O Ministério Público Federal (MPF) denunciou o delegado aposentado da
Polícia Civil Sílvio Fernando Nunes Silva por receber propina de dois
grupos investigados pela Operação Forró, ligados à exploração de jogos
de azar com uso de máquinas eletrônicas (os chamados caça-níqueis)
montadas com componentes de importação proibida. Em troca, ele permitia a
continuidade das atividades ilegais. Agora poderá responder pelos
crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de
quadrilha.
O dinheiro – pelo menos R$ 58.170 – era recebido em
espécie e acabava depositado em sua conta, de forma fracionada para
tentar fugir aos mecanismos de controle. Os valores foram recebidos
entre setembro de 2011 e abril de 2013, quando Sílvio Fernando era
titular da Delegacia Especializada em Defesa do Consumidor (Decon), que
incorporou as funções da Delegacia Especializada em Costumes (DEC),
responsável pela repressão aos jogos de azar. A Justiça Federal já
determinou a indisponibilidade de bens do réu, até a quantia de R$
58.170.
Dos demais envolvidos, o MPF aponta a relação direta dele com, pelo
menos, o policial militar reformado José Anselmo Soares Filho e o seu
amigo Wagner Miguel de Araújo Galvão, conhecido como “Novinho do Gás”.
Os dois ajudavam a dar proteção ao “grupo dos cariocas” e ao “grupo de
Paulinho”, que mantinham diversos pontos de jogos de azar na capital
potiguar.
Ambos serviam de intermediários do delegado e cobravam
uma média de R$ 3 mil por semana de cada um dos grupos. “Em consequência
das promessas e dos repasses de vantagens pecuniárias indevidas, ele
[Sílvio] realmente se omitiu de seus deveres funcionais e viabilizou a
contínua exploração de jogos de azar”, ressalta a denúncia. Em 2013, a
movimentação financeira do delegado foi mais que o dobro de seus
rendimentos líquidos recebidos formalmente da Polícia Civil.
Sacolinha
A
participação do delegado no esquema foi apontado por um dos líderes do
grupo dos cariocas, Eduardo Madureira, em acordo de colaboração
premiada. Segundo ele, pelo recebimento das propinas o titular da Decon
ficou conhecido como “Sílvio Sacolinha”. Foram autorizados, então, os
afastamento dos sigilos fiscal e bancário e a análise dos dados revelou
que Sílvio “efetivamente se associou, de modo estável e permanente” aos
dois grupos criminosos.
Eduardo relatou um encontro no
estacionamento de um shopping de Natal para tratar do pagamento de
propina, do qual o próprio delegado participou. Na ocasião foram
cobrados R$ 7 mil para a abertura de uma nova casa de jogos, além da
quantia semanal. Somado a conversas telefônicas interceptadas pela
Operação Forró (deflagrada em dezembro de 2013), Sílvio Fernando também é
citado direta ou indiretamente em várias mensagens de celular trocadas
pelos demais criminosos.
Operações falsas
Em
uma dessas mensagens, eles falam de operações de combate promovidas por
outras delegacias e indicam que as ações eram consideradas uma forma de
“desmoralizar Sílvio”. Algumas vezes as ações eram da própria Decon,
contudo serviam mais como forma de pressão para garantir que as propinas
continuassem a ser repassadas. Nesses casos, não eram adotadas todas as
providências devidas. O delegado lavrava simples termos
circunstanciados de ocorrência e deixava de apurar a provável prática do
crime de contrabando, não enviando os equipamentos para perícia e muito
menos tomando medidas para remessa dos elementos à Polícia Federal ou à
Justiça Federal
Os envolvidos chegaram a lamentar a saída de
Sílvio da delegacia, em 2013, o que dificultou o andamento dos
“negócios” dos dois grupos. Há conversações, inclusive, no sentido de
buscar algum nome que permitisse a continuidade do esquema de propina,
já que com o delegado que tomou o seu lugar não “teria esquema”. Os
criminosos reclamam que o novo titular teria dito que “vai atrás de
tudo” e “falou que vai moralizar a delegacia”. Também há diálogos
lamentando os pedidos recorrentes para que a propina paga fosse
aumentada. Chegou a se cobrar um valor de R$ 6 mil semanais de cada
grupo, para que nenhuma casa de jogos fosse reprimida.
Moto
A
proximidade de Sílvio com Wagner Miguel também ficou clara. Em um
computador deste, apreendido pela “Operação Forró”, foi encontrado
arquivo contendo planilhas de 2009 em que constam pagamentos ao lado da
menção: “moto Dr. Silvio”. O delegado declarou que nunca teve uma
motocicleta, porém as investigações do MPF demonstraram que, na época e
até hoje, existia e existe uma cadastrada em seu nome. Diversos cheques
de Sílvio, totalizando R$ 6 mil, também foram emitidos para a empresa de
“Novinho do Gás”, mantido em nome de sua sobrinha.
Além da
condenação pelos crimes, o MPF requer o pagamento de danos morais
causados por suas condutas, “especialmente à imagem da Polícia Civil do
Rio Grande do Norte”, em um valor mínimo de R$ 58 mil, atualizado com
juros e correção monetária; assim como a decretação da perda de sua
aposentadoria.
* Com informações do Ministério Público Federal
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