O representante de uma vendedora de vacinas afirmou em entrevista
à Folha que recebeu pedido de propina de US$ 1 por dose em troca de
fechar contrato com o Ministério da Saúde.
Luiz Paulo Dominguetti Pereira, que se apresenta como representante
da empresa Davati Medical Supply, disse que o diretor de Logística do
Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias, cobrou a propina em um
jantar no restaurante Vasto, no Brasília Shopping, região central da
capital federal, no dia 25 de fevereiro.
Roberto Dias foi indicado ao cargo pelo líder do governo de Jair
Bolsonaro na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR). Sua nomeação ocorreu em 8
de janeiro de 2019, na gestão do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta
(DEM). A Folha buscou, sem sucesso, contato com Dias na noite desta
terça. Ele não atendeu as ligações.
A empresa Davati buscou a pasta para negociar 400 milhões de doses da
vacina Astrazeneca com uma proposta feita de US$ 3,5 por cada (depois
disso passou a US$ 15,5). “O caminho do que aconteceu nesses bastidores
com o Roberto Dias foi uma coisa muito tenebrosa, muito asquerosa”,
disse Dominguetti.
A Folha chegou a Dominguetti por meio de Cristiano Alberto Hossri
Carvalho, que se apresenta como procurador da empresa no Brasil e também
aparece nas negociações com o ministério. Segundo Cristiano,
Dominguetti representa a empresa desde janeiro.
“Eu falei que nós tínhamos a vacina, que a empresa era uma empresa
forte, a Davati. E aí ele falou: ‘Olha, para trabalhar dentro do
ministério, tem que compor com o grupo’. E eu falei: ‘Mas como compor
com o grupo? Que composição que seria essa?'”, contou.
“Aí ele me disse que não avançava dentro do ministério se a gente não
composse com o grupo, que existe um grupo que só trabalhava dentro do
ministério, se a gente conseguisse algo a mais tinha que majorar o valor
da vacina, que a vacina teria que ter um valor diferente do que a
proposta que a gente estava propondo”, afirmou à Folha o representante
da empresa.
Dominguetti deu mais detalhes: ”A eu falei que não tinha como, não
fazia, mesmo porque a vacina vinha lá de fora e que eles não faziam, não
operavam daquela forma. Ele me disse: ‘Pensa direitinho, se você quiser
vender vacina no ministério tem que ser dessa forma”.
A Folha perguntou então qual seria essa ‘forma’. “Acrescentar 1
dólar”, respondeu. Segundo ele, US$ 1 por dose. “E, olha, foi uma coisa
estranha porque não estava só eu, estavam ele [Dias] e mais dois. Era um
militar do Exército e um empresário lá de Brasília”, ressaltou
Dominguetti.
Questionado se teria certeza que o encontro foi com o diretor de
Logística do ministério, Dominguetti respondeu: “Claro, tenho certeza.
Se pegar a telemetria do meu celular, as câmeras do shopping, do
restaurante, qualquer coisa, vai ver que eu estava lá com ele e era ele
mesmo”.
“Ele [Dias] ainda pegou uma taça de chope e falou: ‘Vamos aos
negócios’. Desse jeito. Aí eu olhei aquilo, era surreal, né, o que
estava acontecendo.”
“Eu estive no ministério, com Élcio [Franco Filho,
ex-secretário-executivo do ministério], com o Roberto, ofertando uma
oferta legítima de vacinas, não comprou porque não quis. Eles validaram
que a vacina estava disponível.”
Segundo Dominguetti, o jantar ocorreu na noite do dia 25 de
fevereiro, na véspera de uma agenda oficial com Roberto Dias no
Ministério da Saúde e um dia após o país ter atingido a marca de 250 mil
mortos pela pandemia do coronavírus.
“Fui levado com a proposta para o ministério e chegando lá, faltando
um dia antes de eu vir embora, recebi o contato de que o Roberto Dias
tinha interesse em conversar comigo sobre aquisição de vacinas”, disse.
“Quando foi umas 17h, 18h [do dia 25], meu telefone tocou. Me
surpreendi que a gente ia jantar. Fui surpreendido com a ligação de que
iríamos encontrar no Vasto, no shopping. Cheguei lá, foi onde conheci
pessoalmente o Roberto Dias”, afirmou.
Dominguetti disse que recusou o pedido de propina feito pelo diretor da Saúde.
“Aí eu falei que não fazia, que não tinha como, que a vacina teria
que ser daquela forma mesmo, pelo preço que estava sendo ofertado, que
era aquele e que a gente não fazia, que não tinha como. Aí ele falou que
era para pensar direitinho e que ia colocar meu nome na agenda do
ministério, que naquela noite que eu pensasse e que no outro dia iria me
chamar”.
Dominguetti continuou então o relato daqueles dois dias. “Aí eu
cheguei no ministério para encontrar com ele [Dias], ele me pediu as
documentações. Eu disse para ele que teriam que colocar uma proposta de
compra do ministério para enviar as documentações, as certificações da
vacina, mas que algumas documentações da vacina eu conseguiria
adiantar”, afirmou.
Segundo ele, o encontro na Saúde não evoluiu. “Aí ele [Dias] me
disse: ‘Fica numa sala ali’. E me colocou numa sala do lado ali. Ele me
falou que tinha uma reunião. Disso, eu recebi uma ligação perguntando se
ia ter o acerto. Aí eu falei que não, que não tinha como.”
“Isso, dentro do ministério. Aí me chamaram, disseram que ia entrar
em contato com a Davati para tentar fazer a vacina e depois nunca mais.
Aí depois nós tentamos por outras vias, tentamos conversar com o Élcio
Franco, explicamos para ele a situação também, não adiantou nada.
Ninguém queria vacina”, afirmou.
Segundo ele, Roberto Dias afirmou que “tinha um grupo, que tinha que
atender a um grupo, que esse grupo operava dentro do ministério, e que
se não agradasse esse grupo a gente não conseguiria vender”.
Questionado pela Folha sobre que “grupo” seria esse, ele respondeu:
“Não sei. Não sei quem que eram os personagens. Quando ele começou com
essa conversa, eu já não dei mais seguimento porque eu já sabia que o
trem não era bom”.
FolhaPress