Agente funerário carrega caixão de pessoa morta pelo Covid-19 Foto: SUSANA VERA/Reuters
O Brasil ainda não possui um estudo epidemiológico detalhado para 
ilustrar o perfil da Covid-19, mas dados preliminares indicam que a 
porcentagem de jovens e adultos mortos no país é maior do que na China, 
apesar de a letalidade ser comprovadamente maior entre idosos.
Segundo informe de ontem à noite do Ministério da Saúde, 20 de um 
total de 201 (10%) mortes causadas pelo novo coronavírus até agora não 
ocorreram em idosos, mas sim em pacientes abaixo dos 60 anos. Sete deles
 (4%) tinham menos de 40 anos de idade. Entre os pacientes chineses, a 
parcela de óbitos não foi tão grande entre os menores de 60 anos (6%) e 
de 40 anos (3%).
Ainda não se sabe se essa diferença se deve a alguma falha na 
notificação de todos os casos, e o governo brasileiro diz esperar que a 
doença se comporte como se viu em outros países.
— Entre os jovens, teremos casos assimétricos, casos que precisarão 
de internação, mas o número de óbitos é baixo. Estatisticamente, a gente
 acha que vai seguir o que se viu na China, na Itália, em outros lugares
 — afirmou ontem o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.
Há médicos que não estão tão tranquilos com relação à população 
jovem. O diretor da Sociedade Brasileira de Infectologia, Marcos 
Cyrillo, afirma que, embora entre os 12 e os 45 anos as pessoas estejam 
no auge da sua imunidade, “há muitas variáveis” no recorte etário da 
doença.
— Várias condições interferem para o desfecho, como carga viral, 
hábitos de vida. O jovem pode não ter doenças de base, mas ter 
comportamento de risco, envolvendo cigarro, bebida e má alimentação — 
diz o infectologista.
— Não nos contaram tudo sobre esse vírus — afirmou ontem à TV Globo o
 secretário estadual de Saúde do Rio, Edmar Santos. — A segunda faixa 
que mais se interna é a de 30 a 39 anos.
Entre os casos que acenderam o alerta em jovens está o de uma mulher 
de 32 anos que morreu ontem no Rio de Janeiro. Na segunda-feira, um 
homem de 43 anos morreu no Amazonas.
Imunidade
As pessoas acima dos 60 anos ainda são o grupo de maior risco para 
óbito, pois nessa faixa etária o sistema imunológico perde o vigor para 
combater infecções.
— Porém, indivíduos de todas as idades podem ficar doentes, ter 
formas graves da infecção pelo novo coronavírus e serem hospitalizadas, 
com possibilidade de morrerem — diz Leonardo Weissmann, consultor da 
Sociedade Brasileira de Infectologia em São Paulo.
A evolução das infecções entre jovens tem mostrado que grande parte 
vai passar sem sintomas graves. Mas, pela alta exposição de pessoas 
nessa faixa etária, explicam especialistas, não será tão raro que 
algumas tenham complicações graves.
— Temos hoje jovens extremamente estressados do ponto de vista 
pessoal, profissional, sem alimentação adequada. E esses fatores também 
impactam no sistema imune quando nos deparamos com um vírus que 
desencadeia um quadro inflamatório absurdo nos pacientes — afirma a 
infectologista Rosana Richtmann, do Hospital Emílio Ribas.
Em São Paulo, o grupo de pessoas entre 20 e 59 anos representa cerca 
de 70% dos casos confirmados de infecção. E cerca de 40% do total é de 
jovens entre 20 e 39 anos. A porcentagem cai quando observada a 
letalidade. Doze de 136 mortes no estado foram de menores de 60 anos — 
cinco óbitos foram de menores de 40 anos.
Nem sempre o agravamento do quadro da Covid-19 entre jovens está ligado a doenças de base.
— Não é necessariamente o jovem com asma, ou com diabete, mas o 
estilo de vida pesa — afirma a infectologista. — Além do estresse e da 
alimentação, tabagismo também é fator de risco, agride o epitélio 
respiratório.
Segundo Richtmann, os dados não devem trazer pânico, mas um alerta: 
jovens também devem ficar em casa, quando puderem, para que os que não 
podem possam trabalhar com segurança, como profissionais de saúde, 
transporte e abastecimento.
— Ninguém é imune a esse vírus, é um vírus novo. Ainda estamos aprendendo o comportamento dele.
Mesmo nos casos em que não causa a morte, estudos preliminares têm 
demonstrado que o coronavírus pode deixar danos de longo prazo, 
inclusive entre os jovens, diz Weissmann:
— Há indícios de que a infecção pelo novo coronavírus possa causar sequelas no pulmão, no coração e nos rins.
Entre os mais surpresos com o impacto da Covid-19 entre jovens 
adultos estão os próprios infectados. Um deles foi Tiago Porto, de 26 
anos. Ele diz não ter ficado preocupado com o diagnóstico, até o dia em 
que teve a sensação que não conseguia encher o pulmão de ar. Felizmente,
 não desenvolveu pneumonia e agora está recuperado, mas hoje avalia que 
teve sorte:
— Temos visto notícias de jovens que estão tendo complicações. Talvez
 eu tenha ficado tranquilo demais perto do que poderia ter sido.
Pedro Pacífico, de 27 anos, sentiu na pele que o novo coronavírus não é como um vírus de resfriado qualquer.
— Tive sintomas bem leves no início, mas eles deram uma piorada. Não 
cheguei a ficar internado, mas não é só uma gripe. Nunca tive uma gripe 
assim, que tenha durado tanto tempo e tenha me abatido tanto.
A morte de Mauricio Suzuki, 26 anos
Quando tenta descrever o que aconteceu nos últimos dias, a psicóloga 
Simone Suzuki repete: “Foi muito rápido”. Seu irmão Mauricio, de 26 
anos, começou a sentir os sintomas da Covid-19 no dia 16 de março. 
Procurou atendimento médico duas vezes e foi mandado de volta para casa,
 na capital paulista. A internação só ocorreu no dia 23, quando o quadro
 respiratório se agravou. Mauricio Suzuki morreu no último fim de 
semana.
— Quando lia as notícias sobre coronavírus, parecia uma realidade 
distante, que não ia chegar. Quando meu irmão começou a ter os primeiros
 sintomas, ele ficou com medo, se perguntava se iria para o hospital — 
lembra Simone: — Ele não tinha doença preexistente, nenhum hábito ruim 
que prejudicasse seu organismo, era um rapaz novo. Fugiu a todas as 
estatísticas.
Simone diz que a família ainda está “em processo de elaboração” do 
que aconteceu. Quando Mauricio procurou o hospital pela primeira vez, 
conta ela, foi considerado um caso de gripe comum. Como a febre piorou, 
procurou outro hospital. Mesmo assim, foi orientado a voltar para casa 
de novo, uma vez que não tinha quadro agudo dos sintomas.
— Percebo que é a conduta dos hospitais, de que se o paciente não tem
 quadro agudo dos sintomas, que necessite internação, ele é enviado para
 casa. De certa forma, sendo racional, penso que seja realmente por 
falta de estrutura. Não há condições para absorver todas as pessoas em 
um primeiro momento, e mandam para casa esperando que melhore, 
dependendo das condições físicas e clínicas da pessoa. Ele só foi 
medicado depois de internado. Mas não acho que houve erro médico. Ele 
foi bem tratado. Talvez tenha sido coisa do destino, Deus quis assim.
Mauricio fazia esporte, principalmente corrida. Formado pela 
Mackenzie, em São Paulo, trabalhava em um escritório. Manteve a rotina 
normal até dia 16, quando começou a trabalhar de casa. Com os sintomas 
iniciais do novo coronavírus, foi para a casa da irmã. Achava que tinha 
gripe, e não queria passar para os pais, de 67 e 74 anos. Os dois estão 
internados, estáveis, e em tratamento para Covid-19.
O Globo
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