Quase dois meses depois de as
escolas fecharem no País todo por causa da pandemia do coronavírus, 83%
dos professores não estão preparados para ensinar online. E são eles que
dizem isso, em pesquisa realizada pelo Instituto Península, à qual o
Estadão teve acesso com exclusividade. Os docentes de redes públicas e
particulares ainda se declaram ansiosos e nada realizados com o trabalho
no momento atual.
Estudos internacionais e experiências em países que são considerados
exemplos de educação mostram que o professor é fator determinante para o
ganho de aprendizagem do aluno, principalmente para os mais
vulneráveis. Em tempos de isolamento, a importância aumenta, já que
muitas vezes o profissional é o único vínculo com a escola.
Quase 90% dos docentes informaram na pesquisa que nunca tinham tido
qualquer experiência com um ensino a distância e 55% que não receberam,
até agora, suporte ou treinamento para atuar de maneira não presencial.
Sem orientação clara, os profissionais têm criado as próprias
atividades. Não é à toa que 83% afirmaram se comunicar pelo WhatsApp com
as famílias, em vez de usar ferramentas pedagógicas.
"Enquanto
uma série de profissionais no meio de uma pandemia está fazendo seu
trabalho de casa e já é difícil, o professor ainda está tendo de se
reinventar completamente", diz a diretora executiva do Instituto
Península, Heloisa Morel. "Imagine a sobrecarga e o estresse." Desde
meados de março, quando as aulas foram paralisadas, as secretarias de
Educação têm oferecido programas a distância, alguns pela TV, e feito
parcerias para usar ferramentas online. "Mas é preciso uma organização
maior para que o professor entenda o que ele tem de fazer."
A
professora Márcia Cristina Amorim Chagas, de 50 anos, decidiu gravar
vídeos com o celular no sítio onde mora em Itapecerica da Serra. É a
filha de 17 anos que faz as filmagens, "quando está de bom humor",
brinca. Em um deles, Márcia teve a ideia de mostrar aos alunos como as
cinzas das queimadas podem ajudar a adubar a terra para plantar
cebolinha. Depois, o material vai sempre por WhatsApp para os pais das
crianças.
Márcia ainda pede que os alunos escrevam ou
gravem em áudio o que aprenderam. "Uso o meu celular, com a minha
internet, que às vezes não funciona, e meu computador que paguei durante
dois anos", diz ela, que dá aulas para 4.º e 5.º ano em uma escola
estadual na Vila Madalena, zona oeste. "Eu trabalho numa escola integral
e tive alguma formação em tecnologia, mas, para o que estamos
precisando agora, o que aprendi foi mínimo." A professora diz que ainda
não conseguiu usar com suas turmas o Centro de Mídias, plataforma criada
pelo governo do Estado para o ensino remoto durante a pandemia.
Na rede particular, o WhatsApp é menos comum e 56% disseram usar o
aplicativo de mensagens para se comunicar com o aluno. Mais frequente é a
comunicação por meio de plataformas da escola. Mesmo assim, o
sentimento de despreparo diante do desafio de ensinar online é o mesmo.
"As coisas foram impostas de um dia para o outro, com o isolamento.
Ninguém teve tempo de se preparar", diz a professora de ensino
fundamental de uma escola particular de elite da capital, que pediu para
seu nome não ser divulgado. Ela dá aulas para a fase de alfabetização e
passou a criar jogos em aplicativos, com quebra-cabeça, localização de
palavras, para seus alunos. "Estamos fazendo o melhor possível, mas não é
nem de longe o que a gente entende por educação. Isso é bastante
angustiante."
A presidente executiva do Todos Pela Educação,
Priscila Cruz, diz que poucas secretarias de Educação ou mesmo escolas
particulares no País deram formação ou infraestrutura para professores
em aulas não presenciais. A maioria dos profissionais tem usado seus
próprios computadores, Wi-Fi ou celulares. "Não há preparação para aulas
a distância e que são muito diferentes das presenciais. Não é intuitivo
saber o que fazer online para assegurar a aprendizagem dos alunos",
diz. "Os professores estão indo na tentativa e erro. E isso tem causado
ainda mais estresse a um profissional que está sendo muito demandado
nesse período."
Emocional
A pesquisa ainda
mostra que o cenário inclui uma saúde mental já prejudicada do
professor. Quase 70% deles se disseram ansiosos e só 3%, realizados. E a
maioria (75,2%) relatou que não recebeu até agora nenhum apoio
emocional da escola em que trabalha. Mesmo em redes particulares, as
equipes costumam se reunir online para discutir as abordagens
pedagógicas durante a pandemia, mas raramente há grupos com psicólogos
para que os professores possam expor o que sentem.
Em documento
divulgado pelo Todos pela Educação na semana passada, o impacto
emocional em professores foi um dos pontos principais apontados para que
as escolas se preocupem na volta às aulas. O grupo de especialistas que
analisou 43 pesquisas sobre momentos semelhantes ao atual, como
desastres e guerras, diz que o suporte psicológico para professores é
crucial porque, além de serem diretamente impactados pela crise,
precisarão atuar na minimização dos efeitos sentidos pelos alunos.
A pesquisa "Sentimento e percepção dos professores brasileiros nos
diferentes estágios do coronavírus no Brasil", do Instituto Península,
ouve profissionais desde março e continuará até o fim da crise.
Participaram nesta etapa 7.734 professores de escolas públicas e
particulares do País, entre os dias 13 de abril e 14 de maio.
As
informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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