terça-feira, 1 de novembro de 2016

Finados: por uma cultura da vida na certeza da morte

Pe. José Lenilson de Morais
Pároco da Paróquia de Santana e São Joaquim, em São José de Mipibu
Assim falou o Apóstolo Paulo: “o salário do pecado é a morte” (Rm 6,23), e o livro da Sabedoria diz que foi “por inveja do demônio que a morte entrou no mundo”(Sb 2,23-24). A morte não é um ser, não tem identidade própria, não é nem mesmo uma criatura de Deus. Deus não mata, é o homem que mata! A vida é a vocação do homem, a morte é uma consequência de suas escolhas. Alguém me dirá: “é próprio do que vive nascer, crescer, morrer”. Verdade! Nisto somos iguais aos demais viventes nesta terra porque aqui não temos “morada permanente”. Contudo, vejamos como é belo e natural a existência de uma planta: é semeada, nasce, cresce, produz e depois seca ainda revelando beleza. Se todos os homens pudessem passar por este “caminho” a certeza da morte seria natural e aceitável. Mas o que acontece é bem diferente: as grandes indústrias e, infelizmente, até os pequenos produtores, estão lançando cada vez mais agrotóxicos sobre as plantações. Não se tem mais prudência, pois o que importa é produzir e produzir, isto é, lucrar e lucrar. Depois fazemos tantas campanhas “contra o câncer”. Na verdade, as grandes campanhas deveriam ser “contra o que dá origem ao câncer”. Nós estamos cuidando dos efeitos, o que é justo, mas estamos fechando os olhos para as causas. É ridículo como nós gostamos disso e depois ainda temos “crise de fé” quando perdemos alguém. É o homem que causa o câncer!Quem mata um pai da família num assalto é o homem, não Deus; quem extermina a vida promissora de um jovem é o homem, não Deus; quem está massacrando as vidas humanas na Síria e exterminando sistematicamente no Iraque é o homem, não é Deus. Quem tira o pão da boca dos pobres nos esquemas de corrupção e nas leis injustas que só favorecem os “poderosos” são os homens, a começar pelos do Congresso Nacional. Malditos sejam! Quero ver se escaparão da morte, que é igual para todos.
Dia de finados não deveria ser um dia de lamentações e tristezas. Um dia de recordação sim, um dia fazer memória de nossos antepassados, um dia de rezar pelos que já não estão em nosso convívio, sim.  Outrossim, e talvez mais ainda, deveria ser um dia para rever nossa opção pela vida. O que podemos fazer para favorecer a cultura da vida? Nossos atos diários podem contribuir para proteger, favorecer, estimular e valorizar a vida da natureza em seu sentido mais amplo: “a casa comum”, o planeta onde vivemos e onde até mesmo somos sepultados – coisa que também deveria ser digna e gratuita para todos. A cultura da vida inclui a diminuição da poluição atmosférica, sonoro, visual; a proteção de nossos rios, riachos, nascentes, lagoas e matas; inclui também a renúncia a violência física e verbal sem cair num pacifismo alienante. A cultura da vida requer mais humanização dos serviços públicos, mais participação popular nas decisões da nação, dos estados e municípios. A cultura da vida requer ainda uma posição menos hipócrita e mais efetiva pela educação de todos. Analfabetismo, evasão escolar, retrocessos nas universidades também são sinais de morte. Não fica de fora também os temas antigos e sempre novos: rejeitar o aborto, resistir a eutanásia, renunciar a traição do cônjuge é igualmente cultivar a vida. Neste tema não há como ser seletivo: se eu defendo a dignidade dos animais como posso defender a morte atroz dos humanos “incapazes” de autodefesa? Minha gente, se não assumimos a Vida em todas as suas dimensões, é melhor parar de tantas passeatas, caminhadas e campanhas… porque elas só estão revelando o tamanho de nossa contradição e confirmação de nossa hipocrisia.

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