A Assembleia Legislativa do RN promoveu
audiência pública, na tarde desta quarta-feira (25), para debater meios
de garantir o desenvolvimento da Cajucultura no Rio Grande do Norte e,
em especial, discutir a tributação sobre a castanha in natura. Proposto
pela deputada estadual Eudiane Macedo (PV), o debate contou com a
presença dos deputados estaduais Hermano Morais (PV), Isolda Dantas
(PT), Nelter Queiroz (PSDB) e Divaneide Basílio (PT), de prefeitos,
vereadores, agricultores e produtores de caju, além de representantes de
órgãos públicos a nível federal e estadual e de entidades da sociedade
civil organizada.
A propositora do debate, Eudiane Macedo,
iniciou seu discurso destacando a luta de um pequeno produtor, chamado
João Marcos, que faz parte da Associação dos Produtores e Beneficiadores
de Castanha de Caju de Serra do Mel – Aprocastanha. Segundo a
parlamentar, João Marcos postou um vídeo, no dia 20 de setembro,
mostrando sua indignação a respeito de uma multa recebida do Fisco
Estadual, sobre a sua castanha in natura.
De acordo com Eudiane, o protesto de João e
dos demais produtores é o de que eles precisam entregar a castanha in
natura para o beneficiamento.
“Mas como fazer isso, se não é possível
tirar do seu lote e levar até o local próprio para o beneficiamento?
Recentemente, João me relatou uma série de dificuldades que atingem,
principalmente, os pequenos agricultores. Muitas vezes eles precisam
correr na escuridão da noite, às escondidas, para evitar a fiscalização.
Isso é inconcebível. Nós não podemos permitir que a Cajucultura morra
no nosso Estado”, enfatizou a deputada.
Ainda segundo a parlamentar, a Cajucultura possui uma grande importância socioeconômica para a região Nordeste.
“Só para ilustrar, em 2018, os estados do Ceará, Piauí e Rio Grande do
Norte produziram 139 mil toneladas de castanhas, representando 89% de
toda a produção nacional. O nosso RN é um dos maiores produtores do
Brasil. Dezenas de milhares de famílias dependem desta atividade no
Estado. São mais de 100 milhões de reais por ano circulando na economia
das cidades. Portanto, é uma cadeia importantíssima para o nosso
Estado”, detalhou.
Finalizando sua fala, Eudiane Macedo disse
que o objetivo da audiência pública é mostrar à sociedade potiguar que
os produtores têm o direito de colher e beneficiar a castanha.
“Nós queremos mostrar a relevância desta cultura e produção para a
Economia do RN. E a grande questão é ‘como fazer para não ser tributado
com a castanha in natura?’ No Ceará, por exemplo, o produto só é
tributado na fase de pós-industrialização. Ou seja, enquanto a castanha é
considerada in natura, o produtor pode circular livremente por todo o
Estado. Portanto, nós estamos aqui para apresentar o problema ao Governo
do Estado e buscar uma solução para que os produtores possam trabalhar e
ajudar a Economia do RN a crescer”, concluiu.
O Secretário da Aprocastanha, João Marcos,
relatou detalhes da situação que o levou a produzir e postar, em suas
redes sociais, o vídeo citado anteriormente.
“Eu sou o produtor que fez o vídeo no ato das multas que recebemos dos
fiscais, em Serra do Mel. Logo cedo, 6h da manhã, o produtor ser
abordado como se fosse um ladrão, vindo com uma mercadoria produzida por
tantas famílias que dali tiram seu sustento? Isso é um absurdo. Por
isso eu me indignei e tive a ideia de fazer aquele vídeo. O senador Jean
Paul, hoje presidente da Petrobras, já havia nos dito que a castanha
não poderia ser tributada duas vezes. E desde então isso vem gerando
muito conflito aqui na nossa cidade e no Estado”, explicou.
Em seguida, dirigindo-se aos
representantes do Governo do Estado, João Marcos pediu que olhem com
bons olhos para a situação da Cajucultura do RN.
“Em 1995, o Ceará baixou um decreto para tornar a castanha in natura
isenta de imposto, e foi um sucesso. Devido a isso, hoje a Cajucultura é
muito forte e unida por lá. É isso que nós queremos para o nosso RN.
Nós éramos campeões da Cajucultura, o estado mais forte do Brasil. Mas
hoje já perdemos para o Piauí, por falta de políticas públicas e
incentivo por parte do governo. Mas eu tenho certeza que, a partir de
hoje, os políticos vão se unir, e nós iremos melhorar a nossa situação,
saindo daqui com uma grande vitória”, finalizou.
Na sequência, o engenheiro agrônomo de
Serra do Mel, Braz Lino de Oliveira, revelou que a situação do produtor
rural do Nordeste tem sido muito difícil, nos últimos anos.
“Nós tivemos cinco anos de seca, onde mais de 50% dos nossos pomares
foram dizimados. E isso já tem sido muito complicado de recuperar. Em
Serra do Mel, nós estamos fazendo parceria com Sebrae, Prefeitura,
produtores, tentando repor os cajueiros que foram mortos. Então, é uma
luta muito séria, os gastos são muito grandes”, destacou.
O engenheiro indagou ainda o que está faltando para o Rio Grande do Norte adotar as mesmas medidas do Ceará.
“É entendimento que falta? Se for isso, nós estamos aqui hoje para
resolver isso e explicar tudo para vocês. Essa é a hora de todos nós
darmos as mãos. São muitas pessoas envolvidas. É o emprego de muita
gente. Essas pessoas precisam de trabalho, para que possam ter uma vida
digna, ao lado de suas famílias”, concluiu Braz Lino de Oliveira.
Já o presidente da Câmara Técnica da
Cajucultura no RN, Elano Gomes, contou que esta já é a quarta audiência
pública sobre a Cajucultura, em 12 anos.
“A primeira foi em 2011, depois do protesto que fizemos em Severiano
Melo, fechando a BR-405. Em 2016, nós voltamos à Assembleia Legislativa,
porque nossos pomares foram dizimados pela seca e pela mosca branca.
Naquela época, nós conseguimos avançar nas pautas. Criamos a Câmara
Técnica e a Lei da Merenda Escolar, que ainda precisamos da ajuda de
vocês para colocar em prática”, detalhou o cajucultor.
De acordo com Elano Gomes, existe um
comitê formado por Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí e Bahia, que está
traçando uma pauta de reivindicações, a nível de governos estaduais e
federal.
“E é muito importante que a Assembleia Legislativa acione os nossos
representantes federais, porque nós iremos bater na porta deles. Além
disso, nós temos a Lei do Fundo do Caju, que é de 2013, mas ainda não
foi implementada. Se ela funcionasse, nós não estaríamos passando por
isso”, criticou.
Concluindo seu pronunciamento, o
presidente da Câmara Técnica detalhou que, em 2010, havia uma área de
121.552 hectares destinados à colheita de caju no RN.
“Nessa época, nós respondíamos como segundo produto na pauta de
exportação. Mas, já em 2015, essa quantidade caiu para 78 mil hectares. E
não foi feito nada. Nenhuma política pública. A única política pública
que foi apresentada foi a distribuição de mudas. Mas que até hoje a
gente não recebeu. Portanto, é urgente que sejam implementadas mudanças
profundas no setor de Cajucultura do nosso Estado, para que possamos
voltar a ocupar o topo, de onde nunca deveríamos ter saído”, finalizou.
Para o deputado estadual Hermano Morais, “todos têm responsabilidade com a Cajucultura do RN”.
Ele também falou que compõe esta luta desde 2016 e que, de lá para cá, foram obtidos alguns avanços.
“Essa situação da Cajucultura é cíclica, principalmente pelo problema
das chuvas. E 90% das propriedades estão no Semiárido. Além disso, as
políticas públicas não acontecem como deveriam. Hoje em dia, a atividade
está ficando inviável mesmo, com o custo aumentando e o preço caindo.
Faltam políticas públicas, apesar da ajuda do Sebrae, do Banco do
Nordeste, da Embrapa, da Emparn. Enfim, o fato é que estamos passando
mais uma fase difícil, mas eu fico feliz em me somar e me comprometo a
buscar mais apoio, inclusive a nível federal”, garantiu.
De acordo com o parlamentar Nelter
Queiroz, o Governo do Estado está dificultando bastante a vida dos
produtores de caju do Rio Grande do Norte.
“O governo não está deixando ninguém andar. Nas estradas, quando você
chega em Jucurutu, passando para Caicó, só o que tem é viatura da
polícia apreendendo motocicletas e também os carros da Tributação, que
estão numa perseguição carrasca sobre os produtores. Eles estão parando,
multando e muitas vezes apreendendo as mercadorias. Então, é preciso
que o Legislativo se una e vote logo uma lei, para que possamos fazer
igual ao Estado do Ceará. Eu espero que a governadora reflita e tome
medidas para ajudar a resolver o problema da Cajucultura do Rio Grande
do Norte”, disse.
Dando continuidade aos discursos, o
diretor técnico do Sebrae, João Hélio, garantiu o compromisso da
instituição com a Cajucultura, através dos projetos que são executados
pelo órgão.
“A revitalização da Cajucultura, aliada a políticas públicas que nos
ajudem a fazer esse desenvolvimento, seria o casamento perfeito. E, pelo
número de pessoas que vejo aqui hoje, juntamente com a sua
representatividade, eu acredito que podemos voltar a ser líderes em
produção, no Nordeste e no País. Eu até acho que já temos essa produção,
mas a informalidade, em virtude da tributação, acaba diminuindo a
quantidade de registros. Mas eu tenho certeza de que, por meio do
diálogo, nós conseguiremos melhorar a situação desta atividade tão
importante para o nosso Estado”, opinou.
O coordenador de Agropecuária da
Secretaria de Agricultura do Estado, Antônio Carlos Magalhães, garantiu
que “a secretaria está, como sempre, de portas abertas, junto com a
nossa vinculada Emparn e seus pesquisadores, para ajudar a todos”.
“Nós concordamos com tudo o que foi dito. O que nós precisamos é de um
plano de Estado, olhando 15, 20 anos para frente. Não podemos fazer
programas pontuais. Precisamos de uma revitalização profunda da
Cajucultura, em que haja continuidade. E, para isso, vocês podem contar
com a Secretaria de Agricultura”, frisou.
Segundo o Superintendente do Ministério da
Agricultura, Manoel de Freitas Neto, é importante que seja discutida a
Cajucultura como um todo.
“O problema não está só na tributação, mas na cadeia produtiva inteira. O
produtor precisa de ajuda, como nunca, para que se mude o quadro. Há
fatores que não são climáticos, e sim, agrícolas. E eles precisam ser
corrigidos. Mas é claro que também é essencial discutir o encerramento
dessa bitributação”, apontou.
A deputada Isolda Dantas começou falando da sua história pessoal, que também é relacionada à Agricultura Familiar.
“Eu sou filha de agricultor e vivi no campo até os meus nove anos de
idade. Conheço a realidade de muitos de vocês, porque meu pai vive até
hoje da Agricultura Familiar. E esta é uma das minhas principais
bandeiras. Além disso, este tema é estruturante para a sobrevivência de
muitas famílias da região. E nós estamos aqui para encontrar soluções.
Para isso, é fundamental a gente chamar esse tema a nível de Nordeste,
onde existem o Consórcio Nordeste e a Câmara Técnica da Agricultura
Familiar”, relatou.
Ainda segundo a parlamentar, “se no Ceará não tributa, nós também não podemos tributar”.
“Não há problema nenhum em copiar o que há de bom nos outros estados. E
eu tenho certeza que esta Casa não terá nenhuma dificuldade em alterar a
nossa legislação para auxiliar esta cadeia produtiva tão relevante para
a nossa Economia”, concluiu.
O coordenador de Assessoria Técnica da
Secretaria da Fazenda, Neil de Almeida, disse que não tinha dimensão da
representatividade relacionada ao tema, até encontrar o auditório cheio e
ouvir inúmeras histórias.
“Eu ouvi uma palavra aqui hoje que achei
bem interessante e acho que é a questão chave nisso tudo: entendimento.
Acredito que, após as minhas explanações, tudo ficará esclarecido. E eu
quero frisar que esta audiência é da maior importância, pois além de
trazer questões que não chegaram para a gente antes, com certeza será
encontrada uma saída o mais rápido possível. Então, podem ter certeza
que estamos aqui para somar e ser parte da solução. Nós não queremos ser
um entrave ou obstáculo para a Cajucultura do RN”, enfatizou.
O coordenador explicou que, desde 2019, foi iniciado um processo de
revisão de todos os benefícios fiscais do Estado, com a participação dos
setores envolvidos.
“E, em trinta anos de serviço, eu nunca tinha visto um trabalho tão
sério e completo. Ademais, nós não temos problema nenhum em fazer a
equalização de ideias de outros estados. Inclusive, fizemos isso com o
Camarão, copiando o Ceará; fizemos também com o incentivo à Agricultura
Familiar, semelhante ao da Bahia; e fizemos, recentemente, relacionado
ao coco e à uva”, exemplificou.
Com relação à castanha, Neil de Almeida explicou que a bitributação sequer pode existir no Brasil.
“Em relação à castanha in natura, na prática a ‘isenção’ do Ceará é um
diferimento, que termina funcionando como uma espécie de isenção para o
produtor. Ou seja, o produto não é tributado nas operações de circulação
do produtor; e, sim, somente quando é beneficiada, que é quando a
castanha realmente será destinada à comercialização, seja de uma
indústria, produtor ou intermediário”, detalhou.
O representante da Secretaria da Fazenda explicou ainda que, na prática, o Estado já tem uma legislação sobre isso.
“E, para a surpresa de muitos, a nossa é
até mais benéfica que a do Ceará. Nossos índices são bem menores. O que
faltava para nós, por falta de conhecimento do funcionamento prático,
era adequar isso à realidade atual. A diferença é que, na nossa
legislação, o diferimento só é previsto quando a castanha in natura é
destinada diretamente para uma indústria. Então, o colega que lavra o
auto de infração não está errado. Ele está apenas seguindo o que está na
lei. Mas, agora que chegou esse detalhamento da situação, nós iremos
adequar para que não ocorra mais nenhum problema”, garantiu o
coordenador, acrescentando que a equipe de fiscalização já foi orientada
a não aplicar mais nenhuma multa, até que a legislação seja atualizada.
“Este momento aqui hoje foi fundamental para a resolução do problema.
Não tenham dúvidas de que levarei tudo para o secretário, e nós vamos
aproveitar para agilizar a atualização da legislação, com a ideia de não
cobrar a castanha in natura do produtor, em qualquer circulação
interna. E eu acredito que no máximo em 15, 20 dias a gente sairá com a
solução”, concluiu.
Ao final da audiência, a deputada Eudiane destacou que só entendeu a
dimensão do problema e o tamanho da Cajucultura no nosso Estado quando
foi procurada pelos produtores.
“Nós vimos aqui hoje a dimensão da
Cajucultura e sua importância para a Economia do nosso Estado. Mas, para
que o setor realmente tenha um avanço e não continue perdendo para
outros estados, deve haver mudanças na legislação. E é para isso que
está acontecendo esta audiência pública hoje. Aqui nesta Casa nós
estamos tentando arrumar uma solução para fortalecer ainda mais a
Cajucultura do Rio Grande do Norte”, concluiu, complementando que
montará um Grupo de Trabalho para conversar com o Secretário de
Tributação, próxima semana, a fim de criar um Projeto de Lei relacionado
às melhorias da Cajucultura do Estado.