Michel Temer considera-se dono de uma honradez incrível. E as
delações da Odebrecht levam o brasileiro enxergar em Temer uma inocência
tão inacreditável que começa a suscitar uma dúvida: para que serve a
honradez do presidente? Descobriu-se que o nome de Temer foi citado pela terceira vez em delação da Odebrecht.
Márcio Faria da Silva, um dos principais executivos da empreiteira,
contou a procuradores da Lava Jato que providenciou um repasse
financeiro para o PMDB, em 2010, a pedido de Temer e Eduardo Cunha. Fez
isso em troca do azeitamento de negócios com a Petrobras.
Segundo o delator, a transação foi acertada em reunião no escritório
de Temer, em São Paulo. Participou da conversa, além de Cunha, outro
personagem tóxico: João Augusto Henriques. Vem a ser um operador de
propinas do PMDB dentro da estatal petrolífera.
Instado a esclarecer, Temer admitiu ter recebido um empresário a
pedido de Eduardo Cunha. Afirmou que o sujeito manifestara o desejo de
fazer doação eleitoral ao PMDB. O operador João Henrique estava
presente, Temer também admitiu.
Temer jura que não se falou na reunião nem de dinheiro nem de
contrapartidas. Se Eduardo Cunha celebrou negócios depois do encontro,
agiu por sua conta e risco. Ai, ai, ai. A explicação do presidente vale
como uma caricatura burlesca do bordão “eu não sabia.”
As novas revelações chegam nas pegadas da delação de Claudio Melo
Filho, aquele ex-executivo da Odebrecht que testemunhou o jantar no qual
o então vice-presidente Temer, em pleno Palácio do Jaburu, mordeu
Marcelo Odebrecht em R$ 10 milhões. A doação foi legal, sustentam Temer e
Eliseu Padilha, que o acompanhava no jantar. Caixa dois, rebate o
delator, cujo depoimento já foi ratificado por Marcelo Odebrecht.
A honradez de Temer é incrível porque é difícil de acreditar que
alguém que preside o PMDB há 15 anos, convivendo com cunhas, renans e
jucás, ainda consegue brandir uma reputação inatacável.
A inocência de Temer é inacreditável porque não dá para acreditar que
um personagem com o seu histórico —30 anos de vida pública, presidente
da Câmara três vezes— é ingênuo a ponto de se deixar usar por gente como
Cunha.
Temer faz lembrar um personagem secundário da peça Júlio César, de
Shakespeare. Açulados por Marco Antonio, os plebeus saem à caça dos
assassinos de César. Encontram Cinna. Alguém grita: “Matem-no, é um dos
conspiradores!” Ouve-se outra voz ao fundo: “Não, é apenas Cinna, o
poeta.” E ecoa no ar a sentença: “Então, matem-no pelos maus versos”.
O excesso de inocência, por inacreditável, ainda vai derrubar Michel Temer, o poeta do PMDB, da Presidência da República.
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