As disputas municipais deste ano estão sendo marcadas pelas lives, pelas restrições impostas pela pandemia da covid-19 e por uma velha tradição brasileira. De janeiro até agora, 76 brasileiros foram assassinados por motivações políticas. Monitoramento feito pelo Estadão revela que pelo menos 16 deles eram pré-candidatos e candidatos a vereador e dois disputavam o cargo de prefeito. O número ultrapassa a média de 52 mortes políticas nos dez processos de eleições municipais do atual período democrático – em 1985, ocorreram disputas para apenas 201 prefeituras, incluindo as capitais.
Ao longo de todo o ano de 2016, 100 pessoas foram assassinadas em conflitos de poder político no País, número superior aos registrados em 2012 (94), 2008 (82) e 2004 (31). Esses números ilustram um quadro eleitoral composto por milícias nas periferias das cidades, grupos de matadores no interior e a ausência do Poder Público no combate específico à violência política. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Ministério Público não apresentam estatísticas de mortes próximas da realidade nem monitoram processos de casos de assassinatos no setor.
Antes do avanço da covid-19, já havia uma tendência de elevado número de mortes políticas em 2020. Isso porque, no ano passado, 44 pessoas foram assassinadas em decorrência das discussões de poder, uma prévia do drama do ano eleitoral. Esse número ultrapassou os 37 registros de 2015, período anterior ao processo de maior índice de homicídios políticos.
Uma live transmitida numa rua do centro de Patrocínio, também em Minas, resultou em outra tragédia. Em setembro, o candidato a vereador Cássio Remis, 37 anos, do PSDB, foi morto a tiros por João Marra, secretário de Obras e irmão do prefeito Deiró Marra, do DEM. A família era acusada pelo tucano de usar máquinas da prefeitura em fazenda particular. Em entrevista coletiva, o prefeito anunciou que manteria a campanha à reeleição. Ele ressaltou que não podia ser responsabilizado pelo ato de João, que está preso. “Isso aqui não tem nada a ver com a campanha. Foi uma tragédia. Eu me enluto com a família. É um fato que fatalmente pode acontecer com qualquer um, qualquer cidadão”, afirmou.
Pré-candidato a vereador, o mototaxista e pequeno empresário Leandro Xavier, de 34 anos, escreveu no Facebook que pretendia renovar a política em Ituiutaba, no Triângulo Mineiro. Ele prometeu combater a corrupção e dar “visibilidade total” ao seu mandato nas redes sociais. Mais tarde, uma seguidora registrou que o filiado do PSC, dono de uma distribuidora de gás na cidade, acabava de ser morto a tiros dentro do estabelecimento. Quase cinco meses depois do crime, ocorrido em junho, a Polícia Civil divulgou que o mandante foi Francisco Thomaz, do PTB, presidente da Câmara Municipal. O parlamentar negou a acusação.
As mortes não ocorrem apenas pelo calor das discussões nas redes sociais e nos grupos de WhatsApp. Na tarde do último domingo, o estudante Samuel Souza Leal, 19 anos, foi esfaqueado até a morte após uma carreata dos candidatos do PTB em Ribeiro Gonçalves, no Piauí. A principal linha de investigação da Polícia Civil aponta que Samuel morreu durante discussão política com um tio. O petebista João Antunes, candidato a prefeito, disse em nota que o crime não tem relação com a carreata.
No dia 15 deste mês, na cidade de Gurupi, Tocantins, Lucas Alves Araújo, de 21 anos, estava num bar próximo ao comício de candidatos do PSB quando um homem se aproximou e o metralhou. Ainda no dia 3, o agricultor José dos Prazeres Marques, de Olho D’água das Flores, sertão de Alagoas, foi morto por um segurança da prefeitura durante um comício.
A matança das eleições desde ano ainda pode levar meses. O fechamento das urnas e o anúncio dos vencedores estão longe de representar o fim das mortes políticas em decorrência da disputa de um determinado processo de disputa. Uma segunda onda de violência ocorre no ano posterior ao dos pleitos nas cidades. É quando agiotas começam a cobrar a juros o dinheiro emprestado a candidatos. Geralmente morre o eleito que se recusa a não dar cargos e destinar verbas para saldar a dívida e o perdedor endividado. Em 2017, por exemplo, 58 pessoas foram assassinadas por motivações políticas nos municípios.
Os Estados com mais casos de mortes políticas são o Rio (26 casos), Pará (8), São Paulo (6) e Alagoas (5). A atuação das milícias cariocas contribuiu para o número elevado de homicídios nos últimos anos. Em outubro, Domingos Barbosa Cabral (DEM) e Mauro Miranda da Rocha (PTC), candidatos a vereador em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, foram assassinados. A polícia apontou que os crimes estão ligados a uma disputa de milicianos por território. A repressão aos possíveis envolvidos nos assassinatos foi sangrenta. Duas operações da Polícia Civil e da Polícia Rodoviária Federal para prender suspeitos resultaram na morte de quase duas dezenas de milicianos, que entraram em combate com a tropa legal.
Há sete anos, o Estadão monitora casos de assassinatos de agentes políticos ocorridos desde a Lei de Anistia, em 1979. São homicídios para garantir espaço na máquina pública e nas entidades sociais, vingar a morte de um aliado ou tirar do jogo uma testemunha. O levantamento não inclui casos passionais e latrocínios envolvendo políticos. O trabalho pioneiro na área acompanha informações de tribunais de Justiça, cartórios, organizações de direitos humanos e canais de partidos políticos e entidades comunitárias. Os números podem ser corrigidos a cada nova informação histórica.
Ao longo dos períodos de abertura e democracia (de 1979 adiante), 1.569 pessoas foram mortas por motivações políticas no País. É uma morte a cada 9,5 dias. Em 2013, quando o jornal divulgou o levantamento pela primeira vez, um assassinato ocorria a cada 11 dias. Numa análise histórica, a violência encurtou em 36 horas a trégua média na batalha sangrenta.
Estadão Conteúdo
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