeiro. E a reação vinha justamente daí. Tudo parte de quando você quer mexer nas finanças.”
Mas esses padres estavam envolvidos com corrupção?, perguntou VEJA.
A resposta: “Havia um colégio aqui, o Pio XII, que eu tive que fechar quando cheguei porque havia uma coisa não resolvida ali. Era um colégio tradicional, de mais de 80 anos. Pedimos uma auditoria e fizeram de tudo para não fazer essa auditoria. Sempre me era aconselhado: ‘Não é bom mexer com isso’”.
Dom Aldo diz que, só nas contas da escola, havia um rombo de 1,8 milhão de reais. E quem são esses padres?
“Eu sei quem são. Alguns nomes eu levei para a Santa Sé. Pelo menos o nome de dois, entre eles o que capitaneia, eu informei à Santa Sé. São padres muito bem posicionados aqui, veteranos.”

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