Primeiro
foram os pediatras, ginecologistas e clínicos gerais. Agora, é a vez de
superespecialistas (médicos com mais de uma especialidade) como
gastroenterologistas, oftalmologistas, médicos do trabalho e outras
especialidades mais sofisticadas buscar o interior para ganhar
dinheiro. A carência dos Hospitais Regionais do Estado e a politicagem
que envolve os Programas de Saúde da Família (PSF), abrem um espaço
propício à rede privada.
Em Caicó, por exemplo, Oberdan
Damásio é praticamente o único médico gastroenterologista a atender na
rede particular. “Só vou a Natal uma vez na semana para trabalhar no
meu consultório particular, e geralmente volto para o interior no mesmo
dia. Em Caicó atendo os demais municípios da região tanto no plano de
saúde quanto particular”, comenta ele, que nasceu e retornou ao Seridó
depois de concluir os estudos.
Mas nem sempre é assim. Quem
realiza a façanha de sair e voltar toda a semana para a capital, admite
que há um desgaste que nem sempre compensa o lucro. O médico do
trabalho Janúncio Rocha não ia tão longe, mas sentiu o peso de rodar
100 quilômetros todo dia para dar conta dos empregos, e decidiu abrir
mão. “Trabalhava em um Programa de Saúde da Família (PSF) em
Parnamirim, deixei e fico só na capital, onde posso me dedicar mais ao
consultório e ao Estado, onde atendo desde 1988”.
A rotina era
a seguinte: além das 40 horas de plantão no Hospital Giselda Trigueiro
como médico infectologista, ele revezava o dia entre o PSF de
Parnamirim, em tempo integral, e, nos intervalos, o atendimento
particular e de convênio com um plano de saúde em Natal. “Das 7 às 11h
ia para o PSF. No intervalo até às 13 atendia no consultório em Natal.
Depois voltava para o PSF onde ficava até às 17h, e no final voltava
para o consultório, ficava lá até a noite”.
Ele garante que o
pagamento nunca atrasou, mas o cansaço não compensou. “Ia de moto de um
lado para o outro. Agora está mais tranquilo. Faturo o mesmo no
consultório, e mesmo que fosse menos, valia a pena permanecer na
capital”. presidente do Sindicato dos Médicos do Estado, lembra que
os superespecialistas
Geraldo Ferreira, presidente do
Sindicato dos Médicos do Estado, lembra que são as especialidades que
exigem procedimento que fazem valer a pena viajar ao interior. “Eles
geralmente acoplam algum tipo de exame ao atendimento, porque só a
consulta é relativamente barata”. O gastroenterologista agrega o exame
de endoscopia, o cardiologista realiza um exame ecocardiograma, o
oftalmologista leva o exame de vista da retina, o neurologista, o
encafalograma e assim por diante.
“A ortopedia também tem uma
carência absurda em todo o estado. E temos casos de neurocirurgiões
que vão a Pau dos Ferros uma vez por semana para atender a uma demanda
reprimida. Assim também se faz a captação de pacientes, com contratos
diferenciados, exames e diagnóstico no interior, em convênio com o SUS,
e só depois precisam vir a Natal”.
Oberdan Damásio relaciona a
resistência dos médicos em se mudar para o interior principalmente pelo
fator social. “O interior tem boas escolas, oferece melhor qualidade de
vida e para se manter atualizado, basta frequentar os congressos e
fazer cursos”, defende. O médico do trabalho Elano Medeiros concorda
que o interior oferece boas oportunidades.
“Minha esposa e
filhos vivem na capital, eles estudam aqui. Mas se engana quem pensa
que o interior é ultrapassado, há aparelhos de ponta para os exames. O
mercado é melhor que em Natal, seja particular ou convênio”.
Só 300 médicos na rede pública
Para
completar o quadro de “desassistência”, a rede estadual concentra
cerca de 87% do quadro de especialistas na Região Metropolitana. Dos 26
hospitais estaduais, seis estão em Natal e Parnamirim: Walfredo Gurgel,
Santa Catarina, Maria Alice Fernandes, Giselda Trigueiro, João Machado
e Deoclécio Marques. Sozinhos, eles têm 1.200 dos 1.600 especialistas
servidores do Estado.
Se contar o eixo da Grande Natal, a
concentração sobe para 1.400 profissionais. Ou seja, sobra menos de 300
médicos da rede pública para dar conta da demanda dos 167 municípios
do RN. “O plano de carreira do Estado beneficia o médico do interior
com uma gratificação de deslocamento/ interiorização”, diz o presidente
do Sinmed/RN, Geraldo Ferreira. “Ela é importante para tentar fixar o
profissional nos interiores, na rede estadual. Mas a maioria dos
hospitais são desequipados. O paciente chega e o médico, fora o
conhecimento clínico, tem poucos recursos ”, diz.
A
complementação da renda dos médicos do Estado está nos planos de saúde
e consultas particulares, que também se concentram na Região
Metropolitana. As estatísticas do Sinmed mostram que cerca de 10% da
população do Rio Grande do Norte possui plano de saúde e, destes, 80 %
se concentram em Natal. Considerando apenas a capital, esse índice
cresce: de 30 a 35% dos natalenses são usuários de planos de Saúde.
Mas
a ausência de médicos no interior não é apenas uma questão salarial.
“Além da frustração pela falta de condições de trabalho no interior e
possibilidade de mercado mais amplo na capital, Natal oferece uma
melhor estrutura de vida”, diz. O presidente do Sinmed/RN chama atenção
aindapara outro aspecto: a formação do profissional.
“Na
capital estão disponíveis melhores recursos, tecnologia, hospitais mais
bem equipados para realização de exames e uma boa faculdade”, elenca.
“O médico procura um centro onde possa exercitar o que aprendeu”. É
comum que os profissionais saiam do âmbito potiguar para se
especializar em outro estado. Com a boa formação na graduação,
conseguem fazer residência médica em locais de destaque, como Ribeirão
Preto, Brasília ou São Paulo. “Quando voltam querem exercitar. “E,
novamente, é na capital onde estão os hospitais privados e públicos
mais bem equipados. O médico é um cidadão normal, tem família para
criar, filho pra botar em colégio, uma série de exigências, um padrão
de lazer. “
Prefeituras exercem pressão política no PSF
Com
o passar dos anos, o Programa de Saúde da Família (PSF), do Governo
Federal, passou a exigir médicos cada vez mais especializados, tendo
sido inclusive criada a residência médica Medicina de saúde e
comunidade . “De certa forma, exige uma excelente formação,
conhecimento bem amplo em outras áreas como dermatologia, sexologia,
urologia”, diz Geraldo Ferreira.
Mas um fator permaneceu até
hoje: a pressão política envolvida na contratação, feita pelas
prefeituras municipais, geralmente por indicação. “Estamos invertendo o
fluxo: em vez de um pediatra que se aposentou, um clínico geral ou um
recém-formado que terminou a faculdade ontem, a exigência do mercado é
um profissional bem formado também”, diz Geraldo Ferreira, presidente
do Sinmed/RN.
Mas mesmo com os valores relativamente altos
oferecidos pelos PSF no RN – entre R$5 mil e R$6 mil em média – faltam
médicos para dar assistência à população do interior. “O acesso a essas
vagas, via de regra, não é por concurso, são empregos temporários
submetidos a toda pressão política. O pagamento muitas vezes atrasa”,
diz o presidente do Sindicato dos Médicos do RN, Geraldo Ferreira.
A
jornada, na maioria das vezes, permite que o especialista não precise
se mudar para a cidade onde atua, mas mesmo assim há prefeituras que
têm dificuldade para contratar o profissional. É o caso da prefeitura
de Janduís, que não encontra um especialista que trabalhe para receber
R$13 mil por mês, valor substancialmente maior do que o oferecido em
fim de carreira no Estado, que gira em torno de R$6 mil a R$7 mil.
“O
problema é que o acesso não é por concurso e normalmente são empregos
temporários que ficam submetidos à situação política”, diz. “É comum o
sindicato receber reclamações sobre os prefeitos. Basta a comunidade
começar a gostar do médico que começa a ciumeira. Chegam ao extremo de
não querer que o médico tenha um relacionamento com a oposição. Se o
rival do prefeito frequentar a casa do médico já se cria um clima de
animosidade”.
Quando tem um concurso público para médico
municipal, segundo Geraldo, a maior parte do salário é composta por
gratificação. “O valor é de, no máximo, talvez mil reais. Ou seja, não
há segurança nenhuma”. Outro problema com que o Sinmed costuma lidar
são os atrasos dos pagamentos. “O profissional recebe no primeiro mês,
depois aparece um problema e começa a atrasar. Aí o medico precisa ir
implorar o salário na casa do prefeito, um desgaste terrível”.
O
fato não é tão incomum. “Quando esses médicos deixam o interior, há um
débito normalmente de quatro a seis meses”. Na opinião de Geraldo, há
muita “fantasia em torno dos salários, atrativos à primeira vista. “Os
salários do PSF no RN são menores que na Paraíba e Ceará. Na fronteira
da região oeste com o Ceará, tem PSF em torno de R$10 mil, com menor
vinculação política”.
Ele é taxativo sobre o assunto: a saúde é
muito vinculada à politica. “Grande parte da classe política monta seu
trabalho em cima da assistência à saúde ou da precaridade do
oferecimento público que é compensado através do favorecimento
político. “Isso atrapalha o serviço do médico. Não conheço nenhum
satisfeito com essa situação”.
fonte:Ellen Rodrigues - Repórter
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