Barragem de Oiticica, que quando
concluída vai armazenar até 600 milhões de metros cúbicos de água no
município de Jucurutu-RN, entra em nova fase com o avanço de obras
sociais, com a conclusão da nova Barra de Santana. A previsão é
acontecer a transferência das famílias das áreas que serão alagadas no
primeiro trimestre de 2022.
Na missa celebrada na quinta-feira
(23) à noite por D. Antônio Carlos em Barra de Santana, a esperança dos
mais de 800 moradores dividiu espaço com a certeza de que este deverá
ser o último Natal na comunidade, porque em 2022 as festividades serão
celebradas em um outro local, com moderna infraestrutura urbana –
escola, creche, posto de saúde, área de lazer, água encanada e
esgotamento sanitário – chamada Nova Barra de Santana, a 25 quilômetros
de Jucurutu.
A transferência será feita no primeiro
trimestre de 2022, conforme o plano de remoção das famílias que vivem na
área inundável da Barragem Oiticica, encerrando oito anos de
expectativas e incertezas. “Em anos anteriores a gente sempre ouvia
dizer: este será o último Natal na comunidade e não era. Mas este ano
está diferente, parecendo que vai mesmo ser o último”, comentou a
moradora Reinailza Carla Pereira de Medeiros, antes de ler o poema “No
Dia que Eu for Embora”, exaltando as boas memórias do local.
“A barragem representa a redenção
hídrica do Seridó. Ela é fundamental para garantir o abastecimento de
Caicó, de Currais Novos, de dezenas de outras cidades da região, além de
trazer benefícios sociais e econômicos para mais de meio milhão de
pessoas. É uma luta de décadas da qual me orgulho de ter participado
como parlamentar e, agora, como governadora”, disse a professora Fátima
Bezerra, destacando o papel da Igreja e dos movimentos sociais e a
parceria da bancada potiguar – destinando recursos de emendas
parlamentares -, para a consolidação do projeto.
Os comerciantes Lúcia e Sales estão na
lista dos 880. Ele é dono de um bar; ela de uma loja de confecções. O
microempreendedor Janúncio Medeiros também. Janúncio tem uma padaria que
processa meia tonelada de farinha de trigo por dia. Faz pão, bolacha e
biscoito e tem um ponto de venda de seus produtos em Barra de Santana.
Quase todos os comerciantes já receberam
indenização dos imóveis que vão ficar submersos quando a barragem
encher, e agora aguardam autorização para construir os pontos comerciais
no local onde passarão a morar.
Nova Barra de Santana terá 177
residências permutadas e 41 de inquilinos, totalizando 218 moradias. Os
proprietários de imóveis rurais situados na bacia hidrográfica (área
inundável) serão transferidos para as quatro agrovilas do projeto
Oiticica. A primeira dela, a Jucurutu, está em fase final de construção.
São 14 lotes destinados a famílias de Carnaúba Torta.
No final de setembro, o Movimento dos
Atingidos e Atingidas pela Construção da Barragem de Oiticica fez uma
sondagem, junto aos moradores. Mais de 90% querem ser transferidos para o
novo lugar o quanto antes. “A Nova Barra de Santana está bonita, bem
planejada. Tem casas, escola, creche, posto de saúde, equipamentos
comunitários novos, ruas calçadas, saneamento básico. Eles querem estar
lá até maio de 2022”, explica Procópio Lucena, um dos líderes do
movimento.
A transferência ainda depende de
questões de ordem jurídica, intervenções em obras físicas, ligação de
água tratada e fornecimento de energia elétrica. Para garantir o
abastecimento de Nova Barra e de outras comunidades rurais no entorno da
barragem, o trecho da parede que funciona provisoriamente como
sangradouro foi elevado em mais quatro metros, após negociações com os
movimentos sociais. Isso permitirá que a capacidade atual passe de 5
milhões para 12 milhões de metros cúbicos. O reservatório será usado
como ponto de captação para alimentar as adutoras do Projeto Seridó que
vão levar água para as cidades e comunidades rurais da região.
“A Barragem de Oiticica está tomando
forma em todos os aspectos, tanto físico quanto social. Precisamos
enfatizar o esforço que tem sido feito pela governadora Fátima Bezerra
desde o início de sua administração”, afirmou o secretário estadual de
Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semarh), João Maria Cavalcanti, que
representou a governadora Fátima Bezerra na celebração religiosa em
Barra de Santana. “O compromisso do Governo do Estado é que só feche
totalmente a parede quando não houver nenhuma família em sua bacia
hidráulica”, assegura João Maria. “Tudo aqui foi feito com muita
negociação, debate, discussões e até sofrimento”, complementa Procópio
Lucena.
Sonhos antigos
O projeto Oiticica é tão antigo quando o
da Barragem Armando Ribeiro, construída 100 quilômetros adiante no
mesmo leito do Rio Piranhas e inaugurada em 1983. Oiticica surgiu na
década de 1950, ficou em engavetado por 40 anos até ser resgatado em
1990, quando houve a primeira tentativa de montagem do canteiro de obras
pela empresa vencedora da licitação, a Odebrecht. Mas problemas
técnicos e ambientais colocaram o projeto novamente em compasso de
espera.
Em 2008, quando as águas da sangria da
Armando Ribeiro inundaram cidades do Vale do Açu deixando milhares de
pessoas desalojadas, danificaram estradas, destruíram plantações de
banana, viveiros de camarão e arrasaram áreas inteiras de produção de
sal, ficou claro que o projeto não mais podia ser ignorado.
Uma articulação política da bancada
potiguar no Congresso Nacional, em 2010, conseguiu incluí-la no Programa
de Aceleração do Crescimento (PAC) e em abril de 2013 a
responsabilidade pela construção foi delegada ao governo do Estado. A
ordem de serviço foi assinada pela então presidente Dilma Rousseff em 03
de junho de 2013 e a obra iniciada 23 dias depois, com prazo de
conclusão previsto para 31 de dezembro de 2019.
No final de fevereiro de 2016, quando os
bispos do Regional Nordeste II, da CNBB, organizaram uma caravana para
fazer o percurso inverso da transposição – da Barragem Armando Ribeiro
até o ponto de captação da água no rio São Francisco, em Cabrobó/PE –
Oiticica era a obra mais atrasada da transposição. Quando a professora
Fátima Bezerra assumiu o comando do governo do RN, em 1° de janeiro de
2019, apenas 43% tinham sido executados.
Com 590 milhões de metros cúbicos de
capacidade, Oiticica será o terceiro maior reservatório do Rio Grande do
Norte – atrás apenas da Armando Ribeiro e da Santa Cruz em Apodi. Terá
água suficiente para abastecer todo o Seridó, irrigar até 10 mil
hectares e gerar 3,5 megawatts de energia elétrica.
Idealizado no início do Século 20,
quando as secas começaram a atingir com maior intensidade a população e a
economia essencialmente rural do Seminário nordestino, o projeto da
transposição foi resgatado no governo Itamar Franco (1992-1994) e
iniciado em 2007, apesar da resistência dos “estados doadores”, dos
“coronéis do Nordeste e até de movimentos sociais, pelo então presidente
Luiz Inácio Lula da Silva.
“Esse é um dos sonhos mais antigos
acalentados pelos nordestinos. Pra mim, tem um significado especial.
Conheço a seca e não é pelos livros. Minha geração sofreu muito as
agruras da seca, as consequências impiedosas provocadas pela falta de
chuvas. O acesso à água em quantidade e qualidade é um direito de todos.
A água deve também ser vista como vetor de desenvolvimento”, disse a
governadora Fátima Bezerra ao destacar que essa é a proposta do Projeto
de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste
Setentrional (PISF).
“Sonho que a gente desiste vira
pesadelo. É preciso apostar, perseverar e acreditar porque recomeçar,
muitas vezes, é mais difícil do que começar”, disse D. Antônio Carlos,
bispo diocesano de Caicó, na homilia. Ele propôs que as 12 pessoas da
comunidade, vítimas da Covid-19, sejam homenageadas com um memorial
quando a Nova Barra de Santana for inaugurada. Além da missa, houve
jantar de confraternização dos moradores, Papai-Noel e distribuição de
lancheiras e algodão doce para as crianças da comunidade.
Fotos: Sandro Menezes