(Foto: Antonio Cruz/ Agência Brasil)
O jornal Estado de S. Paulo, que dialoga com a elite empresarial do Brasil, avalia que Jair Bolsonaro quebrou o decoro ao agredir jornalistas na saída do Palácio da Alvorada – o que significa que ele já pode sofrer um processo de impeachment por emporcalhar a presidência da República. Leia, abaixo, o editorial "Quebra de decoro" e assista também entrevista com o jurista Marcelo Uchôa sobre o tema:
Quebra de decoro
O presidente Jair Bolsonaro faltou com o decoro necessário para o
exercício do cargo ao reagir raivosamente ao noticiário sobre as
suspeitas envolvendo seu filho Flávio.
Na saída do Palácio da Alvorada, Bolsonaro, sob aplausos dos
simpatizantes que ali estavam, ofendeu jornalistas que o questionaram,
acusou sem provas o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, de
manipular o caso para prejudicá-lo e insinuou que o juiz do processo tem
interesse em fazer as vontades do governador, já que uma filha do
magistrado é funcionária do Estado.
A reação truculenta do presidente surpreendeu mesmo aqueles que
acompanharam sua trajetória política até aqui e testemunharam seu
destempero em diversas ocasiões.
É fato que Bolsonaro transformou sua retórica inflamada e muitas
vezes ofensiva em uma marca pessoal, vista por seus apoiadores como
sinal de sua “autenticidade” como político, destacando-se dos demais por
ter a coragem de dizer em voz alta, em público, o que os demais não
sussurram nem quando estão sozinhos. Foi dessa maneira que Bolsonaro
construiu a imagem de um outsider político, a despeito do fato de estar
na política há três décadas.
Também é fato que Bolsonaro, desde que assumiu a Presidência, costuma
recorrer à agressividade sempre que precisa mobilizar a militância
bolsonarista para intimidar adversários políticos. A esta altura está
claro que Bolsonaro não conhece outras formas de fazer política.
No entanto, o que se testemunhou ontem à saída do Palácio da
Alvorada, residência oficial do presidente da República, foi muito além
do tolerável até para o grosseiro padrão do bolsonarismo. Já seria
indecoroso mesmo se Bolsonaro fosse apenas um deputado federal do baixo
clero; como presidente da República, tal comportamento envergonha os
cidadãos e enxovalha o País.
Nada justifica que o presidente tenha se dirigido a jornalistas da
forma como fez, com ofensas ginasianas a respeito da sexualidade de um
repórter e do comportamento da mãe de outro. Que Bolsonaro tem
dificuldades em lidar com a imprensa já está claro a esta altura – e não
é o primeiro nem, provavelmente, será o último presidente a ter rusgas
com jornalistas e veículos. Tampouco é segredo que Bolsonaro antagoniza a
imprensa com o objetivo de desmoralizar o noticiário que lhe é
desfavorável – e isso também não é novidade no mundo da política. Desta
vez, porém, não há cálculo político que desculpe ou relativize o tom de
Bolsonaro, próprio de arruaceiros que chamam desafetos para uma briga de
rua.
Ao agir dessa maneira, Bolsonaro não apenas se apequena como
presidente, como dá a entender que está acuado diante das suspeitas que
recaem sobre seu filho Flávio – o senador teria se beneficiado de
esquema de desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro quando era
deputado estadual no Rio de Janeiro. O caso todo ainda tem muitos pontos
obscuros e é preciso aguardar que a polícia e o Ministério Público
concluam seu trabalho e os tribunais punam quem deve ser punido, quando
for a hora. No momento, o interesse no caso é basicamente político, com
potencial para prejudicar o presidente – razão pela qual Bolsonaro faria
bem se tratasse o noticiário com a maior discrição possível, pois é
preciso preservar a Presidência, da qual depende a governabilidade do
País.
Mas o presidente parece simplesmente incapaz de se comportar de
acordo com o cargo que ocupa e de compreender que esses maus modos, ao
criar atritos e cizânias, podem prejudicar a recuperação do País
justamente no momento em que se verificam bons sinais na economia.
O decoro no exercício da Presidência não é um capricho; é, antes, a
consciência da responsabilidade – e dos limites – de quem conduz os
rumos da nação, como chefe de Estado e de governo. Não é qualquer um que
pode ocupar a cadeira presidencial, por mais que o atual presidente
queira apresentar-se como um homem comum. A deferência ao cargo de
presidente da República é, antes de mais nada, deferência à própria
noção de República, em que todos devem se submeter à lei – e mesmo a
mais alta autoridade do País não pode fazer ou dizer o que lhe dá na
cabeça. Honestidade e compostura devem emanar da cadeira presidencial.
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