Menos de um mês após resgatar 12 trabalhadores em condições análogas
às de escravo em uma mina de caulim, no município de Salgadinho, Sertão
da Paraíba, mais 12 trabalhadores foram resgatados, em situação
semelhante. Desta vez, os resgates ocorreram em minas de caulim nos
municípios de Junco do Seridó e Tenório, na Paraíba, e no Equador, no
Rio Grande do Norte, em operação do Grupo Especial de Fiscalização
Móvel, que começou na última quinta-feira (6).
Mais 21 trabalhadores foram resgatados na operação ocorrida no mês
passado, em fazendas no Maranhão e Roraima, totalizando 45 resgates
nessas duas operações realizadas em quatro Estados.
A operação é do Grupo Especial de Fiscalização Móvel, composta por
auditores fiscais do Trabalho, do Ministério da Economia, pela
Defensoria Pública da União (DPU) e Ministério Público do Trabalho. Pelo
MPT, a investigação está sendo conduzida pelo procurador Eduardo
Varandas Araruna, coordenador regional da Coordenadoria Nacional de
Erradicação do Trabalho Escravo (Conaete). Pela DPU, o defensor público
federal Djalma Henrique da Costa Pereira está participando para prestar
assistência jurídica aos trabalhadores. Estão também nessa ação conjunta
agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF).
“Foram 12 trabalhadores resgatados nesta operação e mais 12 na
anterior, totalizando, 24 trabalhadores na extração do caulim. Uma parte
mora na Paraíba e outra no limite entre a Paraíba e o Rio Grande do
Norte. Os trabalhadores estavam na zona rural de três cidades: Junco do
Seridó (PB), Tenório (PB) e Equador (RN)”, informou o procurador do
Trabalho Eduardo Varandas Araruna, que está na operação, no Rio Grande
do Norte.
Á “Nós encontramos trabalhadores de 25 anos até, mais ou menos, 50 anos
de idade. Todos ganhavam menos de um salário mínimo, apesar de um
trabalho extremamente degradante, um trabalho que a gente define como
“trabalho em confinamento” e a situação precária com que eles desciam
nas minas de 30 a 40 metros de profundidade em um buraco extremamente
estreito tanto que são chamados de ‘homens-tatus’, inclusive com
registro de inúmeros acidentes de trabalho. Alguns nos relataram,
inclusive, que colegas de trabalho já haviam morrido nessas minas”,
relatou Varandas.
O procurador explicou que: “o caulim é comprado por grandes empresas
por cerâmicas e outras empresas de beneficiamento para produção de
pisos, de azulejos”. “O problema é que, na verdade, a média salarial
desses trabalhadores, nesse trabalho extremamente sacrificante chega de
R$ 400 a, no máximo, R$ 600 por mês. É extremamente barato, é um
trabalho muito explorado, em condições degradantes e que pelo código
penal se equipara, atividade análoga à escravidão”, acrescentou.
Pés descalços, sem equipamentos, sem proteção
“O que mais nos causa uma certa tristeza é que os trabalhadores
estavam trabalhando de pés descalços, sem capacete, sem segurança
alguma. A estrutura que os leva às profundidades é uma estrutura
extremamente artesanal, arcaica, portanto, pode haver ruptura da corda,
pode haver ruptura da própria estrutura e não havia de fato nenhum
Equipamento de Proteção Individual (EPI)”, descreveu Eduardo Varandas.
Saúde dos trabalhadores
O procurador do Trabalho Eduardo Varandas explicou que são muitos os
relatos de problemas de saúde que esses trabalhadores desenvolvem. “São
doenças respiratórias como a silicose, câncer de pele por exposição
excessiva ao sol sem proteção, bem como acidentes do trabalho, alguns
fatais. Eles relataram acidentes de trabalho, inclusive com falecimento
de colegas de trabalho”, informou.
Legislação
De acordo com Varandas, a legislação impõe uma série de medidas
protetivas para evitar danos à saúde desses trabalhadores, tais como
capacetes, luvas, máscaras, treinamento para trabalhar com a extração do
caulim, providências com o maquinário. “Nada disso vinha sendo
obedecido e os trabalhadores laboravam descalços, em banquetas
improvisadas, sem nenhuma observância às regras de saúde e segurança no
trabalho”, disse.
Penalidades
“As penalidades vão desde as multas administrativas já aplicadas por
auditores do Trabalho – a multa prevista no TAC que varia pode chegar a
até R$ 10 mil por cada norma descumprida (o que, na maioria do casos,
acumula multa resultante em R$ 100 mil ou mais) além de responder pelo
crime de redução à condição análoga à de escravo (CP, art. 149, caput)
com pena de reclusão de até oito anos”, informou o procurador Eduardo
Varandas.
A operação
Segundo Eduardo Varandas, a operação ainda está em andamento. “As
inspeções nas pedreiras encerraram-se já. O MPT, o Ministério da
Economia e a Defensoria Pública da União determinaram a indenização de
todos os trabalhadores, com o pagamento de todas as verbas trabalhistas.
Nesse momento, estamos acompanhando o pagamento dos direitos
trabalhistas das vítimas, inclusive com ressarcimento de dano moral
individual”, informou o procurador, direto de Caicó (RN).
“A próxima etapa será verificar que empresas de grande porte consomem
o produto objeto do trabalho escravo para responsabilizá-las, já que
elas alimentam a cadeia produtiva da escravidão”, afirmou Varandas.
“Esta última etapa caberá ao MPT exclusivamente investigar em inquérito
civil (responsabilização das empresas que se beneficiam da cadeia do
trabalho escravo no caulim)”, acrescentou.
Dano moral
“As rescisões individuais dos resgatados com o dano moral implicará
em valores de até R$ 8 mil por trabalhador, já que o período de trabalho
era bastante curto. Em média, os trabalhadores – devido à rotatividade
da mão de obra e a precarização – estavam, no máximo, há dois meses
trabalhando para cada empresa, o que não significa que eles só tenham
trabalhado esse tempo na extração do caulim. Encontramos trabalhadores
que trabalham há mais de 10 anos nessa atividade”, concluiu o procurador
Eduardo Varandas.
Embaixo da terra
Em buracos abertos no solo, os trabalhadores do caulim – chamados de
“homens-tatus” – trabalham sem proteção alguma. Eles são descidos por
cordas e trabalham a aproximadamente 30 metros de profundidade
(equivalente à altura de um prédio de 10 andares) ou, em alguns casos,
até 40 metros. Nas chamadas banquetas de caulim, com pouca iluminação,
muito calor e pouco oxigênio, trabalhadores convivem com o risco
iminente de soterramento e morte.
Caulim: o minério branco
O caulim é um mineral branco usado na fabricação de papel, na
indústria de borracha, plásticos, pesticidas, rações, produtos
farmacêuticos, cosméticos, entre outros.
“Escravidão contemporânea”
Atualmente, no Brasil, quatro elementos definem a chamada “escravidão
contemporânea”: trabalho forçado (que envolve cerceamento do direito de
ir e vir), servidão por dívida (um cativeiro atrelado a dívidas, muitas
vezes fraudulentas), condições degradantes (trabalho que nega a
dignidade humana, colocando em risco a saúde e a vida do trabalhador) ou
jornada exaustiva (levar o trabalhador ao completo esgotamento dado à
intensidade da exploração, também colocando em risco sua saúde e vida).
* Com informações do Notícias do Passaro
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