Sob suspeita de ingerência na Polícia Federal, o presidente Jair Bolsonaro entrou agora na mira do Ministério Público Federal (MPF)
por indícios de violar a Constituição ao interferir em atos de
exclusividade do Exército. Procuradores abriram dois procedimentos de
investigação para apurar uma ordem dada por Bolsonaro ao Comando
Logístico do Exército (Colog), no último dia 17, que revoga três
portarias publicadas entre março e abril sobre monitoramento de armas e
munições.
A procuradora regional da República Raquel Branquinho aponta
a possibilidade de Bolsonaro ter agido para beneficiar uma parcela de
eleitores e que não há espaço na Constituição “para ideias e atitudes
voluntaristas” do presidente, ainda que pautadas por “bons propósitos”. O
desdobramento do caso pode levar a uma ação de improbidade na Justiça
Federal ou à abertura de um inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF).
As portarias 46, 60 e 61, revogadas pelo comandante do Colog, general
Laerte de Souza Santos, por exigência de Bolsonaro, foram elaboradas em
conjunto por militares, policiais federais e técnicos do Ministério da
Justiça. “Determinei a revogação das portarias (…) por não se adequarem
às minhas diretrizes definidas em decretos”, escreveu Bolsonaro no
Twitter em 17 de abril.
Essas portarias estabeleciam o controle, rastreabilidade e
identificação de armas e munições importadas e fabricadas pela indústria
nacional, sob a finalidade de atividades esportivas, de colecionador e
também para abastecer os quartéis. Na avaliação dos procuradores, ao
revogá-las, o governo facilita o acesso do crime organizado a armas e
munições desviadas. “A cidade do Rio de Janeiro é a face mais visível
dessa ausência de efetivo controle no ingresso de armamento no País”,
observou Raquel Branquinho em ofício obtido pelo Estado.
Ex-braço direito da então procuradora-geral da República Raquel Dodge
na área criminal e uma das integrantes do grupo escolhido pelo atual
chefe do MPF, Augusto Aras, para atuar na Lava Jato, Raquel Branquinho é
considerada uma procuradora linha dura, conhecida por seu trabalho em
processos importantes, como o mensalão.
As normas estabeleciam diretrizes para identificação de armas de
fogo, bem como para a marcação de embalagens e cartuchos de munições.
Umas das regras revogadas, por exemplo, determinava que armas
apreendidas pela Justiça cuja identificação tenha sido suprimida ou
adulterada poderiam ganhar uma nova numeração.
O pedido de investigação foi enviado por Raquel Branquinho no dia 20
deste mês ao chefe da Procuradoria da República no Distrito Federal,
Claudio Drewes José de Siqueira. No ofício, a procuradora argumenta que
Bolsonaro fere princípios constitucionais.
“Ao assim agir, ou seja, ao impedir a edição de normas compatíveis ao
ordenamento constitucional e que são necessárias para o exercício da
atividade desempenhada pelo Comando do Exército, o Sr. Presidente da
República viola a Constituição Federal, na medida em que impede a
proteção eficiente de um bem relevante e imprescindível aos cidadãos
brasileiros, que é a segurança pública, e possibilita mecanismos de fuga
às regras de controle da utilização de armas e munições”, escreveu
Raquel Branquinho.
Agora, o MPF vai avaliar os motivos da conduta de Bolsonaro de
determinar a derrubada das portarias do Exército. Numa avaliação
inicial, Raquel Branquinho entendeu que a finalidade da revogação das
portarias pode ter sido a de “atender uma parcela de eleitores.”
Procuradores ouvidos pelo Estado sob a condição de anonimato observaram que o texto de cancelamento das portarias, publicado no Diário Oficial da
União, no dia 17, não apresentou motivação. “Caso o Exército não
apresente justificativas plausíveis, que não seja uma postagem do
presidente no Twitter, tudo fica ainda mais grave”, disse um procurador.
ESTADÃO CONTEÚDO
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