Há 14 anos, a comerciante Francisca das Chagas atua na Rua São Pedro,
uma das principais vias do município de Caiçara do Norte, situado na
faixa litorânea Norte do potiguar. Ao longo desse período, ela tem
observado o contínuo avanço do mar, especialmente nas proximidades de
residências e estabelecimentos comerciais. O medo dela e de tantos
outros moradores é de serem obrigados a sair da região por conta do
aumento do nível do mar.
“É muito preocupante. Já entrou água no comércio e tivemos uns
pequenos danos e já pensei até em mudar de local por conta desse avanço
do mar, que está bem próximo do meu comércio”, disse a comerciante.
A situação também preocupa outro morador da região. Herlon Varela é
militar reformado da Marinha do Brasil e tem alguns imóveis próximos a
praia. Ele conta que durante mais de 10 anos que vive no local, já
presenciou diversos estragos provocado pelo avanço do mar.
“Tenho me preocupado bastante com o avanço do mar desde 2012, quando
adquiri o meu primeiro terreno, um ponto já com resquício da erosão do
mar. Nesse primeiro terreno em 2018 teve uma ressaca brutal derrubando
toda estrutura da área que dá acesso à praia”, contou o militar.
A cada mês que passa, as preocupações dos moradores de Caiçara do
Norte, a 160 km de Natal, aumentam em relação ao avanço marítimo.
A força da água já atingiu casas, comércios e até escola da cidade.
Com a acelerada aproximação do mar, a Defesa Civil tem monitorado os
imóveis com objetivo de avaliar o comprometimento das casas e comércios e
orientar a população sobre os riscos e cuidados necessários para evitar
acidentes.
“Hoje nossa principal preocupação é o avanço do mar, porque afeta
diretamente grande parte de nossa população, principalmente quem mora na
rua São Pedro. Nela temos casas, ranchos, escola, comércios que correm
risco de serem derrubados com o avanço do mar”, disse o coordenador da
Defesa Civil de Caiçara do Norte, Itelmar Castro.
Segundo dados da Defesa Civil Municipal, até hoje, cerca de 100
imóveis já foram interditados. Alguns desses tiveram que ser derrubados
por estar totalmente comprometidos e oferecer risco à população.
No decorrer dos anos, de acordo com o órgão, a Defesa tem trabalhado com a prefeitura para realizar trabalhos paliativos.
“Nós temos colocado pedras grande, de aproximadamente 2 toneladas
para evitar ainda mais a erosão e em paralelo, estamos buscando recursos
junto ao Governo Federal para fazermos a contenção do mar”, disse
Itelmar.
De acordo com a gestão municipal de Caiçara do Norte, a prefeitura
tem trabalhado para diminuir os impactos do avanço e também, buscado
junto aos órgãos federais recursos para iniciar trabalhos de contenção
na orla. “Em relação às preocupações, esse é o principal desafio da
gestão, sanar esse problema. Desde o primeiro ano de mandato, nós
estamos trabalhando junto ao Governo Federal para conseguir recursos
para a contenção do mar. Já montamos os projetos, estamos esperando e
aguardando a aprovação do governo, bem como as licenças, as autorizações
da Capitania dos Portos, a liberação de uma média de 6 milhões de reais
para fazer o trabalho de contenção do avanço do mar”, afirmou o
Secretário de Administração do município, Diego Souza.
Efeitos das mudanças climáticas
Para o pesquisador Venerando Amaro, professor titular do Departamento
de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte (UFRN), a aproximação do mar na encosta litorânea do Rio Grande
do Norte tem forte influência das mudanças climáticas.
“Chamamos esses episódios de inundação marinha, quando o mar propaga
sobre o continente. É o mesmo que dizer que o continente está em
retração. O fato é que se trata de um interação sinérgica entre forças
oceânicas, ventos, ondas, correntes e marés e continentais que são
chuvas, escoamento superficial, que tem se intensificado com as mudanças
climáticas”, explicou o pesqusiador.
Atrelado as condições naturais do meio ambiente, o pesquisador
destaca o impacto direto das ações humanas, que contribuem para que as
destruições aconteçam de forma recorrente.
“A construção de cidades muito próximas à linha de costa,
desmatamento, equipamentos e infraestruturas inadequadas, aceleram a
erosão. A inundação e a erosão estão associadas: a perda por erosão das
praias arenosas, dos manguezais, e a instalação de muita infraestrutura
rígida na orla, potencializam a erosão e, consequentemente, a
inundação”, afirmou Venerando.
Venerando faz parte de um grupo de trabalho composto por outros
pesquisadores e alunos com foco em analisar o comportamento das erosões,
principalmente no litoral potiguar. Através dos estudos, o pesquisador
aponta que outras cidades litorâneas do RN podem sofrer as consequências
do avanço do mar.
“As cidades do litoral setentrional como Grossos, Areia Branca,
Macau, Guamaré, Galinhos, e também as que estão localizadas em regiões
baixas e planas como Touros, Barra de Maxaranguape, Natal, Barra do
Cunhaú Caiçara têm, sim, a probabilidade de inundação com risco de
perderem infraestrutura pública e privada instalada na orla marítima,
terem ruas e terrenos invadidos pelo mar colocando em risco também os
sistemas de drenagens, a salinização de aquíferos costeiros, e até mesmo
perderem em definitivo setores próximos à linha de costa, ocasionando a
necessidade de deslocamento de pessoas”, finalizou Amaro.
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