O ministro da Economia, Paulos Guedes, faz palestra durante encontro com
empresários na Associação Comercial do Rio de Janeiro (Tânia
Rêgo/Agência Brasil)
A palavra “economia” tem um sentido peculiar para o atual governo.
“Economia” é espoliar o povo, é tirar dele o que é seu direito, é
deixá-lo na miséria – ou na miséria maior ainda. Ao mesmo tempo, e como
consequência, é jogar e manter o país em um pântano econômico sem fundo.
Primeiro, foi a Previdência. Agora, a intenção é alvejar o salário mínimo. Segundo eles, para fazer “economia”.
Resumindo: membros da equipe econômica revelaram que a próxima
proposta do governo Bolsonaro é tirar da Constituição o reajuste
obrigatório pela inflação, do salário mínimo – ou seja, acabar com a
manutenção do valor real do salário mínimo.
Embora nos pareça evidente que o leitor percebeu, não resistimos,
pelo absurdo, a frisar: trata-se daqueles que ganham um salário mínimo,
que o governo pretende atingir – é verdade que com outras repercussões,
mas o golpe imaginado pelo sr. Guedes e caterva é sobre aqueles
trabalhadores que, mantendo ainda seu emprego, ganham menos.
Para quê?
Para que ganhem ainda menos.
O salário mínimo no Brasil é um dos menores do mundo – é inferior,
por exemplo, ao salário mínimo do Paraguai. Mas o atual governo quer
tirar até mesmo o direito a esse salário mínimo.
Uma das grandes conquistas do povo
brasileiro, após a derrubada da ditadura, foi, com a Constituição
de 1988, o reconhecimento de alguns direitos sociais, entre eles:
“Artigo 7º inciso
IV – salário
mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a
suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia,
alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene,
transporte e previdência social, com reajustes
periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo”.
O que Guedes e Bolsonaro querem
tirar é, exatamente, o direito a “reajustes periódicos que lhe
preservem o poder aquisitivo”.
Com isso, é o próprio direito ao salário mínimo que acabaria – é
óbvio que, se o poder aquisitivo do salário mínimo puder ser rebaixado à
vontade pelos escroques que estão no poder, ele deixa de ser salário
mínimo para ser uma ficção, uma mentira.
E com um efeito sobre os outros
salários: o salário mínimo é, como está em seu nome, o piso
salarial do país. Se ele for rebaixado – por não ser reajustado,
pelo menos, de acordo com a inflação – isso determinaria um
rebaixamento geral dos salários no país.
Não estamos, no momento,
discutindo se uma monstruosidade como essa teria ou não condições
de ser aprovada pelo atual Congresso.
Independente de tal questão, o
simples fato de se cogitar em tirar da Constituição o reajuste
obrigatório do salário mínimo pela inflação – e, inclusive,
dessa intenção ser comunicada à imprensa (v., por ex., OESP
16/09/2019) – é um
escândalo, e,
também, a marca da infâmia
sobre esse governo.
Para que, segundo eles, querem tirar da Constituição o reajuste do salário mínimo pela inflação?
Segundo a corriola de Guedes
declarou, para “economizar entre R$ 35 bilhões e R$ 37 bilhões”.
Uma autoridade do governo disse ao jornal O Estado de S. Paulo:
“Podemos apresentar uma
proposta que preveja, por exemplo, não ter o reajuste por um ou dois
anos em momentos de dificuldades fiscais. E isso abriria espaço para
que outros benefícios também não sejam corrigidos”.
Em outras palavras, querem rebaixar
o salário dos servidores e as aposentadorias de todos, já que estas
têm como piso, precisamente, o salário mínimo.
Mas não é somente isso: o salário
mínimo não é válido apenas para os servidores ou para os
aposentados. É válido para todos os trabalhadores, ainda que muitos
nem isso consigam ganhar.
O governo não tem nenhum problema
para pagar os servidores ou as aposentadorias. E
não apenas pelo fato evidente de que pode emitir dinheiro para esses
pagamentos – o que, na situação atual, nada teria de
inflacionário.
Além disso, o governo mantém R$
1,2 trilhão parados na conta
do Tesouro no Banco Central (cf. J.L. Oreiro, O
Saldo da Conta Única do Tesouro em Reais e outros esclarecimentos).
Então, o que significa falar em
“economia” de R$ 1 trilhão na reforma da Previdência ou
“economia” de R$ 35 bilhões com a
retirada da Constituição do reajuste pela inflação do salário
mínimo?
Significa o que o leitor já deve
ter concluído: vigarice, pretexto para saquear o povo e destruir o
país – pois esse é o projeto do governo Bolsonaro e das
quadrilhas que o compõem. Aliás, foi o próprio Bolsonaro, na
presença de Paulo Guedes e Olavo de Carvalho, quem proclamou esse
projeto – e, ainda por cima em Washington (“O
Brasil não é um terreiro aberto onde nós pretendemos construir
coisas para o nosso povo. Nós temos que desconstruir muita coisa,
desfazer muita coisa”,
disse ele).
Para que o país precisa de uma
“economia” de R$ 1 trilhão em dez anos,
assassinando idosos pela fome, pela doença, pela aflição?
Para que o país precisa de uma
“economia” de R$ 35 bilhões ou R$ 37 bilhões, sabe-se lá em
quanto tempo, rebaixando, arrochando ainda mais o salário de todos
os trabalhadores, especialmente dos que ganham menos?
A última característica é o
traço patognomônico (isto é, aquele que define, por si só, a
doença) do governo Bolsonaro: o ataque é sempre em cima dos mais
pobres, dos que ganham menos, dos mais desvalidos.
O que significa um ataque à toda
coletividade. Se o povo não tem dinheiro para comprar mercadorias, o
empresário – e a empresa – nacional torna-se inviável.
Alguns economistas se espantam
porque, em meio a uma crise provocada pela escassez de demanda (isto
é, achatamento do mercado
interno pela falta de
recursos para a compra de
mercadorias), toda a política de Guedes é no sentido de diminuir
ainda mais essa demanda – a reforma de Previdência e essa intenção
de rebaixar o salário mínimo, retirando seu reajuste da
Constituição, são exemplos evidentes (e criminosos).
Mas, para Guedes, o Brasil não é
um país – simplesmente é um espaço para ganhar dinheiro
arrancando o couro dos “incapazes”, isto é, todos nós, que não
demos golpes na praça, não roubamos fundos de pensão das estatais,
nem subornamos parlamentares para que eles aprovem um assalto ao
povo.
Para Bolsonaro, o Brasil também não é um país – mas um lugar sobre o
qual, finalmente, pode expelir o seu ressentimento contra o povo, o seu
fascismo, o seu ódio à democracia, e, pelo menos em sua fantasia,
substituir o Estado por uma milícia corrupta da sua família.
Nisso,
os limites são aqueles que podem ser estabelecidos – e estão
sendo – pela sociedade. Bolsonaro, por si só, não tem os limites
civilizatórios mais elementares. Daí as exaltações à tortura e
ao assassinato políticos, os ataques à ciência, à arte, à
cultura; daí, as perseguições declaradas a entidades populares, a
jornais, a pessoas que nada mais fizeram do que cumprir as leis.
Neste momento, no país, tudo se transforma em pugna, em luta. Porque
se trata da sobrevivência do Brasil, da existência de seu povo.
Daí a união de tantos setores –
e tão diferentes -, que se acelerou nos últimos dias.
É verdade, existem aqueles que
preferem uma oposição de fancaria a Bolsonaro, na ilusão de que,
em 2022, voltarão ao poder.
Somente que, sem a união e o
combate efetivo à Bolsonaro, não haverá 2022.
Mas até dentro do PT, como vimos
nos últimos dias, essa política, tão oportunista quanto suicida,
está com dificuldades de se manter (HP 14/09/2019 Defesa
de frente democrática pelo governador Rui Costa aprofunda divisão
do PT).
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