Agência Estado
Nos últimos dias, não bastassem as notícias políticas e jurídicas que
ocupam em demasia as conturbadas relações entre os três Poderes da
República, recentemente conhecemos a tão esperada apresentação da
proposta oficial de Reforma da Previdência.
De fato, trata-se da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) de
número 287/2016 contendo em seu bojo diversas diretrizes, regras e
alterações do plano de prestações previdenciárias com alcance em várias
camadas de trabalhadores, sejam de categorias especiais, celetistas, da
iniciativa privada e ainda de servidores públicos efetivos.
Trata-se de momento sabidamente conturbado do ponto de vista político
e mesmo econômico, um cenário contrário para discutir e debater a
altura, de forma exaustiva e completa um assunto demasiadamente
fundamental para gerações presentes e futuras.
Ousamos aqui em traçar objetivamente algumas reflexões a respeito, em que pese sua recente aparição no cenário social.
Mais uma vez e infelizmente, uma proposta apressada, superficial e
eivada de vícios e notórias inconsistências jurídicas. Certamente e
assim se espera, um debate político conturbado e extenso a respeito, já
que percebido por diversos setores sociais uma grande e alardeada
rejeição das propostas apresentadas.
Não podemos aqui deixar de registrar um descontentamento pela sua
apresentação, tendo em vista o cenário contrário ao esperado e
qualitativo debate a respeito, pois assim como ocorreu com o julgamento
da “desaposentação” pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em outubro
último, sabido e consabido que o teor econômico irá conduzir os
trabalhos como se fosse o único elemento estrutural da Previdência
Social.
Lado outro, vale destacar que também elegemos no texto constitucional
a gestão “quadripartite”, previsto no artigo 194 da Constituição
Federal como um importante princípio previdenciário em que
obrigatoriamente, a classe trabalhadora, as empresas, os aposentados e o
Estado devem participar ativamente da gestão previdenciária.
Infelizmente, uma norma rasa e abstrata que está longe de ser concretizada.
Como exemplo, pouco se sabe acerca dos números previdenciários, de
suas receitas, despesas, a alocação da retirada pela conhecida DRU, os
balanços fiscais ano a ano, enfim, contrariando sobremodo até mesmo os
princípios da transparência e publicidade da Administração Pública.
Recebemos, ao contrário, de forma exaustiva e informação do déficit
das contas públicas, como se fosse uma verdade absoluta, suprema e
irretocável.
Pelo pouco tempo de gestão do vigente governo e pela recente
apresentação oficial da PEC em questão, claramente se observa a ausência
de diálogo a respeito na formação da proposta oficial, quiçá
notoriamente unilateral.
Não deve permear o discurso de reforma tão somente com argumentos
econômicos de equilíbrio atuarial, tendo em vista que antes de sua justa
preocupação fiscal, qualquer sistema previdenciário deve ser
qualitativo, justo e acessível.
Evidente que ajustes são necessários, mas nunca seu retrocesso ou
mesmo representar inviabilidade de acesso a plano de proteção, aqui a
sua razão de existir.
Precisamos de uma reforma qualitativa, expansiva, solidária e
participativa, com a ampliação de suas fontes de custeio e a solução de
conhecidas técnicas fiscais que andam na contramão de seu discurso
deficitário.
Ora, em 2015 tivemos cerca de 88 bilhões de reais de isenções
fiscais. Também, no mesmo ano um total de 100 bilhões de sonegações,
além de uma inércia injustificada de cobrar ativamente mais de 340
bilhões de reais.
Ademais, o sempre fértil campo arrecadatório da execução ex officio
da Justiça do Trabalho, o recebimento das cotas previdenciárias de
empregado e empregador na sepultada tese da Desaposentação, além das
recentes empreitadas da União nas ações regressivas de toda ordem, desde
os acidentes de trânsito até as lides domesticas dentro do âmbito da
Lei Maria da Penha.
Portanto, tão somente esse midiático discurso da deficiência das
contas previdenciárias não justifica em primazia a restritiva proposta
apresentada, em que pese, pelos simples exemplos acima ventilados, por
si só, relativizarem a existência desse verdadeiro mito social.
Lado outro, por exemplo, pensou-se em uma perigosa idade única,
objetivamente traçada para todo o País e sem distinção do sexo de seus
postulantes.
Aqui, um dos pontos mais nevrálgicos do tema.
É que nosso país, continental, possui diversidades econômicas,
climáticas, culturais, físicas de realce, de modo que taxar um requisito
etário único certamente significará um grande entrave para acesso a
todo o pacote de proteção chamado Previdência.
Lado outro, será admitido, por exemplo, uma pensão por morte abaixo
do mínimo legal, se, por exemplo, o falecido instituidor da pensão fosse
aposentado com o salário mínimo, ferindo assim e de morte importantes
paradigmas quiçá constitucionais.
Do ponto de vista econômico, o valor do benefício será oscilante e
incerto conforme determinada situação, pois ainda que jubilado pela
idade e pelo tempo mínimo de contribuição de 25 anos, terá um retorno
estatal de somente 76% do salário-de-benefício.
Recuamos no tocante a aposentadoria especial dos professores, dos
trabalhadores rurais, será abolido o sistema de pontos pela formula
progressiva 85×95, equiparou-se os regimes próprios que englobam os
efetivos, pressionado serão os Estados na constituição da Previdência
Complementar do Servidor, tentará unificar o regramento único no tocante
ao teto financeiro do regime geral, a retirada da paridade para
determinados servidores, enfim, uma avalanche de restrições e retrocesso
previdenciários.
E mais, quando se esperava a retirada do benefício assistencial da
LOAS e sua alocação na pasta própria com a atividade-fim para sua
manutenção, preferiu a PEC dificultar ainda mais o seu acesso, majorando
em demasia o requisito etário de 65 para 70 anos e fazer permanecer sob
a responsabilidade da Previdência, como se fosse um benefício
previdenciário típico.
Portanto, se espera um debate exaustivo a respeito, com emendas e
alterações no modelo apresentado, para equilibrar a Previdência em todo o
seu contexto, sobretudo o idealizado pelo legislador constitucional, de
proteger seus abrigados de maneira justa, acessível e segura.
Pelas contradições até então visualizadas no texto apresentado, se
assim se efetivar, produzirá a PEC uma verdadeira geração de não
aposentados, que caminharão na informalidade, na sonegação fiscal e nos
planos privados de previdência social, sabidamente elitizados, a revelia
do sonho e do modelo constitucional arquitetados por todos nós.
Theodoro Vicente Agostinho – Mestre em Direito Previdenciário pela
PUC/SP. Especialista em Direito Previdenciário pela EPD/SP. Coordenador e
Professor do Curso de Pós-Graduação em Direito Previdenciário do
Complexo Jurídico Damásio de Jesus.. Coordenador do Instituto Brasileiro
de Estudos Previdenciários (IBEP) e Conselheiro do CARF.
Sérgio Henrique Salvador – Mestrando em Direito das Relações Sociais
pela FDSM. Especialista em Direito Previdenciário pela EPD/SP e em
Direito Processual Civil pela PUC/SP. Conselheiro da 23ª Subseção da
OAB/MG.
Nenhum comentário:
Postar um comentário