Presidente Jair Bolsonaro (PL) e pastor Silas Malafaia- Foto: Reprodução
O
triunfo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre Jair Bolsonaro (PL)
gerou, ao menos num primeiro momento, recuo no tom belicoso de vários
pastores que fizeram campanha nas igrejas pela reeleição do presidente.
O
pastor Silas Malafaia, um dos cabos eleitorais mais vocais de
Bolsonaro, estava num culto de sua Assembleia de Deus Vitória em Cristo
quando a derrota do seu candidato foi confirmada.
Puxou, pouco depois, uma oração pelo petista que passou o ano todo
chamando de bandido. Não que Malafaia tenha aplaudido a vitória lulista,
mas a beligerância refluiu.
“Como
eu disse aqui na igreja, a vontade do povo se estabelece, e o povo que
vota, que faz escolha, é responsável por suas consequências”, disse e
emenda uma risada. “Só isso. A igreja vai marchar triunfante.”
“Qual
é o meu papel? Orar pelo presidente que foi eleito”, afirmou. “Nós
temos que orar pela autoridade constituída.” O bíblico Livro de Timóteo
recomenda “súplicas, orações, intercessões e ação de graças” por “todos
os que exercem autoridade, para que tenhamos uma vida tranquila e
pacífica, com toda a piedade e dignidade”.
Pediu, então, “uma
bênção sobre o Lula, sobre governadores, sobre senadores, sobre
deputados”. Antes, lembrou que já havia, no passado, apoiado um
candidato vencido –o tucano Aécio Neves– e nem por isso deixou de orar
pela campeã daquele pleito, Dilma Rousseff (PT).
“Na época da
eleição, eu largo o aço”, disse. Depois, a história muda. Malafaia
contou que esteve com Dilma oito meses antes de seu impeachment, e por
ela orou. “Pedi licença, pode botar a mão na sua cabeça? ‘Pode.’ […] Tem
que orar por ela, meu irmãozão.”
O pastor não poupou Lula por
completo, contudo. Criticou líderes evangélicos que se omitiram na
eleição, o que para ele aconteceu por medo que o PT ganhasse, e disse
que a igreja continuou firme e forte mesmo após o comunismo do século 20
e Nero, o quinto e incendiário imperador romano, que governou no século
1. “Não tenho medo de diabo, rapá, vou ter medo de homem?”
O
deputado Marco Feliciano (PL-SP), outro aguerrido defensor de Bolsonaro,
também suavizou o tom contra Lula. Terminado a fala de vitória do
petista, foi ao Twitter: “Vi o discurso de Lula.
Começou
agradecendo a Deus. Falou de Deus em vários momentos. Reafirmou
compromisso pela liberdade religiosa, evitou temas que causam
divergências com o segmento evangélico e terminou agradecendo a Deus.
Aprendeu a nos respeitar? Tenho dúvidas. O tempo dirá”.
Na manhã
desta segunda 31, num esquema morde e assopra, recorreu à Bíblia para
sugerir que o PT é um mal a ser combatido. “Bom dia! ‘Mas o Senhor é
fiel; ele os fortalecerá e os guardará do Maligno.’ 2 Tessalonicenses
3:3.”
O apóstolo Renê Terra Nova, importante liderança do Norte,
disse que domingo havia sido “um dia muito difícil”, mas frisou que
votou em Bolsonaro como cidadão, não como igreja. Pediu respeito ao
resultado e disse que “os justos não temem as más notícias”, uma
passagem bíblica.
“O Brasil não é o Brasil dos evangélicos, tem
evangélicos. Não é o Brasil dos cristãos, tem cristãos. O Brasil é o
Brasil dos brasileiros.”
Seguido por milhões nas redes sociais, o
pastor Cláudio Duarte usou o Instagram para passar sua mensagem, o que
fez com a camisa do Brasil, símbolo dos apoiadores de Bolsonaro. Na
legenda, uma
nota irônica: “Bom dia Brasil!!!! Nada como uma boa noite de sono e uma
oração matinal para levantar a cabeça e prosseguir na caminhada. Vem aí o
melhor Governo que a esquerda já fez!!!!”
Na fala, um aceno à
pacificação. “Obviamente não tô alegre com isso [a derrota], mas se
dizer que estou entristecido, não mudo nada.” Duarte também pediu que é
preciso “orar para que o Brasil cresça” e “respeitar esse resultado”.
O
apóstolo Estevam Hernandes, idealizador da Marcha para Jesus e da
igreja Renascer em Cristo, preferiu a camisa do São Paulo, seu time,
para uma live em que reforçou nunca ter se levantado “para falar
pessoalmente contra A ou B”.
Disse, na sequência, que a postura
cristã é a de dar exemplos. “Jesus nos deu o desafio de orar até pelos
nossos inimigos. Em caso de política, não temos inimigos, mas sim
divergentes.”
Em julho, Hernandes disse à Folha de S.Paulo achar
que a reconciliação com Lula era “impossível”. “Creio que [as
predileções eleitorais] são caminhos bem definidos, e que obviamente se
vai até o final por esse caminho. Agora, claro, a gente tem que aguardar
o resultado das urnas para saber aquilo que vai acontecer do governo
que virá”, afirmou à época.
Nem todos no meio, no entanto,
diminuíram a carga contra Lula. Viralizou em círculos evangélicos uma
frase atribuída a João Calvino, um dos próceres da Reforma Protestante:
“Quando Deus quer julgar uma nação, Ele lhes dá governantes ímpios”. O
apóstolo Agenor Duque, da Igreja Apostólica Plenitude do Trono de Deus,
foi um dos que compartilhou a máxima.
Apontado como sucessor de
Edir Macedo na Igreja Universal, seu genro Renato Cardoso afirmou numa
live que o momento é de provação.
“Tudo isso aí simplesmente vai
fortalecer aqueles que já são da fé. Vamos ver daqui pra frente uma
distinção cada vez maior entre o bem e o mal.” Cardoso é o bispo quem
assinou um texto, no site da igreja, dizendo que é impossível ser
cristão e de esquerda ao mesmo tempo, tese que ajudou a criar uma onda
de perseguição nos templos contra pastores e fiéis alinhados ao campo
progressista.
André
Valadão, o membro mais barulhento do clã à frente da Igreja Batista
Lagoinha, não freou sua agressividade contra o presidente eleito. Postou
uma montagem do rosto de Lula como dom Pedro 1º. “Dom Preso Primeiro –
se for para roubar, diga ao povo que volto!”
Também questionou se
Geraldo Alckmin (PSB), vice do petista, seria “mais rápido do que
Temer”, alusão ao impeachment de Dilma que colocou Michel Temer (MDB) na
Presidência. E publicou em caixa alta: “DESORDEM E RETROCESSO”.
Anna Virginia Balloussier
FolhaPress