“Salvei a vida do meu ex-noivo, depois de ele me abandonar no hospital baleada”
A bombeira civil Maria Emanuelle de Oliveira Costa, 22 anos, de Caicó,
Rio Grande do Norte, foi baleada e ficou entre a vida e a morte. Quando
Júlio, seu noivo, a viu no hospital e entendeu que ela podia ficar com
sequelas, a largou sem nem satisfação dar. O destino, então, usou toda a
sua ironia fazendo com Maria Emanuelle cuidasse da mulher de Júlio (com
quem ele a havia traído, enquanto estavam juntos), na hora do parto.
Anos depois, a bombeira ainda salvou a vida do ex-noivo em uma
transfusão de sangue emergencial.
“Eu tinha 12 anos quando
conheci Júlio e me apaixonei. Ele, 19. Começamos a ficar quando eu
estava com 13 e, aos 15, ele me pediu em namoro oficialmente. No começo,
houve muita resistência por parte dos meus pais. Mas minha avó
interviu. Disse que era melhor apoiar e me monitorar do que me deixar
sair escondida. Ele era um cara romântico, parceiro, maravilhoso. Vivia
dizendo que me amava, mandava flores, chocolates, fazia planos de casar
comigo... Até os nomes de nossos possíveis filhos já tínhamos
escolhidos. Assim, no dia do meu aniversário de 16, 26 de fevereiro de
2013, ficamos noivos.
Em julho do mesmo ano, fui assaltada na
minha cidade, Currais Novos, no interior do Rio Grande do Norte. Mesmo
entregando tudo que tinha aos dois bandidos que me abordaram de moto,
levei dois tiros no pulmão. Chegando no hospital, acharam o contato do
Júlio na agenda do meu celular e ligaram para ele. Mas meu noivo,
segundo me contaram depois, agiu com frieza ao receber a notícia. E,
talvez tentando passar o problema – no caso, eu – adiante, avisou aos
meus pais. Mesmo sabendo que estava entre a vida e a morte, com duas
hemorragias internas. Naquele dia, nem me visitar foi. Dos sete em que
fiquei internada, só ficou comigo 20 minutos. Tempo suficiente para me
perguntar se eu voltaria a falar corretamente e se, por causa das balas
que ficaram alojadas no meu pulmão, poderíamos ter um filho saudável.
Dias depois, amigos em comum contaram que, no dia do meu assalto,
enquanto eu estava indo pra igreja que frequentava na época, ele estava
numa festa de vaquejada, tradição em Currais Novos, com outra mulher. No
dia seguinte, ela ainda postou fotos dos dois se beijando, que eu mesma
vi depois. Fiquei péssima, aquilo me destruiu por dentro.
Quando
tive alta, precisei ir à Natal, onde os hospitais eram melhores, fazer
exames mais específicos. Quando cheguei lá, ele me mandou uma mensagem:
‘Vida que segue’, dizia. Depois disso, nunca mais me atendeu.
Simplesmente sumiu da minha vida. Passei mais dois meses bem difíceis me
recuperando do assalto em casa. E ainda tinha que lidar com o fim do
meu namoro e a traição.
A vida realmente seguiu. Embora com
algumas sequelas, dei a volta por cima. Em setembro de 2016, estava em
um barzinho com uma turma de amigas e conheci Mário. Ele mandou um
bilhetinho fofo e uma cerveja pelo garçom, e juntamos as mesas e ficamos
conversando. Logo engatamos um namoro e um ano depois, passei mal em
casa e, no hospital, descobri que estava grávida de quase nove meses.
Mariana Luíza nasceu 14 dias depois. Tive menos de duas semanas para
fazer o enxoval, arrumar o quartinho dela e me preparar psicologicamente
para ser mãe.
Por ironia do destino, três anos depois de o Júlio
ter terminado comigo, seu filho com a tal mulher com quem ele me traiu
no dia em que fui baleada nasceu praticamente nas minhas mãos. Na época,
eu já era bombeira civil. Trabalhava como socorrista, quando recebi a
ocorrência de uma gestante que estava passando mal na rua. Na hora do
atendimento, a reconheci -- mas acredito que ela, em meio a tanta dor,
não. Foi um corre-corre, mas deu tempo de leva-la até o hospital. Fui eu
que dei a mão e tranquilizei a mulher que me colocou um par de chifres,
até que a maca socorrista fosse liberada. Quando Júlio chegou à
maternidade e me viu, ficou paralisado.
E a história não acabou
aí. Tivemos um novo encontro, eu e ele, de forma também muito inusitada e
inesperada. Em 2018, Júlio sofreu um grave acidente de moto e precisou
de doação de sangue para ser operado. O hemocentro da cidade estava
totalmente zerado e ele corria risco de vida, caso a transfusão de
demorasse. A irmã do Júlio, com quem nunca deixei de falar, me contou do
ocorrido e, sabendo que nós tínhamos o mesmo tipo sanguíneo, me pediu
para doar meu sangue para o irmão. Doei sem nem pensar duas vezes. O
importante era salvar aquela vida. Ali, aprendi, de fato, o significado
da palavra compaixão. Ao me tornar bombeira, fiz um juramento que daria
minha própria vida para salvar outras se fosse preciso. E assim, tenho
feito, independentemente de quem seja.”
REVISTA MARIE CLAIRE.
*Via Lucineide Medeiros