O
governo Jair Bolsonaro priorizou Sul e Sudeste na concessão de novos
benefícios do Bolsa Família em janeiro, em detrimento da Região
Nordeste, que concentra 36,8% das famílias em situação de pobreza ou
extrema pobreza na fila de espera do programa.
Pelos
dados fornecidos pelo Ministério da Cidadania ao Congresso, o Nordeste
recebeu 3% dos novos benefícios enquanto Sul e Sudeste responderam por
75% das novas concessões. Para se ter uma ideia, o número de novos
benefícios concedidos em Santa Catarina, que tem população oito vezes
menor que o Nordeste e é governada por Carlos Moisés (PSL), foi o dobro
do repassado à região nordestina inteira, cujos governadores são da
oposição.
As
informações foram comparadas com os dados oficiais disponíveis na
internet. A série histórica mostra que houve um pico de novas concessões
do Bolsa Família em janeiro que se refletiu em todas as regiões, exceto
o Nordeste.
Nas
eleições de 2018, a Região Nordeste foi a única que votou
majoritariamente no candidato do PT, Fernando Haddad. No segundo turno, o
petista teve 69,7% dos votos válidos, ante 30,3% de Bolsonaro. Nas
demais regiões, o atual presidente foi o vencedor. No Sul, conseguiu a
maior vantagem: 68,3% ante 31,7% de Haddad.
Após eleito, Bolsonaro se envolveu em uma série de polêmicas com o Nordeste.
Fator de pressão
Agora,
os dados mostram que o Nordeste tem ficado para trás nas novas
concessões do Bolsa Família, num momento em que a fila de famílias que
aguardam para ingressar no programa virou fator de pressão contra o
governo. A gestão Bolsonaro trabalha numa reformulação do programa.
Enquanto
o novo desenho não sai do papel, o alcance do Bolsa tem diminuído em
todo o Brasil. Entre junho e dezembro, a concessão de novos benefícios
despencou a uma média de 5,6 mil por mês. Antes, passavam de 200 mil
mensais.
Mas
o governo encontrou espaço em janeiro para incluir no programa famílias
que estavam à espera do benefício. Foram 100 mil contempladas – 45,7
mil delas no Sudeste, 29,3 mil no Sul, 15 mil no Centro-Oeste e 6,6 mil
no Norte. O Nordeste recebeu 3.035 novos benefícios e manteve a média
mais magra de meses anteriores.
“Os
números mostram um favorecimento no pagamento do benefício aos
eleitores de regiões fiéis ao presidente Bolsonaro. Cabe aos presidentes
da Câmara e do Senado pedir explicações para manter a eficácia do
programa”, critica o senador Renan Calheiros (MDB-AL).
A
distribuição chama a atenção porque é a Região Nordeste que concentra o
maior número de famílias necessitadas e ainda desassistidas pelo
programa. A região tinha, em dezembro do ano passado, 939,6 mil famílias
em situação de extrema pobreza (com renda familiar per capita abaixo
dos R$ 89 mensais) sem acesso ao Bolsa. Em todo o Brasil, são 2,39
milhões de famílias nessa situação.
O
Sudeste, região mais atendida, também tinha volume considerável de
famílias em extrema pobreza ainda sem inclusão no programa, mas em
número ainda menor que no Nordeste: 868,3 mil. Já Região Sul tinha 186,7
mil famílias nessa condição de vulnerabilidade e foi a segunda maior
beneficiada.
Segundo
os dados de dezembro, havia ainda 1,18 milhão de famílias em condição
de pobreza (com renda familiar per capita entre R$ 89 e R$ 178 mensais)
que não recebem auxílio do programa social. Ao todo, 3,6 milhões de
famílias no País faziam jus ao benefício e estavam cadastradas em
dezembro de 2019, mas não receberam nenhum valor.
O
professor Marcelo Neri, do Centro de Políticas Sociais da Fundação
Getúlio Vargas (FGV), afirma que a Região Nordeste está subestimada em
três sentidos, uma vez que reúne 27% da população brasileira, tem taxa
de pobreza mais elevada (22,2%, ante 11% na média do País) e foi uma das
regiões mais afetadas pela crise econômica, com queda maior na renda
das famílias.
“Tem
um descasamento entre a oferta do programa e a necessidade das pessoas.
Se imaginar onde os pobres estão, deveria ter 54% (de novas concessões
para o Nordeste) em vez de 3%. Isso só pela fotografia de pobreza”,
afirma.
Segundo
Neri, o encolhimento do programa nos últimos anos já vinha
representando um “ajuste em cima dos pobres”. Agora, o quadro de
distribuição regional torna o problema maior, diz o professor. “O que
está se vendo agora é que, no período recente, a rede está regionalmente
mais distante de onde os pobres estão. É um movimento que está na
contramão das necessidades da população”, afirma.
Para
o economista Pedro Fernando Nery, é recomendável que o governo tenha
“alguma justificativa técnica plausível” para a disparidade entre as
regiões. “Se não tiver, acho que passa do limite da discricionariedade
política e entra numa esfera perigosa de discutir a legalidade. Não é
uma discricionariedade que nenhum gestor tem a de prejudicar uma
determinada região”, diz.
Em
nota, o Ministério da Cidadania diz que o processo de concessão de
benefícios é “impessoal e realizado por meio de sistema automatizado que
obedece ao teto das verbas orçamentárias destinadas ao programa”. O
órgão não explicou o porquê da disparidade das concessões entre as
regiões, mas afirmou que mais 185 mil famílias em todo o País passarão a
receber o benefício em março.
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