Nesta sexta, nove pessoas foram retiradas da lama com vida e cerca de 100 que estavam ilhadas foram resgatadas
Foto: AFP
Há pouco mais de três anos, quando a Barragem do
Fundão, em Mariana, rompeu-se, não se sabia que o maior desastre
ambiental do País deixaria 19 mortos, um rio poluído e um povoado
destruído. Ontem, aconteceu de novo, a aproximadamente 126 Km dali. A
barragem da Mina Feijão, em Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo
Horizonte, cedeu. Como há três anos, ainda não se sabe os impactos, mas
sete corpos já foram encontrados, o Rio Paraopeba já foi atingido e há a
possibilidade de a lama alcançar o Rio São Francisco.
Tudo começou por volta de 13h20, horário de Brasília. Embora ainda
não se saiba o que causou o rompimento da barragem da empresa Vale,
informações da própria organização e do Corpo de Bombeiros de Minas dão
conta de cerca de 150 desaparecidos. A barragem suportava cerca de 12
mil m³ de rejeitos e, na descida, a lama atingiu a área administrativa
da Companhia e parte da comunidade da Vila Ferteco.
Desastre humano
A avaliação do comitê de crise instalado a 6 Km do foco da tragédia é
de que o desastre humano em Brumadinho pode ser maior do que o de
Mariana. Só na unidade administrativa da Vale, trabalham 613 pessoas,
além de 28 terceirizados. Na Vila Ferteco, moram cerca de mil
habitantes.
O presidente da Vale, Fábio Schvartsman, disse que deve haver muitas
vítimas e lamentou o ocorrido. Segundo ele, a barragem do Feijão estava
sem funcionar desde 2015 e em processo de encerramento das atividades.
"Viramos todas as barragens do avesso e contratamos as melhores
auditorias do mundo para verificar o estado de todas elas. Fizemos tudo
que a gente entende que era possível para garantir a segurança e a
estabilidade. O fato é que não sabemos o que aconteceu e o que
ocasionou, mas certamente vamos descobrir", afirmou Schvartsman.
'Tragédia anunciada'
Em comunicado, o Movimento dos Atingidos por Barragens se solidarizou
com a comunidade impactada e classificou como "mais um crime contra a
vida que é fruto desse modelo que apenas provoca tragédias anunciadas". O
grupo disse ter denunciado o modelo de mineração do País, cujo trabalho
é feito por "empresas privatizadas e multinacionais que visam ao lucro a
qualquer custo".
Em torno de 15h50 (horário de Brasília), o Corpo de Bombeiros
confirmou que os rejeitos atingiram o Rio Paraopeba - que abastece cerca
de 48 municípios da Bacia homônima. Em razão disso, a Companhia de
Saneamento de Minas Gerais (Copasa) informou que o abastecimento da
Região Metropolitana de Belo Horizonte - que é atendida pelo Sistema do
rio - estava suspenso. Segundo a Copasa, outras represas supririam a
necessidade.
Ao menos cinco cidades próximas a Brumadinho divulgaram alertas aos
cidadãos para não se aproximarem do rio pela possibilidade de haver
súbita elevação do nível da água. Em Mário Campos, município vizinho,
alguns moradores foram orientados a deixar suas casas preventivamente.
São Francisco
A Agência Nacional de Águas (ANA) disse, em nota, que está
"monitorando a onda de rejeito", mas não descarta que a lama chegue ao
Rio São Francisco, uma vez que o Rio Paraopeba faz parte do Bacia do
Velho Chico, desaguando neste. Segundo a ANA, a hidrelétrica Retiro
Baixo, que limita o Paraopeba da Represa Três Marias (onde está o São
Francisco) poderá amortecer a onda de rejeitos, mas não há garantia de
que a lama não contamine o Velho Chico. "Estima-se que essa onda
atingirá a usina em cerca de dois dias", disse.
'Algo errado'
O presidente Jair Bolsonaro irá sobrevoar o local da tragédia
ambiental hoje, mas se manifestou, ontem, lamentando o ocorrido. "Nossa
maior preocupação neste momento, é atender eventuais vítimas desta grave
tragédia", afirmou. "Não quero culpar os outros pelo que está
acontecendo, mas algo está sendo feito errado ao longo dos tempos".
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, ofereceu apoio para
elucidação do acontecido e classificou o caso como "mais uma tragédia
humana e ambiental que atinge o Estado e que reforça a preocupação com
problemas crônicos e graves em nosso País".
A Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas
Gerais divulgou nota afirmando que a barragem estava devidamente
licenciada e tinha estabilidade garantida pelo auditor, conforme laudo
elaborado em agosto do ano passado. "As causas e responsabilidades pelo
ocorrido serão apuradas pelo governo de Minas", finalizou.
‘Prejuízos podem durar décadas’
Professor do Departamento de Geografia da UFC e membro da Rede
Brasileira de Justiça Ambiental, o geógrafo Jeovah Meireles trata como
incalculáveis os prejuízos causados pelo rompimento da barragem da Vale
em Brumadinho (MG), no Rio Paraopebas.
“A lama com os rejeitos invadiu os terraços fluviais, onde existem
ecossistemas relacionados à sobrevivência de diversas populações.
Serviços ecossistêmicos impossíveis de calcular economicamente”.
Para ele, houve negligência mais uma vez. “O rompimento é previsível,
pode ser calculado. A vida média de uma barragem é definida, para isso
existe o monitoramento”, afirmou.
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