Às vésperas de completar 30 anos da partida de Luiz Gonzaga, o jornalista Antônio Rodrigues revisita a terra natal do autor de Asa Branca, clássico feito em parceria com o cearense Humberto Teixeira
Fachada do Museu do Gonzagão, no Parque Aza Branca, em Exu, Pernambuco FOTO: ANTÔNIO RODRIGUES.
Um trio com sanfona, triângulo e zabumba, em um posto de gasolina, nos "recepcionava" tocando "A Morte do Vaqueiro". Assim foi minha chegada a Exu, por volta de 9 horas, no sábado passado (27/8). À medida que surgiam visitantes, de passagem para Serrita, onde acontece a tradicional Missa do Vaqueiro, os pares se formavam nas calçadas e ruas para dançar. Homem com mulher. Mulher com mulher. Homem com homem.
Essa animação é comum no Município, sobretudo, neste meio de ano e em dezembro, mês de aniversário do filho mais ilustre: Luiz Gonzaga do Nascimento (1912 -1989). Por causa do "Rei do Baião", o forró pode ser visto em cada esquina exuense.
Do lado pernambucano da Chapada do Araripe, vizinho ao Crato, no
Ceará, formou-se esse pequeno município de 31 mil habitantes. Com mais
da metade da população morando na zona rural, a economia local se dá,
principalmente, pela agricultura e pecuária. Contudo, a terra onde
também nasceu Bárbara de Alencar, a heroína da Revolução Pernambucana,
consegue viver na sombra do sanfoneiro. "Posto
Gonzagão", "Farmácia Aza Branca", "Rua Assum Preto". Por todos os lados,
há referências ao homem que popularizou o xote e o baião. O único lugar
em que encontro tantas citações a um só personagem é a minha terra,
Juazeiro do Norte, e sua devoção quase "onipresente" ao Padre Cícero.
Quase sempre - eu segui este roteiro - a visita começa pelo Parque
Aza Branca - propositalmente escrito com 'Z' de LuiZ e de GonZaga - ,
onde o "Rei do Baião" ergueu sua fazenda, às margens do Açude Itamaragi.
Lá, ficam o Museu do Gonzagão, sua casa, a casa onde o pai dele,
Januário, passou os últimos dias e o mausoléu no qual o artista está
sepultado. Cerca de 20 mil pessoas visitam o local por ano.
Acervo pessoal
O Museu do Gonzagão, idealizado quando o "Rei do
Baião" ainda era vivo, reúne objetos pessoais, certificados, títulos,
medalhas, troféus e prêmios que recebeu ao longo da carreira. Além
disso, possui sanfonas que o acompanharam em momentos marcantes, como a
visita do Papa João Paulo II, em Fortaleza, em 1980, e o último
instrumento que empunhou antes de morrer.
"Minha sanfona, minha voz, o meu baião, este meu chapéu de couro e
também o meu gibão, vou juntar tudo, dar de presente ao museu", e como
prometeu na música "A Hora do Adeus", tudo isso está lá. Por um pedido
do filho Gonzaguinha é proibido fotografar o espaço.
A poucos passos dali, chegamos a sua casa, que ainda reúne outros
objetos pessoais, como louças, porta-retratos, cama, guarda-roupas. Bem
próximo, Gonzaga construiu uma pousada para receber amigos e artistas.
Do outro lado, está a residência que ergueu para seu pai, Januário,
quando deixou de morar no distrito de Araripe, para ficar na sede de
Exu. Lá, também há peças como a cadeira de rodas que o mestre dos oito
baixos usou antes de morrer. No mausoléu, está
sepultado ao lado da esposa, Helena Cavalcante, do pai, Januário dos
Santos, da mãe, Ana Batista de Jesus, dona Santana, e do irmão, o
instrumentista Severino Januário. O espaço foi idealizado por
Gonzaguinha (1945-1991).
Mais à frente, uma réplica da "Casa de Reboco", como
cantou, chama atenção dos turistas e é alvo de fotografias. Se você
tiver sorte, como aconteceu comigo, lá conversei com o cantor
instrumentista Joquinha Gonzaga, sobrinho de Gonzagão e que, desde 1975
até os últimos dias de vida do "Rei do Baião", o acompanhou tocando nos
shows. "Eu ando muito na aba do meu tio assim como muitos andam. Ele é
uma referência", define. "Então vou por aí, por esse mundo, vou usando
essa herança do meu tio e do vovô", gravou para definir esse DNA da
música na família.
"Todo artista que se lança, principalmente daqui do Nordeste, pensa
em Luiz Gonzaga. É como se ele não tivesse morrido. Me orgulho muito,
porque participei da história dele. Não imaginava que ele seria essa
potência, essa 'empresa'. Ele emprega muita gente,
fazendo camisa, chapéu de couro, gibão, outros cantando, tocando
sanfona. Até aqueles que imitam ele ganham dinheiro", diz Joquinha,
demonstrando como a economia de Exu, aos poucos, referencia-se no
músico.
Em uma prosa que durou cerca de 40 minutos, Joquinha só é interrompido para tirar fotos com turistas, que percebem a semelhança
do sobrinho, usando o tradicional chapéu de couro de vaqueiro, com o
parente ilustre. "Tio Gonzaga quando tava aqui mandava fazer a comida. A
primeira coisa, tinha que ser no fogão a lenha. Segundo, ele criava
bode, carneiro, galinha de capoeira, porque gostava muito da comida
típica, da terra dele. E isso ele valorizava também na região onde
passava. Se tocava no Rio Grande do Sul, por exemplo, queria sempre
comer churrasco".
O Parque Aza Branca hoje é o principal ponto
turístico de Exu. Localizado na BR-122, quem cruza Pernambuco com
destino ao Ceará ou vice-versa, costuma parar por lá. Uma estátua de
Gonzaga, junto à sanfona branca, atrai logo a atenção.
Nesse espaço, também que conversei com outros turistas e partilhei
com um deles esse sentimento: "Sempre me encantei pela história de Luiz
Gonzaga. Pude observar que Exu é uma cidade pequena, pacata, como outra
qualquer, mas tem esse privilégio. Aqui nasceu um rei. O
poder público precisa de mais investimento, até pelo legado que ele
deixou", acredita Lourenço Gouveia, vendedor autônomo, que viajou de
Recife para conhecer a cidade.
'Meu Relicário'
Outra dica importante é ir até o distrito de Araripe, a cerca de 12 quilômetros da sede do Município. Foi lá onde nasceu Bárbara de Alencar,
na Fazenda Caiçara, em 1760. A poucos metros dali, 152 anos depois,
veio ao mundo Luiz Gonzaga do Nascimento, o único dos nove herdeiros que
não carrega os sobrenomes dos pais, Januário dos Santos e Ana Batista
de Jesus. "Luiz", porque nasceu no mesmo dia que celebra Santa Luzia (13
de dezembro); "Gonzaga", sugestão do vigário que o batizou, porque
também homenageia São Luís de Gonzaga; e "Nascimento", por ter nascido
no mesmo mês que Jesus Cristo. Seu batismo ocorreu na Capela de São João
Batista, que permanece viva na história do distrito de Araripe.
Um monumento marca a chegada do "Rei do Baião" ao mundo, vizinho ao
histórico casarão do primeiro "Alencar", que pisou o sertão
pernambucano. É nesse chão de terra, onde morou até os 17 anos, antes de
fugir para servir ao Exército em Fortaleza, que Gonzaga cresceu. Muitas
de suas músicas, como "No meu pé de serra" (em parceria com o cearense Humberto Teixeira), que batizaria o gênero que o consagrou, são inspiradas no Araripe.
Depois de rodar o País, já fazendo sucesso, retornou, em 1946, e protagonizou a história da canção "Respeita Januário".
Ao bater à porta de casa, pedir um copo d'água a seu pai, ouvir o
tibungado do caneco no fundo do pote e dizer: "Não tá me reconhecendo? É
Gonzaga, seu filho", logo ouviu: "Isso é hora de chegar em casa,
moleque?", retrucou seu pai. A mesma casa continua de pé, tombada pela Secretaria de Cultura de Pernambuco e fica aberta à visitação no mês de dezembro.
Perseverança
Mantido pela Organização Não Governamental Parque Aza Branca, o
espaço onde fica o Museu de Luiz Gonzaga em Exu conta com 13 pessoas
trabalhando, desde vigilantes, guias e atendentes. Uma das formas de
mantê-lo são as vendas de produtos ligados ao artista, como camisas,
chaveiros, chapéus de couro, e o ingresso no Museu. Com falta de apoio
do poder público, a ONG busca ajuda de músicos para relembrar, neste dia
2 de agosto, os 30 anos de morte do "Rei do Baião". Por causa da data,
todas as pousadas estão reservadas. "O fã nunca falha. Sempre está aqui
prestigiando. O público sempre se renova, sempre traz alguém", conta o
presidente da ONG, Júnior Parente. Em 13 de dezembro, data de
aniversário de nascimento de Gonzagão, o movimento é tão grande que os
moradores alugam suas casas para receber os turistas.
Na terra natal
A "Cavalgada da Saudade", às 16 horas, e a "Missa da Saudade", às 18
horas, são destaques na programação desta sexta-feira, 2 de agosto, em
Exu, quando a cidade lembra os 30 anos da partida do filho mais famoso.
As ações integram a terceira edição da Mostra Cultural Gonzaguiense,
realizada até o próximo sábado. Na interessante programação, hoje tem
exibição do filme "O menino que fez o museu", de Sérgio Utsch, com a
presença do protagonista, Pedro Lucas Feitosa (veja matéria na página
5). Mais informações na página da Mostra Cultural Gonzaguiense
Como chegar
O Aeroporto Regional do Cariri (Juazeiro do Norte) recebe voos de
diversas capitais, como Fortaleza e Recife. Ele é o ponto de chegada por
via aérea mais próximo a Exu, distante cerca de 80 km e aproximadamente
1h15 min. Sugiro alugar carro para fazer bate-volta. Um dia é
suficiente para conhecer a cidade. De ônibus, o trecho Juazeiro- Crato-
Exu é feito pela Viação Pernambucana
Nas proximidades
Aproveite a visita a Exu para explorar também o Cariri cearense, com
sua exuberante Chapada do Araripe e sua cultura popular. Não deixe de
conhecer as cidades de Crato, Juazeiro e Barbalha.
Confira mais informações de roteiro turístico
Onde se hospedar
Em Exu, há algumas pousadas, mas se sua intenção é fazer um
bate-volta, sugiro optar pela rede hoteleira disponível no Cariri
cearense.
Mais informações sobre onde ficar na região Sul do Ceará
Museu de Luiz Gonzaga
A entrada custa R$ 8 (inteira) e R$ 4 (meia). Endereço: Rodovia Asa
Branca, Km 38, Rodovia BR- 122 | Gonzagão Exu - Pernambuco Fone: (87)
3879-1295 Horário de visitação: de terça-feira a domingo, de 8h às 17h.
Nenhum comentário:
Postar um comentário