Damir Sagolj/Reuters
O Ministério da Saúde cortou ao menos R$ 12 milhões dos recursos para
diálise em março e abril. Com menos verba e mais demanda, clínicas
conveniadas ao SUS, que dependem do repasse, não conseguem atender todos
os pacientes e faltam equipamentos de proteção contra o coronavírus.
Cerca de 3.000 pessoas aguardam na fila por uma vaga para realizar o
tratamento.
O procedimento funciona como uma substituição artificial dos
rins: o equipamento recebe o sangue do paciente por um acesso vascular,
que é exposto à solução de diálise (dialisato) através de uma membrana
semipermeável que retira o líquido e as toxinas em excesso e devolve o
sangue limpo para o paciente. E o setor funciona basicamente com
clínicas financiadas pelo Sistema Único de Saúde.
O corte foi
feito porque uma portaria do Ministério da Saúde, de 1º de abril,
estabeleceu que durante 90 dias a transferência de recursos para os
estabelecimentos de saúde seria feita com base na média dos gastos dos
últimos 12 meses. Isso porque alguns hospitais passaram a gastar menos
durante a pandemia, já que deixaram de fazer cirurgias eletivas, por
exemplo.
Não é o caso das clínicas de diálise. Algumas, ao
contrário, chegaram a dobrar a capacidade de atendimento para dar conta
da demanda. No Parana, por exemplo, em apenas duas clinicas, os cortes
ja chegam a quase R$ 1 milhão. Em São Paulo, apenas três clinicas somam
mais de R$ 300 mil de cortes.
Além de, há quatro anos esses
estabelecimentos já não terem reajuste no valor da tabela do SUS, o novo
coronavírus pode causar comprometimento dos rins.
De
acordo com a Sociedade Americana de Nefrologia, a estimativa é que 20% a
40% dos pacientes internados -e portanto, em estado grave- sofram com
alguma alteração no órgão.
Parte dos pacientes que se recuperam da
Covid-19 seguem com insuficiência renal aguda ou crônica grave, quando a
hemodiálise é necessária. No Brasil, são mais de 140 mil pacientes
renais crônicos, além dos suspeitos ou contaminados com o novo
coronavírus.
"As clínicas foram gravemente atingidas pela crise do
coronavírus. Além do reajuste dos insumos e EPIs [equipamentos de
proteção individual], foram feitas novas contratações para atender os
pacientes com suspeição ou confirmação da doença, que precisam ficar
isolados", explica o presidente da Associação Brasileira dos Centros de
Diálise e Transplante (ABCDT), Marcos Alexandre Vieira.
Vieira reforça que a população dialítica, já considerada de alto
risco e constituída em grande parte por pacientes diabéticos e com
comorbidades, precisa manter tratamento que é feito três vezes por
semana, durante cerca de quatro horas.
"São pessoas que não podem
estar em isolamento na pandemia, porque precisam ir à clínica. Se não
fizer a hemodiálise, morre. É uma questão de sobrevivência", diz
Humberto Floriano Mendes, diretor da Fenapar (Federação Nacional das
Associações de Pacientes Renais e Transplantados do Brasil).
De
acordo com dados do próprio Ministério da Saúde, só 8,75% dos municípios
têm a tecnologia que "imita" a função dos rins. Além da parcela
significativa de cidades sem aparelhos, há também uma má distribuição
deles: quase metade (47,5%) das 29.849 máquinas está no Sudeste.
Um
projeto de lei na Câmara dos Deputados propõe que o governo federal
pague uma fatura extra mensal para custear o aumento dos custos dos
insumos da dialise, no valor de R$ 257 milhões para o conjunto das
clínicas de diálise que oferecem serviços para o SUS. O montante, que
considera em torno de R$ 2.250 por paciente, faria frente aos custos dos
quatro primeiros meses da pandemia -o período de 15 março de 2020 a 15
de julho de 2020.
Renata Carvalho, 41, faz hemodiálise e
representa a Associação dos Renais Crônicos do Amazonas (Arcam). Ela
conta que tem paciente de cidades menores que precisa buscar tratamento
em Manaus, após uma viagem de 4h e não têm máscaras suficientes para
cumprir o procotolo de saúde -o item não foi fornecido.
O estado, que enfrenta uma grave crise sanitária, tem apenas 273 máquinas de hemodiálise, sendo que 272 delas estão na capital.
"As
clínicas já estavam superlotadas e não estavam preparadas. A
contaminação foi muito rápida e perderam muitos pacientes. Um turno de
médicos chegou a perder todos os setes pacientes. Hoje eu soube de mais
três [vítimas da Covid-19]", conta.
Ela diz que precisou trocar o
transporte público por uma van da prefeitura para ir à clínica. "Eu não
facilito, passo álcool em gel, uso máscara sempre. Tenho muito medo.
Manaus está em colapso e temos a imunidade muito baixa. Quando um
paciente renal se contamina, as chances de volta da UTI [Unidade de
Tratamento Intensivo] são mínimas."
OUTRO LADO
Procurado, o
Ministério da Saúde afirmou que busca garantir a assistência adequada
aos pacientes que precisam continuar o tratamento com diálise e
hemodiálise.A pasta informa que, em abril, repassou R$ 37 milhões de
recursos adicionais para os gestores estaduais e municipais
complementarem os custos pelo descarte de linhas de diálise e
dialisadores após uso único em pessoas com suspeita ou confirmação da
Covid-19.
Sobre a lei que diminuiu a verba para estabelecimentos
de saúde, a pasta afirma que com a pandemia "os atendimentos poderiam
ter alguma queda, o que impactaria no valor a ser recebido pelas
instituições. Ou seja, a medida visa evitar perdas e garantir a
continuidade do tratamento".
O ministério afirma ainda ter transferido R$ 5 bilhões para apoiar
estados e municípios no enfrentamento à Covid-19. E que a verba pode ser
repassada para cobrir o montante extrapolado de setores específicos que
aumentaram os gastos, como as clínicas de diálise.
FOLHAPRESS
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