quarta-feira, 23 de outubro de 2019

Ministério Público luta para acabar com lixões a céu aberto no RN, Santana do Matos está no acordo para aterros controlados

 Lixão Santana do Matos

Acabar com os lixões a céu aberto, dar um destino correto aos detritos domésticos produzidos nos 167 municípios do Rio Grande do Norte e, consequentemente, proporcionar uma condição de vida mais digna às pessoas que sobrevivem do que é jogado fora. Tudo isso faz parte de um projeto pioneiro de preservação ambiental chamado ‘Lixo Negociado’, desenvolvido pelo Ministério Público Estadual por meio do Núcleo Permanente de Incentivo à Autocomposição (Nupa) e pelo Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça de Defesa do Meio Ambiente (Caop Meio Ambiente), em conjunto com o Ministério Público do Trabalho.
O projeto foi criado em julho de 2018 e, desde então, vem colaborando para mudar a forma como os entes públicos lidam com os resíduos sólidos. “Estamos diante de uma realidade que precisa ser alterada urgentemente. Esta é a nossa missão. E é este é o propósito principal do projeto Lixo Negociado”, destacou a promotora Mariana Barbalho, coordenadora do Caop Meio Ambiente.
E a promotora tem razão em estar preocupada. A lei que determina a substituição dos lixões por aterros controlados ou aterros sanitários é de 2014, mas pelo alto custo para a implantação destas unidades, poucos municípios conseguiram se adequar à legislação ambiental.
Antes de a promotora falar sobre o que vem sendo feito para mudar esta realidade, o Agora RN procurou entender o processo. Segundo a Secretaria Estadual do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos (Semarh), um pessoa produz, em média, de 800 gramas a 1 quilo de lixo por dia. Como o Rio Grande do Norte possui cerca de 3,4 milhões de pessoas, logo se entende que todos os dias são produzidos, em média, de 2,72 a 3,4 mil toneladas de lixo. E qual o destino de toda esse material? Vai tudo parar nos 165 lixões a céu aberto que atualmente existem no estado. O pior é que apenas 8% de tudo o que é jogado fora volta ser reutilizado após passar por algum tipo de coleta seletiva. Atualmente, ainda de acordo com a Semarh, 879 pessoas vivem como catadores de lixo em 147 municípios do estado.
Daí a importância do projeto. “Que não é apenas acabar com os lixões ou fazer a lei sair do papel, mas antes de tudo cuidar do meio ambiente, cuidar da saúde das pessoas”, reforçou Mariana.
Com o Lixo Negociado, as prefeituras estão sendo chamadas para celebrar um Termo de Acordo. E os primeiros resultados já podem ser comemorados. Em pelo menos 10 municípios a realidade é outra. Em Ceará-Mirim, Mossoró, Upanema, Riacho da Cruz, Alto do Rodrigues, Acari, Santana do Seridó, Serra Negra do Norte, Santa Cruz e Tenente Ananias, os lixões que outrora atraíam dezenas de pessoas em busca de materiais recicláveis, objetos que pudessem ser revendidos, e até mesmo resto de comida, agora são coisas do passado.
“É claro que o lixo não vai deixar de existir nestas cidades, mas o destino que é dado a ele é que se tornou bem diferente. Invés de ser recolhido e simplesmente despejado em terrenos a céu aberto, nos lixões, os detritos seguem para aterros controlados ou estações de triagem, onde existe uma organização para a separação do que pode ser reaproveitado e do que realmente precisa ser descartado”, acrescentou a assistente ministerial Janny Lima, que também atua no Caop Meio Ambiente.
Entenda
Para uma melhor compreensão, define-se lixão como verdadeiros vazadouros a céu aberto, sem qualquer tratamento. Em outras palavras, são terrenos que servem apenas como depósitos de tudo o que é descartado em residências, indústrias, comércio, hospitais, etc. Enfim, são espaços apresentados como uma falsa solução à população. Inclusive, há muitos lixões clandestinos.
Como essa destinação não possui nenhum controle sanitário de proteção ao meio ambiente, o resultado é que todo esse lixo jogado ao solo de qualquer jeito acaba por contaminar a água, a terra, o ar, o lençol freático, aquíferos próximos, como rios, lagoas e açudes, e ainda atrai vetores de inúmeras doenças. São exemplos a dengue, febre amarela, febre tifoide, cólera, disenteria, leptospirose, malária, esquistossomose, giardíase, peste bubônica, tétano e hepatite A.
Em um aterro sanitário, que é apontado como uma solução apropriada para o lixo, o que se tem é um espaço adequado para a acomodação do lixo residencial e industrial, que são depositados em solos que recebem tratamento, que foram impermeabilizados. Os aterros sanitários também possuem drenagem para o chorume (líquido preto e tóxico que resulta da decomposição do lixo), que também é levado para tratamento, sendo depois devolvido ao meio ambiente sem risco de contaminação, além de captação dos gases liberados, como metano, seguida da sua queima.
Já o aterro controlado, entende-se como um local onde o lixo é colocado de forma controlada, recebendo coberturas de terra. No entanto, os aterros controlados não recebem impermeabilização do solo nem sistema de dispersão de gases e de tratamento do chorume. Enfim, o aterro controlado acaba sendo uma solução paliativa, mas não definitiva.
Aterros sanitários e controlados
Em Ceará-Mirim e Mossoró o lixo é tratado em aterros sanitários, os únicos do estado. Para o aterro de Ceará-Mirim vai a maior parte dos resíduos produzidos na Grande Natal. A unidade funciona por meio de uma Parceria Público Privada envolvendo a empresa Braseco e as prefeituras de Natal, São Miguel do Gostoso, Touros, Maxaranguape, Rio do Fogo, Taipu, Bento Fernandes, Extremoz, Ielmo Marinho, São Gonçalo do Amarante, Macaíba e Parnamirim.
Em Mossoró, a situação é diferente. Como o aterro sanitário foi doado pela Petrobras como compensação pela exploração de Petróleo na região, apenas o lixo da própria cidade é tratado na unidade.
Já nos municípios de Upanema, Riacho da Cruz, Alto do Rodrigues, Acari, Santana do Seridó, Serra Negra do Norte e Santa Cruz, o lixo vai para aterros controlados, que são uma espécie de intermediário entre o lixão e o aterro sanitário.
E ainda tem Tenente Ananias, que é um caso atípico. Lá não existem lixão nem aterros. Por meio de um convênio, a prefeitura recolhe todo o lixo produzido na cidade e leva direto para um aterro sanitário que fica em uma cidade vizinha, na Paraíba.
Natal não aparece na lista de cidades sem lixões por causa da estação de transbordo de Cidade Nova. O fato de os resíduos ainda estarem sendo depositados diretamente no chão é o maior problema, o que causa a contaminação do solo e lençol freático. Em abril, um catador de 19 anos morreu ao ser soterrado por uma pilha de lixo.
O material deveria ter saído dos caminhões de coleta direto para as empilhadeiras, e em seguida já ter seguido viagem para o aterro sanitário da Braseco. E quando isso não acontece, é comum que dezenas de catadores se aventurem sobre os entulhos, pondo suas vidas em risco.
Nova fase
No início deste mês começou uma nova fase do projeto, onde os municípios que estão localizados até 100 quilômetros do aterro sanitário da Braseco foram convidados para firmar o Termo de Acordo. Já assinaram as prefeituras de Monte Alegre, Lagoa Salgada, Brejinho e Pureza.
“Para as cidades que ficam em um raio de até 100 quilômetros do aterro, a nossa proposta é para que se leve os resíduos para a Braseco, já que é um aterro regional. Esta opção não existe nas demais regiões do estado, uma vez que o Rio Grande do Norte não possui outros aterros sanitários regionais. Com isso, queremos mostrar que não é o município que escolhe construir o aterro controlado ou enviar o lixo para a Braseco, isso vai depender de onde o município é localizado”, observou a promotora.
Não basta acabar, tem que recuperar
Não basta acabar com o lixão. Para cumprir o que diz a lei e fazer valer o acordo com o MP, a prefeitura precisa recuperar a área degradada. É o caso de Santa Cruz, que desde o dia 7 deste mês encerrou as operações de despejo de lixo no lixão da cidade. Porém, ainda falta limpar a área.
“É uma das cláusulas do Termo de Acordo. Depois de encerrar a atividade do lixão, tem que cuidar do terreno. E ainda tem que preservar o local para que não seja reutilizado para outras finalidades que possam trazer algum risco para a população. O terreno não pode ser usado para a construção de moradias nem escolas, por exemplo”, ressalta a promotora Mariana Barbalho.
Acordo Firmado x Ação Civil Pública
Além dos 10 municípios que conseguiram erradicar os lixões em seus territórios, outras 74 cidades já assinaram ou estão em vias de assinar o Termo de Acordo com o Ministério Público. A maior parte, 66, se comprometeram em construir aterros controlados. As demais, fecharam parceria com a Braseco e devem passar a levar seus resíduos domésticos para o aterro sanitário em Ceará-Mirim.
Contudo, ainda há prefeituras que parecem não se importar com o problema e insistem em manter os lixões operando. É o caso de 10 municípios que se tornaram alvo de ações civis públicas movidas pela promotoria de Meio Ambiente.
Quando o município não cumpre o que foi acordo, o Ministério Público esclarece que tanto o município quanto o gestor podem ser multados financeiramente, cabendo ao prefeito até uma possível ação criminal pelo descumprimento.
IRREGULARIDADE
O acordo mais recente do projeto firmado com o MP foi assinado com a prefeitura de Monte Alegre. Aconteceu no início desta semana. E o Agora RN, de certa forma, contribuiu para isso. É que a equipe da assessoria ministerial, a pedido da reportagem, foi a Monte Alegre para visitar uma usina de reciclagem que recentemente havia fechado contrato com a prefeitura municipal. O problema foi encontrar um lixão a céu aberto ao lado da usina.
Ficou constatado que a prefeitura havia feito o contrato com a usina para tratar apenas o lixo produzido na zona urbana. Já o lixo da zona rural, estava sendo despejado no lixão, sem cuidado algum.
Enquanto uma queimada destruía o que restava de móveis velhos, roupas, livros, carcaças de animais e até seringas, um dos catadores falou sobre a situação. “Aqui eu tiro o meu pão, o da minha mulher e de meus cinco filhos”, disse Joseilton Gomes.
O homem contou que é natural de Mossoró, mas já estava vivendo do lixão em Monte Alegre fazia quatro anos. “Chego de manhã e vou para casa à noite. Aqui trabalho todos os dias. Não tem essa história de final de semana. Se eu não vier trabalhar, vem outro e pega as coisas na minha frente”, alertou.
“Por coincidência, nesta mesma semana, a prefeitura reconheceu que o fato de o local ser aberto facilita a continuidade do lixão. Portanto, preferiu firmar o acordo. E foi o que ele fez. A partir de agora, a usina vai separar o que é possível ser reciclado, e o restante vai para a Braseco”, acrescentou Janny Lima.

Acordo para aterros controlados
1. Água Nova 2. Alexandria 3. Barcelona 4. Bom Jesus 5. Caiçara do Rio dos Ventos 6. Caicó 7. Campo Grande 8. Campo Redondo 9. Caraúbas 10. Carnaúba dos Dantas 11. Cerro Corá 12. Coronel Ezequiel 13. Coronel João Pessoa 14. Cruzeta 15. Currais Novos 16. Encanto 17. Equador 18. Felipe Guerra 19. Florânia 20. Francisco Dantas 21. Guamaré 22. Ipueira 23. Itaú 24. Jaçanã 25. Jandaíra 26. Janduís 27. Japi 28. Jardim de Angicos 29. Jardim de Piranhas 30. Jardim do Seridó 31. João Dias 32. José da Penha 33. Jucurutu 34. Lagoa de Velhos 35. Lagoa Nova 36. Lajes 37. Lajes Pintadas 38. Luís Gomes 39. Macau 40. Major Sales 41. Monte das Gameleiras 42. Ouro Branco 43. Paraná 44. Parazinho 45. Parelhas 46. Pau dos Ferros 47. Pedra Preta 48. Pilões 49. Poço Branco 50. Rodolfo Fernandes 51. Ruy Barbosa 52. Santana do Matos 53. São Bento do Trairi 54. São Fernando 55. São Francisco do Oeste 56. São João do Sabugi 57. São José do Campestre 58. São José do Seridó 59. São Miguel 60. São Tomé 61. São Vicente 62. Serra de São Bento 63. Serra Negra do Norte 64. Tenente Laurentino Cruz 65. Timbaúba dos Batistas 66. Triunfo Potiguar
Acordo com a Braseco
1. Bento Fernandes 2. Caiçara do Norte 3. Pedra Grande 4. Pureza 5. São Bento do Norte 6. Monte Alegre 7. Lagoa Salgada 8. Brejinho
Respondem a Ação Civil Pública
1. Areia Branca 2. Tibau 3. Grossos 4. Riacho de Santana 5. Rafael Fernandes 6. João Câmara 7. Angicos   8. Afonso Bezerra 9. Fernando Pedrosa 10. Venha Ver

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