Com um sistema de saúde precário, medidas de isolamento social pouco
seguidas e números de contágios e mortes subestimados pelo governo
federal, o Brasil pode se tornar rapidamente o novo foco mundial da
Covid-19, ressalta a imprensa internacional no sábado (2). Reportagem
da agência AFP, publicada em veículos franceses e distribuída para todo
o mundo, indica que “o Brasil parece condenado a se tornar o próximo
epicentro da crise planetária do coronavírus", ao registrar "uma
velocidade galopante” na propagação de casos.
“A questão não é saber se o Brasil será um dia o principal foco de
contaminações no mundo: já é esse o caso”, explicou à agência Domingos
Alves, do Laboratório de Informações sobre a Saúde da USP (Universidade
de São Paulo). O coletivo de pesquisadores Covid-19 Brasil, do qual
Alves faz parte, estima que o número real de novos casos registrados no
Brasil na quinta-feira (30) era 16 vezes superior ao divulgado pelo
Ministério da Saúde – 85.646 conforme os dados oficiais, contra 1,3
milhão projetados pelos cientistas.
“A título de comparação, os
Estados Unidos, que hoje contam com o maior número de pessoas
infectadas, acabam de superar oficialmente o patamar de 1 milhão”,
ressalta o texto da AFP. A matéria lembra que, segundo o Imperial
College de Londres, o Brasil tem o índice de contaminação mais elevado
do mundo, de 2,8. Atualmente, o país é o segundo do mundo com o maior
número de novos casos (6.209 na sexta-feira, 1˚ de maio), atrás apenas
dos Estados Unidos.
"A impossível contagem de mortos”
O
jornal Le Monde também dá destaque para “a impossível contagem dos
mortos por Covid-19 no Brasil". A reportagem exibe uma equação
incompatível entre os dados oficiais de vítimas e o aumento do número de
enterros em diversas municípios. Cidades como Fortaleza e São Paulo
estão sendo obrigadas a abrir covas nos cemitérios para sepultar mortos
que, ao que tudo indica, faleceram em decorrência da doença.
Especialistas reunidos no Observatório Covid-19 BR sublinharam ao Monde o
número recorde de casos de Síndrome Respiratório Aguda Severa (Sras)
registrados nos hospitais do país – e que podem esconder, na realidade,
casos não notificados de coronavírus. Em meados de abril, “o Brasil
tinha contabilizado oficialmente 3.364 mortes diretamente ligadas à
Covid-19 em 2020, mas também 5.283 mortes por Sras ‘não-especificadas'
ou ‘em curso de investigação’”, explica o jornal francês. A AFP afirma
que o número de casos de Sras estaria 1.200% acima do registrado no
mesmo período do ano passado.
Números atrasados e presidente negando a gravidade da pandemia
Além
disso, pontua Le Monde, os laboratórios brasileiros estão
sobrecarregados com testes para identificar a doença. “Às vezes, é
preciso esperar de 15 a 20 dias para autentificar uma morte”, o que
significa que os dados divulgados cotidianamente pelo governo são “uma
fotografia não do instante presente, mas de alguns dias ou até semanas
atrás”, frisou o professor Paulo Inácio Prado, também da USP.
Neste
contexto, observa Le Monde, “não dá para contar com o presidente Jair
Bolsonaro, que continua a negar a gravidade da pandemia”. O jornal
lembra que, há poucos dias, o líder brasileiro disse que “não é coveiro”
e as mortes fazem parte da vida.
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