A energia eólica progredia a passos largos no Brasil até 2023. Naquele ano, 123 usinas do tipo foram inauguradas no país, principalmente no Rio Grande do Norte e na Bahia. Em um país de dimensões continentais como o nosso, com mais de 7 mil km de litoral e 55% da população vivendo a até 150 km da brisa praiana, o potencial da energia eólica parecia óbvio.
O cenário agora é bem diferente. A GE fechou sua fábrica de pás de turbina em Pernambuco neste ano. A brasileira Aeris, que atua no mesmo ramo, empilha prejuízo atrás de prejuízo e já demitiu mais de cinco mil funcionários nos últimos meses – só em fevereiro, foram 700. E a americana AES abandonou o Brasil em 2024 depois de ter apostado todas suas fichas nos nossos ventos.
Para entender o que aconteceu, é preciso voltar para agosto de 2023.
O apagão
Foi quando bateu o grande “vento contra” na energia eólica. Sendo assim, no dia 15 daquele mês, uma falha no sistema deixou milhões de brasileiros sem luz por seis horas em 25 estados e no Distrito Federal.
Apagões costumam ser fruto de efeito dominó: um problema menor pode desencadear um estorvo colossal. A gênese do apagão de 2023 foi uma linha de transmissão no Ceará, que teve problemas e desligou. Dessa maneira, gerou uma grande queda na tensão elétrica nas redes do Norte/Nordeste. Quando o sistema elétrico nacional tentou compensá-la com seus mecanismos automáticos, isso causou um tilt na distribuição do país inteiro. Dessa forma, levou a uma série de desligamentos que tiraram do ar 30% da energia brasileira.Pois bem. Isso poderia ter sido evitado se as usinas eólicas do Ceará tivessem elas mesmas compensado a queda daquela primeira linha de transmissão. Mas os equipamentos das turbinas não funcionaram como esperado, e o sistema ficou na mão.
Inferno astral
Começou ali o inferno astral das empresas e investidores que alocaram alguns bilhões no potencial da energia eólica brasileira.
A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) multou dezenas de empresa geradoras e também o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). O ONS, vale lembrar, é o agente público que controla o fluxo de energia no país. Ele decide de onde vem a eletricidade (se de usinas hídricas, térmicas, eólicas, solares etc.); busca as fontes mais baratas e confiáveis para cada momento – exemplo: ao meio-dia, com o sol a pino, joga mais energia solar no sistema.
O ONS, enfim, acabou entendendo que não poderia confiar tanto assim nas eólicas depois do episódio de 2023. Aumentou as exigências técnicas para essas usinas.
O ONS também limitou a produção das usinas eólicas, o chamado curtailment. O mecanismo já era usado antes do apagão de 2023, mas as usinas eólicas – e também as solares –, principalmente do Nordeste, têm sofrido cada vez mais desde o incidente, segundo as empresas do setor. O curtailment existe para manter a estabilidade do sistema – se há muito vento e o consumo está baixo, pode rolar um excesso de energia na rede. E sua aplicação mais firme reflete a postura mais conservadora do órgão.
Geração distribuída
Também atrapalha a concorrência com a “geração distribuída” de energia solar. São os painéis em casas, empresas e fazendas. Os proprietários alimentam o sistema nacional em troca de descontos na conta de luz. Essa geração já responde por 36 GW de potência instalada. O equivalente a quatro Itaipus, e mais do que os 33 GW que a energia eólica produz.
Ou seja, mesmo que haja vento, essas geradoras ficam impedidas de adicionar ao sistema toda a energia que são capazes de produzir. O setor considera que, em média, 10% da geração foi perdida dessa forma em 2024.
“Se nada acontecer, este ano vai ser igual ou ainda maior, dado que a gente continua tendo aumento de geração [solar] distribuída na rede. Então, o problema é urgente, ele precisa de uma solução de curtíssimo prazo”, avaliou o CEO da CPFL, Gustavo Estrella, numa entrevista à Reuters. Essa geradora e distribuidora tem 49 parques eólicos, com 700 aerogeradores.
A consultoria Volt Robotics calcula que o curtailment tenha levado as empresas do setor a um prejuízo financeiro de R$ 1,6 bilhão em 2024, informou o Valor.
Em 2024, houve uma redução de 31,25% na instalação de novas usinas eólicas no Brasil, totalizando 3,3 GW de potência, em comparação com os 4,8 GW de 2023. Lembra das 123 novas usinas do tipo em 2023? No ano passado foram só 76 novos parques eólicos.
A luta do lobby
O setor argumenta que os cortes de geração determinados pelo ONS – o tal do curtailment – são o grande adversário da energia eólica e a maior ameaça à viabilidade econômica dos projetos já em funcionamento e dos parques eólicos do futuro.
As empresas e suas associações estão propondo a revisão dos critérios que levam aos cortes de geração e defendem que as usinas eólicas sejam indenizadas pelos cortes obrigatórios – a Aneel já se posicionou contra e entende que não é razoável que os consumidores paguem por energia quando não precisam dessa energia. As geradoras argumentam que a falta de indenização pode comprometer o futuro do setor e a segurança energética do Brasil, além de desincentivar a energia limpa.
As fábricas das peças necessárias para a produção de energia eólica também querem incentivos fiscais para exportar seus produtos, além de aumento na alíquota de importação de equipamentos fabricados na China.
Outra frente é o marco das eólicas offshore.
Em janeiro, o presidente Lula assinou o marco regulatório, criando um quadro legal para a exploração de energia eólica em alto-mar. Com essa legislação, empresas poderão obter concessões para explorar o potencial energético em áreas sob domínio da União
Mas não é por falta de território que os investimentos em energia eólica frearam, como vimos aqui. Uma tempestade se formou sobre a geração eólica. E não há sinal de bonança pela frente.
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