O governo federal retirou R$ 83,9 milhões que seriam usados no
programa Bolsa Família para destinar à Secom (Secretaria Especial de
Comunicação Social) da Presidência. A medida atinge os recursos
previstos para a região nordeste do país e gerou críticas no Congresso
por ocorrer durante a pandemia do novo coronavírus, quando muitas
famílias estão sem fonte de renda.
O dinheiro será utilizado para comunicação institucional, ou seja,
para fazer publicidade das ações da gestão de Jair Bolsonaro (sem
partido).
A portaria que prevê a transferência dos recursos do Orçamento foi
publicada na edição desta terça-feira (2), no DOU (Diário Oficial da
União). O ato foi assinado pelo secretário executivo do Ministério da
Economia, Waldery Rodrigues. Segundo técnicos do Congresso, como não há
recurso extra, apenas realocação dentro do Orçamento, não é preciso de
aval dos parlamentares. O valor total destinado ao Bolsa Família no ano
inteiro é de R$ 32,5 bilhões.
Procurado, o Ministério da Cidadania informou que o pagamento do
benefício está garantido, mas não esclareceu o motivo da realocação dos
recursos.
Para comparação, os R$ 83,9 milhões transferidos para a Secom bancar
publicidade institucional dariam para comprar 1.263 respiradores
hospitalares — ao custo de R$ 66,4 mil cada, um dos preços que o governo
federal pagou em compras da Saúde — ou ainda 856.164 testes tipo RT-PCR
para detectar a infecção pelo novo coronavírus em pacientes — o preço
unitário foi de R$ 98.
A Secom já havia aumentado para R$ 17,8 milhões suas despesas com
propaganda durante a pandemia do novo coronavírus. Os recursos estão
sendo utilizados para divulgar peças publicitárias com o mote de que é
preciso "proteger vidas e empregos". Depois do fracasso com a campanha
"O Brasil não pode parar", vetada judicialmente, a secretaria e o
presidente também adotaram a frase "ninguém fica para trás".
A campanha institucional da Secom é diferente da produzida pelo
Ministério da Saúde para fins de utilidade pública, que tem objetivo de
passar orientações sobre a Covid-19 e o novo coronavírus, bem como
recomendações de higiene, etiqueta e distanciamento social e até
convocar estudantes de medicina,
enfermagem, fisioterapia e farmácia. O ministério já gastou R$ 61
milhões e deve ampliar a despesa com produção de mais conteúdo.
O dinheiro para bancar a publicidade institucional do governo
Bolsonaro tem saído do orçamento de "Enfrentamento da Emergência de
Saúde Nacional", de dois dos ministérios mais envolvidos em ações
diretas para atendimento à população, Saúde e Cidadania. A Secom
centralizou a produção das peças publicitárias.
A campanha é feita pela agência Calia Y2, sem que tenha havido uma
seleção interna das propostas das outras agências contratadas pela
Secom, a NBS e a Artplan, como é regra. Isso porque, segundo documentos
internos da secretaria, a Calia propôs a realização da campanha, e o
governo aprovou e adotou a sugestão. Nesse caso, o processo de seleção é
dispensado, conforme previsto nas normas da secretaria.
Na terça-feira (2) relatório produzido pela CPI (Comissão Parlamentar
de Inquérito) do Congresso apontou que governou veiculou 2 milhões de
anúncios em canais com conteúdos considerados "inadequados". A lista
inclui páginas que disseminam fake news, propagam jogos de azar ilegais e até sites pornográficos.
A Secom disse que a escolha de onde os anúncios seriam veiculados coube ao Google, mas a empresa rebateu e informou ser possível bloquear que propaganda institucional seja publicada neste tipo de site.
Medida foi criticada
Parlamentares criticaram a realocação dos recursos nesta quinta-feira
(4), principalmente por envolver dinheiro que seria destinado à
população de baixa renda. "É importante lembrar que isso acontece no
momento de aumento da fila do Bolsa Família, ao mesmo tempo que pairam
sobre a Secom denúncias de mal uso de suas verbas para a propagação de
fake news e mensagens e ódio", disse a deputada Tabata Amaral (PDT-SP).
O líder do Novo, deputado Paulo Gamine (RJ), classificou a medida
como "imoral". "No meio a uma crise onde os brasileiros estão perdendo
emprego, renda e a extrema miséria vem crescendo no País, é preocupante
ver o governo preocupado com publicidade institucional", disse. Ele
afirmou ainda que o recurso da Secom foi reduzido de R$ 273 milhões para
R$ 73 milhões na votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2020. "Nós reduzimos esse gasto e agora o governo que recompor esse valor. A que custo? Para que?", afirmou.
A deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC) criticou a ação no plenário da
Câmara. "Tirar R$ 83 milhões da boca de famílias pobres para fake news é
crime", disse ela.
"Enquanto tivermos pessoas sofrendo na fila do Bolsa Família ou do auxílio emergencial,
qualquer redução no orçamento do ministério da Cidadania é
questionável. Mais ainda quando o recurso acaba direcionado para
comunicação", afirmou o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE).
O jornal O Estado de S. Paulo revelou em março que a região
nordeste, que teve recursos do Bolsa Família transferidos nesta
quinta-feira, só recebeu 3% dos novos benefícios concedidos no mês de
janeiro de 2020. Por outro lado, sudeste e sul foram priorizadas nas
novas concessões e reuniram 75% dos benefícios liberados no primeiro mês
deste ano. O Tribunal de Contas da União avalia se houve
irregularidade.
Pasta não esclarece motivo da realocação
O Ministério da Cidadania, responsável pelo Bolsa Família, enviou
nota sobre a transferência de recursos do programa assistencial para a
Secretaria de Comunicação do Governo, mas não esclareceu o motivo para a
realocação do recurso.
"A folha de pagamento do PBF (Programa Bolsa Família), no mês de
abril, foi custeada em 95% por recursos do auxílio emergencial. Naquele
mês, 13.566.568 famílias beneficiadas com o PBF receberam o benefício.
Em abril foram destinados às famílias mais de R$ 15 bilhões", diz a
pasta comandada por Onyx Lorenzoni.
"É importante destacar que o auxílio emergencial destinou às famílias
do PBF, na região nordeste, mais de R$ 7,7 bilhões, em abril, o que
beneficiou a 6.851.543 famílias", conclui o ministério.
O jornal O Estado de S. Paulo procurou o Ministério da
Economia, responsável pela operação, além da Secom, para questionar o
motivo da transferência, mas não teve resposta até a publicação desta
reportagem.
*Com informações da CNN
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