Em alguns debates chegou a sair faísca entre os dois candidatos. Quando
ouvíamos Dilma dizer "o candidato Serra", ou Serra começar com "a
Dilma", (foto arquivo) já sabíamos que vinha chumbo grosso na conversa. A resposta
tinha o mesmo tom da acusação, sempre acompanhada de um revide.
A temperatura mais elevada dos confrontos, embora criticada por alguns
analistas, aumentou o interesse dos telespectadores. Lógico que pessoas
com boa formação abominam a baixaria. Entretanto, uma disputa mais
acirrada mexe com a adrenalina e cai no gosto da maioria.
A linha que separa a acusação ácida da afronta pessoal é delicada e
perigosa. Se, por um lado, ao se aproximar dessa fronteira, o candidato
demonstrava mais coragem, confiança e determinação aos eleitores, por
outro, maior passava a ser o risco de ultrapassar o limite e de se
mostrar grosseiro e agressivo.
Tanto assim que os dois aproveitavam os raros momentos de excesso do
adversário para avisar aos telespectadores que o outro havia abandonado o
debate qualificado. Independentemente de quem seja seu candidato, deve
concordar que identificar essa divisa imaginária no calor da discussão
não é tarefa simples.
Todos nós, com maior ou menor grau, temos audição seletiva. De maneira
geral, ouvimos e assimilamos o que vem ao encontro de nossos interesses,
e nos afastamos das mensagens ou fatos que não nos interessam. Esse
processo está presente de maneira acentuada nos debates políticos.
Quase todos ouvem apenas o que beneficia seu candidato e prejudica o
adversário. Da mesma forma que se fecham para as informações que possam
prejudicar seu candidato e beneficiar o adversário. Por isso, por mais
isenta que possa ser a avaliação do comportamento de um e de outro,
sempre haverá discordância. Mesmo assim vamos aos fatos.
A disputa pela Presidência da República permitiu que os dois
candidatos, José Serra e Dilma Rousseff, aprimorassem a comunicação.
Embora Serra tivesse muito mais experiência, devido às inúmeras
campanhas políticas em que se envolveu, aperfeiçoou ainda mais a maneira
de se comunicar. Dilma, caloura em campanhas eleitorais, aprendeu
rápido, em poucos meses.
O maior problema de Dilma no início da campanha era a insegurança.
Produzia pausas indevidas no meio do raciocínio, repetia palavras,
exagerava no uso de expressões como "eu acho que" e "no que se refere"
(cerca de dez em um único debate) e se valia de gestos demasiadamente
estudados. Dava a impressão de que havia decorado as informações.
O processo normal é ter um pensamento e encontrar as palavras adequadas
para corporificar o raciocínio. Devido à insegurança e falta de domínio
sobre alguns temas, Dilma se sentia desconfortável ao fazer as pausas.
Por isso, se precipitava em pronunciar logo as palavras, invertendo o
processo, pois tentava encontrar a sequência do pensamento a partir das
palavras. Esse era o principal motivo das repetições, dos "ééééé" nas
pausas e até de certa gagueira.
Serra sempre foi tido como carrancudo e antipático. Esse comportamento
poderia afastá-lo dos eleitores. Consciente do problema procurou se
mostrar mais simpático nos primeiros debates e nas entrevistas. Ficava
evidente, entretanto, essa vontade de mudança, tirando assim parte da
sua naturalidade.
No transcorrer da campanha os dois candidatos foram corrigindo os
defeitos e aperfeiçoando os aspectos positivos. Dilma ficou mais segura e
fluente na exposição de suas ideias. Diminuiu as interrupções indevidas
e adquiriu mais tranquilidade para suportar os momentos de pausa.
Depois de se mostrar agressiva no primeiro debate do segundo turno, se
recompôs nos últimos confrontos, demonstrando convicção e assertividade,
mesmo quando acuada.
Serra passou a sorrir de maneira mais espontânea e incluiu um
ingrediente excepcional em sua forma de falar, a emoção. As conclusões
que fez nos últimos debates foram exemplares. Falou com envolvimento,
disposição e boa dose de eloquência.
Permaneceram pequenos senões que, provavelmente, não devem interferir
na opinião dos eleitores. Serra se valeu da ironia em vários momentos.
Por se tratar de um recurso sutil, que demonstra inteligência e presença
de espírito, cativa as pessoas com boa formação intelectual e que já
decidiram votar nele. Por outro lado, esse comportamento chega a ser
perigoso em campanhas políticas, pois pode afastar os eleitores que
ainda precisam ser conquistados.
Dilma merece todos os elogios. Inexperiente nas disputas eleitorais,
teve como adversário um dos oradores mais competentes da atualidade.
Poucos políticos são tão eficientes na tribuna quanto Serra. Mesmo
assim, passada a fase inicial de adaptação, ela não se intimidou e
entrou na jaula para combater a fera.
Também no seu caso alguns aspectos ficaram pendentes. Talvez não
representem perdas de votos, mas são perigosos. Em certos momentos se
deixou envolver pela fala mais agressiva. Desde que se candidatou
investiu em mudanças na maneira de falar e de se apresentar em público.
Procurou se mostrar mais suave, fez plástica, arrumou o cabelo, aveludou
o tom de voz e passou a sorrir com simpatia. Por isso, a agressividade
poderia ser vista como indicador de incoerência na sua comunicação.
Outro aspecto que Dilma não conseguiu resolver -a construção de frases
muito curtas, que a obrigam a fazer sucessivas pausas. Em certas
circunstâncias, essa atitude, além de não contribuir com a estética e
prejudicar a qualidade do estilo, pode até ter passado ideia de
insegurança e artificialismo.
Agora já foi. Vai vencer quem tocou mais o coração dos eleitores, quem
foi mais ao encontro de suas aspirações. Aqui entra um ingrediente
subjetivo, que nem sempre pode ser avaliado pela técnica da comunicação.
Há situações tão especiais que até os defeitos podem ajudar mais que as
qualidades. Saberemos breve, assim que as urnas forem abertas e os
votos forem apurados.
* Reinaldo Polito é mestre em ciências da comunicação, palestrante e
professor de expressão verbal. Escreveu 19 livros que venderam mais de 1
milhão de exemplares
Do Site: www.reinaldopolito.com.br
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