A chegada do deputado Fábio Faria (PSD-RN) ao recriado Ministério das
Comunicações abriu mais uma crise interna no governo de Jair Bolsonaro
(sem partido).
O motivo: a disputa pela primazia na articulação do Planalto
no Congresso Nacional, nominalmente a cargo do general Luiz Eduardo
Ramos (Secretaria de Governo). Faria é cria do Congresso. Aos 42 anos,
tem mandato desde 2007 e circula bem pelo centrão, tão caro a Bolsonaro
em tempos de ameaças difusas de impeachment.
Assim, não foi
surpresa que tenha sido ele, e não Ramos, o convidado a integrar a Mesa
do Congresso na sessão solene que promulgou nesta quinta (2) o adiamento
das eleições municipais deste ano devido à pandemia de Covid-19.
Ele
estava ao lado do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), da
Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e do Tribunal Superior Eleitoral, Luís
Roberto Barroso. Em sua posse, no dia 17 passado, defendeu um
"armistício patriótico" no país.
Ramos nunca teve uma interlocução
próxima com a dupla que comanda o Parlamento, que elegeu Faria como
interlocutor preferencial -Alcolumbre é até visto como mais próximo do
presidente, mas Maia está no que os bolsonaristas chamam de campo
inimigo.
Só que tal desenvoltura do novo ministro tem
incomodado pessoas no governo. O próprio presidente já disse a
interlocutores que Faria, apelidado na Esplanada de "o genro", por ter o
empresário Silvio Santos como sogro, tem gosto por holofotes.
Isso
já se provou fatal, de forma acessória a questões mais centrais, para
ex-integrantes do governo, como Sergio Moro (Justiça) e Luiz Henrique
Mandetta (Saúde).
Por outro lado, o trânsito de Faria também serve
de argumento para aqueles que, no governo, apontam a falta de
interlocução de Ramos com o outros Poderes. Para piorar, o general é
rejeitado pela base bolsonarista no Parlamento.
Mas o mal-estar vem também da ala militar do governo. Se Ramos ocupa
um lugar à parte por sua amizade com Bolsonaro, e está mais distante do
que já esteve do eixo Fernando Azevedo (Defesa)-Walter Braga Netto (Casa
Civil), os fardados são bastante corporativistas.
E Faria é visto
como alguém que está usurpando funções de um colega da turma, que já
está em xeque interno por ter apadrinhado a escolha desastrada do breve
ministro da Educação Carlos Decotelli.
Assim, a ideia é preservar
Ramos, que passou para a reserva devido à pressão da cúpula do serviço
ativo, insatisfeita com a associação feita por Bolsonaro entre as Forças
Armadas e sugestões golpistas.
O paradoxo da situação é que a
escolha do "genro" foi pautada justamente por sua interlocução com o
Parlamento, buscando amainar os graves atritos entre Executivo e
Legislativo.
Hoje a ameaça de um processo de impeachment é mínima,
dada a pandemia, a época de recesso do Judiciário e o esforço
pacificador do Planalto.
Mas a cúpula do Congresso considera que
qualquer faísca vinda da área judicial, onde o caso Fabrício Queiroz se
adensa como uma nuvem de temporal contra Bolsonaro, passível de mudar o
cenário a qualquer momento.
Além disso, ninguém, lá ou no Supremo
Tribunal Federal, está convencido da conversão do presidente ao figurino
paz e amor vigente desde que Queiroz foi preso, no dia 18 de junho. A
reportagem não conseguiu falar com Ramos, que sempre nega qualquer risco
a sua posição, e Faria.
Há um grande problema já no horizonte: a sucessão do comando das
Casas, em fevereiro de 2021. Maia não pode buscar a reeleição legalmente
e já desistiu de ir ao tapetão do Supremo, ao contrário de Alcolumbre,
que vislumbra um atalho jurídico para ficar na cadeira.
O
presidente da Câmara passou por um momento de baixa durante o processo
de cooptação do centrão e de partidos próximos, como o PSD de Faria, por
Bolsonaro. Com talvez 200 de 513 votos, a tropa é suficiente para
barrar processos de impedimento.
Maia sempre foi o "rei do
centrão", e de repente viu Arthur Lira (Progressistas-AL) assumir o
trono e se viabilizar para a sucessão, incentivado por Bolsonaro.
Só
que o tiro incapacitante do caso Queiroz no governo se somou à denúncia
da Procuradoria-Geral da República contra Lira, no âmbito da Operação
Lava Jato, no mês passado. Maia reagrupou forças, demonstrando isso na
costura do adiamento das eleições.
Agora, ele trabalha
preferencialmente pela candidatura de Baleia Rossi (SP), deputado que
preside o MDB. O nome agrada o centrão e tem trânsito no hoje deslocado
PSDB e mesmo na esquerda. Publicamente, ninguém fala sobre o assunto.
Governadores hoje em disputa aberta com Bolsonaro veem Rossi como uma opção boa, em especial se a alternativa for Lira.
No
Senado, esses mesmos chefes estaduais gostariam de ver outro nome no
lugar de Alcolumbre. O mais citado é Antonio Anastasia (PSD-MG),
vice-presidente da Casa, que já descartou a hipótese a interlocutores.
Um deles lembra, contudo, que ele também resistia a relatar o impeachment de Dilma Rousseff (PT), e acabou assumindo a missão.
Discreto
e de perfil técnico, o senador nunca seria visto tentando apaziguar
Bolsonaro como Alcolumbre fez no fatídico 4 de maio, quando virou a
noite no Palácio da Alvorada até que o presidente desistisse de renomear
Alexandre Ramagem para a Polícia Federal -desobedecendo o Supremo.
Para governadores de oposição e parlamentares moderados, um Congresso
com Rossi e Anastasia seria um seguro contra inciativas exóticas do
Planalto, no caso de Bolsonaro recuperar condições de governabilidade. E
de transição, no caso de ele não estar na Presidência no ano que vem.
Por Folhapress
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