Uma recomendação da Procuradoria Geral do Estado (PGE/RN) que estabelece critérios mais restritivos para a implementação de usinas e parques de energia eólica ameaça a liderança nacional do Rio Grande do Norte no segmento, segundo entidades representativas do setor. O despacho, assinado pelos procuradores do Estado Marjorie Madruga Alves Pinheiro e José Marcelo Ferreira Costa, propõe que novos empreendimentos apresentem Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima) para projetos acima de 10 megawatts (MW).
Especialistas da área e empresários do setor são unânimes em 
afirmar que a exigência aumentará a burocracia para aprovação de 
projetos e consequentemente provocará uma migração dos investimentos 
para estados vizinhos, que possuem legislações mais claras. No Ceará, 
por exemplo, só há exigência de estudos de impactos ambientais para 
projetos de energia acima de 150 MW. De acordo com a Associação 
Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica), os benefícios superam os 
impactos ambientais de forma significativa, uma vez que a energia eólica
 é limpa e renovável.
Com 6,460 gigawatts (GW) 
de potência instalada, o RN é o maior gerador de energia eólica do País e
 responde por 30,53% de toda a produção nacional. É justamente esse 
protagonismo que está ameaçado, segundo o diretor da Federação das 
Indústrias do Estado do Rio Grande do Norte (Fiern), Roberto Serquiz. 
“Nós temos um potencial hoje em projetos em andamentos de 5,01 GW 
contratados, então nós podemos subir para mais de 11 GW e é isso que 
está ameaçado. É muito preocupante. Precisamos rever isso, do ponto de 
vista ambiental e também da segurança jurídica”, comenta o dirigente.
Serquiz
 acrescenta que o Rio Grande do Norte precisa criar um ambiente 
legislativo mais seguro para atrair investimentos e usufruir do próprio 
potencial. “Temos tudo para continuar na liderança, não só por ser 
líder, mas para o bem do Brasil. Somos autossuficientes e temos 
condições de expandir isso. O Rio Grande do Norte é impressionante na 
questão das condições naturais. Nós só temos empreendedores buscando 
hoje o RN porque é o lugar onde tem os melhores ventos e a melhor 
radiação solar”, diz Serquiz, que representa a Fiern no Conselho 
Estadual do Meio Ambiente (Conema).
A 
recomendação da PGE/RN foi editada porque o órgão vê “uma inconsistência
 “entre a regulamentação estadual do Conema e a resolução nacional do 
Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). A legislação do Rio Grande 
do Norte fixa os portes dos empreendimentos eólicos (e solares) em micro
 (até 5 MW); pequeno (de 5 a 15 MW); médio (de 15 a 45 MW); grande (de 
45 a 135 MW); e excepcional (acima de 135 MW). No entanto, o Estado não 
faz distinção de eventual nível de degradação do meio ambiente e 
considera todos os empreendimentos eólicos como sendo de pequeno 
potencial poluidor, independentemente do porte.
Desta
 forma, os empreendimentos ficam liberados de apresentar o EIA/Rima ao 
órgão ambiental responsável que, no caso do RN, é o Instituto de 
Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente (Idema). Atualmente, é 
exigido somente o Relatório Ambiental Simplificado (RAS) porque os 
empreendimentos estão enquadrados como pequeno potencial poluidor.
O RAS
Diferentemente
 do RAS, o EIA é um estudo que aborda aspectos técnicos necessários 
exigido para atividades que possam causar grandes impactos ambientais. O
 estudo gera um relatório (Rima), que deve apresentar os impactos 
gerados, propostas de mitigação, além de aspectos de operação, sempre de
 forma clara, objetiva e adequada ao entendimento da população geral. O 
EIA/Rima também exige compensação ambiental de ordem financeira de até 
0,5% do valor do investimento. Dependendo da complexidade da atividade, o
 processo pode durar até 120 dias.
“O EIA/Rima 
se diferencia do RAS no detalhamento, principalmente nas campanhas da 
fauna. Os empreendedores precisam colher informações da época da seca e 
da chuva, por isso demora um pouco mais. Se o estudo estiver completo, 
sem pendências, após a entrada no órgão, estimo em média 90 a 120 dias. 
Os mais complexos acabam tardando um pouco mais pela quantidade de dados
 e os mais simples até menos”, explica Kepler Brito, supervisor da área 
de energias renováveis do Idema.	
No
 entendimento da PGE/RN, a legislação do Estado está em descompasso com a
 nacional. “A procuradoria é um órgão que faz a análise jurídica de 
legislações. Existe uma regra nacional e os estados podem regular a 
matéria, conforme as peculiaridades de cada Estado, mas sem afrontar a 
regra federal. Quando o RN resolveu fixar critérios para a questão da 
energia, tornou todos os equipamentos como de pequeno potencial. Isso 
colide com o critério federal que manda tornar iguais e desiguais. Uma 
coisa é um parque de 30 MW e outra coisa é um parque de 500 MW”, explica
 José Marcelo Ferreira Costa, procurador-chefe da Procuradoria do 
Patrimônio e da Defesa Ambiental.
Segundo o 
procurador, o limite de 10 MW não é algo definitivo. O despacho é uma 
medida de adequação ao regimento nacional para evitar problemas 
judiciais para o próprio Estado. “A Procuradoria não força os 10 
megawatts. Esse é um critério que está na legislação federal, mas o 
Estado pode regulamentar. O que não pode é o Estado dizer que é tudo de 
baixo potencial. Talvez não seja a melhor comparação, mas não se pode 
tratar uma casa de praia como um hotel de grande porte”, complementa 
Costa.
Investidores temem ‘fuga’ de investimentos 
A
 recomendação da PGE representa um obstáculo para o desenvolvimento do 
setor, de acordo com Darlan Santos, presidente do Centro de Estratégias 
em Recursos Naturais e Energia (Cerne). Ele cobra que a medida seja 
revista para evitar que empresas “fujam” para estados vizinhos. “O Rio 
Grande do Norte se coloca que quer atrair investimentos na área de 
energia renovável, respeitando todos os critérios ambientais e a 
legislação referente ao tipo de estudo ambiental, mas recai sob essa 
recomendação. De maneira muito brusca isso freia os investimentos, pondo
 em xeque a segurança jurídica para continuidade dos investimentos aqui 
no Estado”, diz ele.
A visão é
 reforçada por Gibran Dantas, diretor executivo da empresa Internacional
 Energias Renováveis (IER), que tem empreendimentos no RN, no Ceará e em
 Pernambuco. “A gente acredita muito nos órgãos responsáveis para que 
isso possa se desenrolar. O RN é um dos estados do Nordeste que tem a 
maior preocupação com a questão ambiental, os estudos do Idema são muito
 criteriosos. Acredito que essa recomendação vem mais para dificultar 
novos investimentos do que auxiliar a parte ambiental”, comenta o 
empresário.
O representante 
da IER destaca ainda, que apesar do potencial, o RN apresenta custos 
elevados de execução dos processos. “Aqui os custos chegam a ser cinco 
vezes mais altos do que em outros estados. E agora temos mais essa 
dificuldade em licenciar os empreendimentos. Tudo isso dificulta muito e
 faz com que os investidores busquem outros estados vizinhos como o 
Ceará”, afirma Dantas.
Expansão eólica
O
 Brasil registrou em 2021 a maior expansão da história em capacidade 
instalada para geração de energia eólica e o Rio Grande do Norte, o 
maior produtor desse tipo de energia no País, foi o Estado que mais 
contribuiu para catapultar o crescimento. Levantamento da Associação 
Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica) mostra que foram instalados no 
País cerca de 3 gigawatts (GW) em energia eólica até novembro do ano 
passado, e que a participação potiguar nesse montante foi de 1,35 GW, ou
 seja, quase metade (44,19%). As informações foram divulgadas em 
dezembro pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Com
 adição dos 3 GW, a potência instalada da “energia dos ventos” no País 
alcançou 20,1 GW, o que representa participação de 11,11% das eólicas na
 matriz energética brasileira. Em 2014, quando foi alcançado o recorde 
anterior, 2,7 GW foram liberados para operação comercial no País. De 
acordo com a Aneel, o destaque da geração eólica para a produção de 
eletricidade fica com a região Nordeste, que sozinha responde por cerca 
de 90% da capacidade instalada.
Governo vai disciplinar implementação de parques
De
 acordo com a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico (Sedec),
 o Governo do RN corre para regulamentar critérios para implementação de
 parques eólicos a partir da recomendação da Procuradoria Geral do 
Estado (PGE). As discussões acontecem com representantes do Conselho 
Estadual de Meio Ambiente (Conema), Instituto de Desenvolvimento 
Sustentável e Meio Ambiente (Idema), empreendedores do segmento e outros
 interessados no tema. Fontes ligadas ao governo, ouvidas pela TRIBUNA 
DO NORTE, informaram que a tendência é de que o Estado regulamente o 
limite de 150 MW.
Ainda não 
há prazo para que o Governo se manifeste, mas, segundo o titular da 
Sedec, Jaime Calado, o processo será feito “o mais rápido possível”. “Os
 estudos estão muito avançados, o Idema vai apresentar uma solução mais 
atualizada porque isso foi baseado numa legislação antiga e a tecnologia
 tem avançado numa velocidade surpreendentemente rápida e é preciso que 
se faça uma adequação na legislação. Muito brevemente nós teremos uma 
lei que seja compatível com a preservação do meio ambiente e ao mesmo 
tempo contemple a agilidade que as empresas precisam”, conta.
O
 Governo também reconhece o risco de perda de novos investimentos e por 
esse motivo busca celeridade no processo para estabelecer critérios. “É 
do nosso interesse. Mas não depende apenas da gente a aprovação. Envolve
 uma série de órgãos. Não é o governo que regulamenta isso sozinho. O 
que a procuradoria fez, ao pé da letra, foi exigir uma legislação porque
 a que existe é realmente muito antiga e não acompanhou a evolução da 
tecnologia. Estamos buscando essa solução o mais rápido possível”, 
afirma Jaime Calado.
Para se 
ter uma ideia da importância do segmento de energia eólica para o RN, a 
estimativa é de que somente no ano passado o Estado tenha alcançado R$ 
13 bilhões em investimentos em novos contratos de geração de energia 
eólica, segundo a Sedec. Nos seis primeiros meses de 2021, o Governo do 
Estado captou R$ 5,35 bilhões em investimentos contratados para a 
energia eólica no Rio Grande do Norte. Este valor representa 64% do 
total contratado em 2020 – cerca de R$ 8,3 bilhões. Com 222 parques em 
atividade, o RN também é líder nacional nesse quesito.
Esse
 potencial ainda deve elevar quando houver a produção de energia eólica 
offshore (no mar). O Governo do Estado já assinou memorando com a 
dinamarquesa Copenhagen Infrastructure Partners (CIP/COP) para o 
desenvolvimento do projeto Alísios Potiguares, que prevê a geração de 
1,8 gigawatts de energia eólica offshore e a produção de hidrogênio 
verde. A capacidade do RN em produção de energia eólica no mar é de 140 
GW, equivalentes a 10 hidrelétricas de Itaipu.
Da Tribuna do Norte 
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