Cuba
pode mergulhar numa crise semelhante à do chamado “período especial”,
quando a derrocada da União Soviética e o fim do apoio econômico de
Moscou à ilha trouxeram fome e privações para os cubanos. Esse período é
considerado por muitos o pior momento da ilha desde a revolução de
1959. A atual crise já traz escassez de alimentos e pode gerar uma
situação parecida, embora de menor dimensão:
— Podemos ter um miniperíodo especial, não tão dramático ou intenso, mas
com uma piora na qualidade de vida dos cubanos. Já vemos grandes
conquistas da revolução, como a saúde e a educação, começarem a se
deteriorar — afirmou Ted Piccone, especialista em Cuba do Brookings
Institution, em Washington.
O colapso venezuelano — regime até então mais próximo de Havana — e o
giro à direita na América Latina golpeiam a ilha. Um exemplo é o fim da
parceria com o Brasil no Mais Médicos. Além disso, Cuba também passou da
expectativa de melhora das relações com os Estados Unidos durante a
presidência de Barack Obama à hostilidade de Donald Trump. Ele congelou a
aproximação, algo que poderia proporcionar alívio econômico à ilha.
— Somente com o fim do Mais Médicos, Cuba deixará de receber US$ 300
milhões por ano. Há diversos pontos no cenário externo que dificultam a
vida dos cubanos — observou o especialista.
Num cenário já turbulento, a ampliação da retórica do governo Trump
contra Cuba — classificada como integrante da chamada “troica da
tirania” junto com Venezuela e Nicarágua pelo conselheiro de Segurança
Nacional John Bolton — sepulta a chance de evolução na relação
bilateral.
— O novo discurso da Casa Branca não favorece em nada, embora o foco
principal dos americanos, neste momento, seja a Venezuela — disse Jason
Marczak, diretor do Adrienne Arsht Latin America Center do Atlantic
Council.
Peter Hakim, presidente-emérito do Inter-American Dialogue, centro de
estudos na capital americana, acredita que talvez o dado mais evidente
dos problemas é que a ilha recebeu em 2018 menos visitantes que no ano
anterior, e o turismo é a principal fonte de renda do país. Isso pode
ampliar pressões internas:
— O país passa por uma transição geracional. O ponto que mais me chamou a
atenção é que o discurso da celebração da revolução foi feito por Raúl
Castro, e não pelo presidente Miguel Díaz-Canel. A Constituição que o
país deverá aprovar em referendo em fevereiro não será tão progressista
como se imaginava. O casamento gay, por exemplo, não será legalizado.
São indícios de que a transição de poder enfrenta problemas — disse
Hakim.
O cubano Arturo López-Levy, professor do Gustavus Adolphus College, em
Minnesota, viu no discurso de Raúl Castro a reafirmação da necessidade
de unir os cubanos num momento de crise interna. Ter Trump na Casa
Branca é o “inimigo ideal” para Havana:
— O governo Trump deu de bandeja o contexto da hostilidade externa que
permitirá ao governo cubano enfrentar a polarização política com o
nacionalismo, fazendo um chamado com a bandeira da resistência às
imposições das sanções externas — disse ele.
O Globo
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